segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

O Zen não é para os Curiosos




Uma vez veio um homem aqui que queria assistir as palestras. Então ele dava um jeito de chegar depois do zazen. Ele veio duas vezes, chegou duas vezes e perguntou se podia ver a palestra. Eu disse que sim.

Na terceira vez eu disse “Não pode. Se você não vier sentar e praticar zazen não pode assistir à palestra”. Porque é só curiosidade. Só debate. Só “mas”, “eu acho que”, “eu penso que”, “eu não concordei com aquilo”. Porque não é essa a postura do aluno. A postura do aluno no zen é outra coisa muito diferente. A experiência mostra que se você sentar alguém lá por 40 minutos já é diferente. A aula já é diferente. A maneira e as perguntas que surgem são diferentes, tudo é diferente. Mas quem vem só por curiosidade… 



Eu me lembro muito bem do meu primeiro professor. Eu conto esse episódio naquele livro O Pico da Montanha. Foi um episódio real. Eu estava numa aula de karatê em Porto Alegre e chegou um monge zen. Eu tinha vinte e poucos anos e pensei: “poxa, todo mundo vai querer ouvir esse monge Igarashi Roshi”. Fui até Igarashi Roshi e perguntei: “o senhor pode falar para os alunos?”, e ele disse: “posso”. Fui até uma sala de aula do karatê que tinha naquele momento e disse para os alunos: “tem um monge zen aqui e agora, e o zen é a base filosófica do karate do, o caminho das mãos vazias. Se vocês quiserem ouvir, passem para a sala ao lado”. Foram umas vinte pessoas. Sentaram-se em seiza (ajoelhadas) no chão. Igarashi Roshi olhou para todo mundo e disse: “por favor, virem-se para a parede”. Pegou o sino e anunciou 20 minutos. Ficou todo mundo lá ajoelhado por 20 minutos, exceto quatro que se levantaram e saíram. Aí bateu o sino, todo mundo se virou, olhou para o centro da sala e ele correu os olhos por todos. Virou-se para a parede de novo: “mais vinte minutos”. Todo mundo saiu. Sobraram eu, o Professor João Graff, que já morreu, que era faixa preta de karatê, e dois alunos daqueles vinte. Aí ele fez uma palestra. Uma bonita palestra com o português errado que ele tinha, mas ele se esforçava. E ele disse: “eu não vim aqui falar para os que têm curiosidade. Eu vim falar para quem estava disposto a sofrer para ouvir”. 

Por isso que o zen é ensinado assim como ensinamos aqui. Se não estiver disposto a sofrer para ouvir, não tem jeito. Então, sobre levar tanto tempo: é tão difícil de encontrar, mas também é tão difícil de ensinar.

[Trecho de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei em Florianópolis, 23/08/2016]