quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Formatando o disco


Pergunta: Monge, com relação ao kensho, o senhor disse que o satori seria a possibilidade de ser proprietário da experiência e acessa-la a qualquer momento. Mas isso me passa a idéia de alguém que acessa alguma coisa, um ego.  Parece uma aquisição.

Monge Genshô:  Mas não é, porque quando você estiver pensando “ah, eu...” aí você não consegue. Eu sou o proprietário, eu consigo isso, não é assim. Quando você está em kensho e tem uma experiência dessas, não tem a noção de “eu estou vendo, eu estou pensando”. Podem experimentar quando vocês estão em zazen. Se você consegue samadhi quando está fazendo zazen, cessam naquele momento todos os julgamentos e você de repente percebe o mundo, sons, todos com clareza, está num espaço cheio de plenitude. Não é propriamente euforia, alegria ou distorção da percepção, não é isso, pelo contrário, é percepção perfeita de todas as coisas. Mas, se você pensar “samadhi”, dentro de você (barulho de um bolha estourando), perde-se. É bem assim.


Pergunta: Se eu tenho a chance de poder optar, porque então eu decido não permanecer?

Monge Genshô: Por causa das muitas coisas que você está fazendo na sua vida normal, por exemplo, você deita para dormir, e quando você adormece, não está mais naquele estado de clareza. Embora (há muitas considerações a fazer sobre tudo isto) aqui mesmo no sesshin, nós sintamos sono, é perfeitamente possível ficar sentado e sonhar sonhos lúcidos, ver o sonho, fazer perguntas, ver respostas simbólicas aparecendo diante dos seus olhos. Mas são sonhos, você sabe que está sonhando e pode até dizer: “não,  essa aí não... essa resposta não serviu”. Meu inconsciente não produziu uma coisa boa, vamos para outra, outra tentativa. E você sonha, e o sonho é lúcido. Você está raciocinando, vendo e observando o sonho como se fosse um filme. Alguém já teve essa experiência aqui? Quando a gente sente sono certas coisas vêem, e por isso no sesshin provocamos um certo déficit de sono,  você sentado ali o filme surge na sua frente, e você começa a ganhar habilidades de usar os sonhos a seu favor.

Sonhar pode ser uma experiência muito agradável, se você pratica o Dharma. Pratica, pratica e cuida dos conteúdos que vêm à sua mente, então os sonhos que vêm são muito bons. Sonhar pode ser uma forma de prática. Por isso também, nós temos que ser disciplinados com os conteúdos que a gente acessa. Por exemplo, é uma péssima idéia assistir filme de terror,  porque de qualquer jeito os conteúdos vão sendo armazenados no seu subconsciente. Na verdade, nós devemos procurar sempre assistir filmes que produzem bons sentimentos, porque isso vai ser construtivo para você. Tudo que acontece, tudo que surge na sua mente aqui no zazen, não culpem mais ninguém, foram vocês que construíram. À medida que acalentaram pensamentos, à medida que acessaram certo tipo de informação, foi isso, isso que foi vindo. Você vai armazenando, o que vai sair? O que foi armazenado. Zazen é uma certa tentativa de zerar o disco. Nem passado nem futuro,  vamos formatar o disco rígido.  Então, é uma tentativa de nós apagarmos o lixo e podermos partir para outra forma de percepção.

Pergunta: Sensei, é como se tivesse que diminuir um pouco o pensar, o pensamento, mas tem que fortalecer o querer, porque para formatar o disco, tem que querer muito não é?  Pois tem que se submeter a um método para isso.

Monge Genshô: É tão difícil que a gente se reúne. Todos juntos e dizemos: “vamos fazer o sesshin”. Porque sozinho você não faria o sesshin (retiro). Teoricamente seria possível, você vai para um lugar isolado, faz sua comida e senta disciplinadamente desde as quatro horas da manhã. Você pode fazer isso sozinho, porém, muito poucas pessoas têm disciplina suficiente para isso. Então nós nos reunimos em grupo e assumimos um compromisso. Ninguém sai daqui, todo mundo fica junto, nós vamos fazer isso aqui, todos juntos. O professor senta junto e fica voltado para os alunos. Toda essa circunstância nos dá uma força de conjunto, é pra isso que serve a Sangha. Por isso a Sangha é uma das três jóias do Budismo: Buda, Dharma e Sangha. Buda o ideal, Dharma a sabedoria, o ensinamento e a Sangha pra nos dar a força de praticar. Porque praticar sozinho é muito difícil, exige tanta força de vontade! Então você tem razão que existe um “querer” aí e essa é uma das virtudes. Algumas das virtudes são energia e disciplina, elas são virtudes necessárias para a prática.