sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O apego a ritos e textos



4) Em relação aos sutras, é importante mesmo recitá-los em chinês arcaico? Há alguma diferença?

As cerimônias são interessantes. Algumas pessoas são mais impactadas por elas e outras menos. Nós recitamos em línguas antigas para você ficar presente no que está fazendo. O fato de você ficar recitando uma coisa que aparentemente “não tem sentido”, faz com que sua mente esvazie. Então o sentido é sem sentido.

Se você quer “entender” a mensagem do sutra, você o escuta na sua língua e compreende. “Ah, ele quer dizer isso”. Você vai raciocinar com sua mente e tentar entender logicamente a mensagem, mas isso não é iluminação, isso é conhecimento. E conhecimento não é sabedoria. São coisas diferentes.

Então a prática das cerimônias é útil, e o cerimonial em si ele tem um sentido de: “ah, vamos estabelecer uma maneira de fazer o ritual, e é essa aqui”. Cada templo acaba estabelecendo a sua, e então tenta-se fazê-lo perfeitamente, porque não vai dar para se pensar mais em nada, pois você está só ali.

Mas isso também é uma “coisa criada”, também é uma fantasia, um meio hábil. Então  há um ensinamento no budismo que diz assim: “um dos obstáculos à iluminação é o apego à ritos e cerimônias”. Um dos principais obstáculos à prática. Alguns monges começam a adorar fazer cerimônia, não gostam de fazer zazen mas amam cerimônias e adoram corrigir os erros dos outros.

Então, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Cerimônias são importantes, conhecimento é importante, mas você precisa das duas asas para voar, conhecimento e prática. Porem se tivermos que escolher, devemos escolher a prática, porque de eruditos que sabem de muitas coisas, nós estamos cheios, de ritualistas mais ainda. Há gente que acha que estudar o budismo é dizer: “ah em sânscrito a palavra quer dizer isso e aquilo”. Aí vem outro e diz: “não, não, tem essa sutileza aqui, porque em páli o autor tal diz isso e aquilo”, e começam a discutir esses detalhes. Parecem os bizantinos, que discutiam quantos anjos podiam caber na cabeça de um alfinete. Isso é inútil para o despertar, do ponto de vista do zen completamente inútil.