terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Sempre queremos o fantástico


Pergunta – O que o budismo pensa sobre o desenvolvimento? Por exemplo, hoje em dia nos surpreendemos com o que as civilizações antigas faziam com tão poucos recursos tecnológicos. Nós regredimos em alguns aspectos?

Monge Genshô – Nós sempre queremos acreditar em coisas fantásticas. Em alguns aspectos as civilizações antigas realmente desenvolveram coisas interessantes, como por exemplo, o calendário Maia que é mais bem calculado e exato do que o calendário astronômico desenvolvido na Europa.

No entanto, eles não conheciam a roda nem o aço. O que descobrimos nas escavações são artefatos extraordinários feitos com tecnologia muito pobre ou limitados, o que exigia enorme trabalho e esforço. Só encontramos materiais feitos de ferro de 1200 a.C. pra cá, porque o ferro necessita de grandes temperaturas para ser extraído, forjá-lo é uma técnica muito difícil e trabalhosa de ser empregada para se conseguir uma resistência maior de ferro, que é fraco em estado puro. Ao ser misturado ao carbono ele começa adquirir  resistência, torna-se  aço e se tornava caríssimo, antes do  século XIX ele tinha o preço de uma jóia.

Foi a partir deste século, com Henry Bessemer, que foi criado um método de purificação do ferro onde era tirado todo o carbono e depois recolocado na medida certa, dando origem à um ferro fundido que pôde ser moldado, fazendo-se navios de aço, trilhos de trem e pontes. Nenhuma civilização anterior fez algo parecido com o aço. Temos uma tendência a querer algo extraordinário e isso acontece também no meio religioso. Meu trabalho como professor do Zen é destruir isso, pois muitas pessoas vêm para o Zen esperando coisas espetaculares e extraordinárias. Embora os mitos criem facilmente o extraordinário, não precisamos fazer isso para que o budismo dê os seus resultados, não precisamos dizer que os monges têm poderes extraordinários e fazem milagres.

Nosso poder extraordinário é não precisar de poderes extraordinários. O mito de que um homem que se transforma em Deus, ou desce à Terra como um Deus, não é um mito Cristão. É muito anterior ao Cristianismo. Quando surge o Cristianismo, um homem, Jesus, incorpora um mito e este se transforma num mito Cristão. Mas ele já existia na Índia com Krishna ou na Grécia com Hércules e os filhos dos deuses. São arquétipos humanos e existiam em toda a história da humanidade. Tentaram fazer o mesmo com Buda e existem de fato tendências budistas que divinizam Buda. Por isto sempre digo que Buda morreu de diarréia, para que todos percebam que somos homens iguais a Buda. Isso significa que qualquer um de nós pode despertar como Buda.

Esse ensinamento é muito mais difícil de ser compreendido e muito mais maravilhoso do que quaisquer milagres. Em cem anos estarei morto e muito provavelmente muitos de meus alunos diretos também, mas os alunos destes, talvez digam que ouviram falar que o Sensei Genshô podia ler pensamentos. Temos a tendência de querer tornar sobrenatural tudo que nos toca emocionalmente. Não existem passados maravilhosos e com o tempo degeneramos. Os homens nunca viveram tanto e nunca fomos tão poderosos, o que acontece é que a humanidade sempre foi insensata.

A história humana é a história da insensatez. O que acontece no nosso século é que a tecnologia que cresceu rapidamente nos últimos cem anos nos deu poderes desproporcionais em relação à nossa evolução mental. Antes os homens eram insensatos mas usavam machados; agora têm moto serra. Então as florestas são destruídas. Mas se você conseguir mudar sua mente e conseguir colocar um pouco de consciência nos governantes, usando apenas esse exemplo isolado, podemos mudar muita coisa. Vejam o Japão, tem mais florestas, proporcionalmente, que o Brasil. Tem 70% de seu território coberto por florestas, isso porque um imperador ordenou que não se cortassem mais florestas. O que temos que fazer é mudar nossas mentes para conservar esse mundo precioso. Como diz o budismo, tudo começa dentro das pessoas, por isso trabalhamos duramente para mudar nossas mentes, não olhem para fora.