sexta-feira, 29 de abril de 2016

Olhar com equanimidade




(Continuação) A sessão quatro do Sutra do Diamante, diz: “até mesmo as práticas mais benéficas são relativas. Na prática da caridade, Subhuti (personagem ouvinte, discípulo de Buda), um bodhisattva deveria ser desprendido. Isso significa que ele deveria praticar a caridade sem levar em conta as aparências ou a ideia de causa, sem levar em conta som, odor, toque, sabor, ou qualquer motivo, pois assim agindo seu mérito é incalculável”. O sutra  diz: “a prática da caridade é feita sem considerar quem é o receptor e sem se sentir distinguido do receptor. Ele e eu somos um, sem levar em conta nenhuma aparência. Mas, Subhuti, igualmente incalculável é o mérito do bodhisattva que pratica a caridade sem quaisquer apegos às formas. Todos deveriam perseverar sem desvios nesta instrução”. E Buda diz: “Subhuti quaisquer que sejam as características materiais, há nelas ilusão. Mas aquele que percebe que todas as características não são de fato características, percebe o Tathagata" (um dos nomes de Buda)”. A explicação aqui é: nós olhamos os seres e os distinguimos a partir de suas características. Se nós não olharmos as características e virmos tudo com equanimidade, então veremos igualdade, veremos uniformidade. (Continua)

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Compreeendendo ambos os lados, sem ódio ou desprezo

Monge Kōmyō
O Caminho do Meio
O ensinamento de Buddha, em suas escolas tradicionais, dá grande valor ao exercício da moderação. É o "Caminho do Meio", a prática de interconexão com o mundo fundamentada em forte atenção, correção, cuidado.
O caminho do centro tem como base oito aspectos práticos. Este “caminho óctuplo” não é complicado de explicar. Os oito aspectos (fala, pensamento, ação; esforço, concentração, percepção; modo de vida, discernimento) não são complexos em sua natureza.
Os termos pertencem ao nosso universo de potencialidades, não existe nada místico neles.
De fato, eles iniciam e se fundamentam em três elementos sem os quais nenhum ser humano poderia interagir consigo mesmo e com toda a existência: ações, palavras (ou meios de expressão) e pensamentos. Eis tudo.
Nenhum poder sobrenatural, nenhuma espiritualidade extravagante.
Apenas agir, expressar e refletir com maturidade de consciência e clareza de interpretação ao lidar com as diversidades na vida.
Mas, infelizmente, o obstáculo para o exercício do Caminho do Meio está na própria mente. Mesmo que você pense ter entendido o sentido do que acabei de escrever, mesmo que tenha convicção de que já realizou essas coisas, é muito provável que você esteja enganado.
Não estou dizendo que você não teria capacidade de realizar o caminho. De fato, todos nós sem exceção podemos fazer isso.
Mas o simples fato de alguém achar que já está imbuído da harmonia, demonstra sua falta de moderação. Entende?
O caminho do meio nunca termina, não há fim para a prática dos oito aspectos da mente correta. Não estamos em equilíbrio; estamos (e precisamos) sempre estar em constante pratica da composição de nossas partes. A mente é uma dinâmica.
Além disso, e mais importante, a moderação nos torna estranhos. A mente passional, essa mente egoísta cheia de paixões, opiniões, escolhas, conflitos, sempre está buscando um lado. O meio não pertence a qualquer lado; é apenas o ponto de equilíbrio, em torno do qual todos os extremos transitam.
Em nossa sociedade, ser moderado é sinal de fraqueza. E mais do que isso, advogar o meio do caminho nos faz menos relevantes para as partes.
Mas o fato é que será apenas através dos homens e mulheres conscientes, moderados, que a humanidade poderá evitar o abismo que a ameaça cada vez mais.
Thich Nhat Hanh, o grande mestre do zen vietnamita, quando jovem se esforçou muito para dialogar com americanos e vietcongs na guerra do Vietnam.
Ele diz que procurou compassivamente demonstrar que todas as partes deveriam encontrar um denominador comum, e não defender apenas os seus pontos de vista.
Como resultado, para os americanos ele era visto como “agente comunista”, para o Vietcong ele era “espião da CIA”.
Assim é para a prática do meio. Se praticamos a moderação, precisamos estar prontos para lidar com a estranheza dos extremos.
O Caminho do Meio exige paciência, e coragem. Assim -- apesar de minhas muitas faltas -- eu procuro praticar.
E nos acontecimentos que nos dividem atualmente em nosso país, me esforço sempre para compreender todos os lados, sem ódio ou desprezo.
Em nome do Dharma,
Monge Kōmyō

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Um bodhisattva não alimenta a ilusão de separação




(Continuação) “Quando um de nós espirra, todos espirramos”, nesse tipo de ensinamento e treinamento, tudo isso está embutido. Com a sangha (conjunto de praticantes) a instrução é: não falte a nenhum evento, venham todos. Não saia da sala, não desista do zazen (meditação sentada), porque você e a sangha são uma coisa só, não existe um ser separado, só existe esse conjunto. Então esse conjunto não se olha, não conversa, não manifesta opiniões, come a mesma coisa, dorme na mesma hora, acorda na mesma hora, senta junto, faz kinhin (meditação andando) junto e todo o treinamento do sesshin (retiro) está indicando para este fato: a percepção de um ego separado, de uma entidade separada, é em si mesma uma ilusão. Um real bodhisattva não alimenta essa ilusão. (Continua)

terça-feira, 26 de abril de 2016

Em cada passo, se manifesta o universo





Eu nada desejo a mais nesta vida. Não me ajoelho diante de ninguém ao mendigar. Tampouco me apego ao que os outros esperam de mim. Quando tenho o que comer, eu como; quando não há nada para comer, então não como.
Meu ânimo é firme: enquanto a vida me alcançar, viverei, e quando a morte chegar, então morrerei. Neste momento a vida se estende diante de mim até o horizonte, e é tão clara como o céu azul; o que poderia ser mais belo?
Eu não tenho pátria. Em vez disso, onde eu estiver, estarei em casa. Em nenhum lugar eu me sinto como um hóspede. Nos templos para onde sou convidado vivo como se eles fossem o meu próprio. Vivo naturalmente, sem grandes cerimônias. Cada passo que dou, estou em casa.
Em cada passo, se manifesta o universo. Nenhum lugar para ir, nenhum lugar para onde voltar. Não há qualquer lugar onde poderia me esconder, e nenhum lugar me resta para caminhar.

Kōdō Sawaki Roshi (澤木興道, Sawaki Kōdō)
Japão 1880 - 1965
[Tradução Monge Kōmyō]

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Não existe ninguém para ser liberado




(Continuação) Nesse momento um grande ensinamento é colocado, porque ele diz “ninguém foi liberado, não existem seres para serem liberados”. Isso é como se nós olhássemos agora a nossa assembleia aqui e disséssemos: existem pessoas para serem liberadas aqui? Parece que existem, porque cada uma pensa “eu sou separado, sou eu que tenho um problema, não é possível que essa outra pessoa do lado tenha uma dor na perna igual a minha, afinal é outra pessoa, não é possível que os outros tenham mentes turbulentas como a minha”. Cada um alimenta ideias de separação e diferenciação, mas quando ele diz que “um real bodhisattva não aprecia a ideia de uma ego entidade, uma personalidade, um ser ou uma individualidade separada”, então do ponto de vista de eliminar todas as ilusões, não existem seres separados aqui nesta assembleia, e não existe, em última análise, do ponto de vista absoluto, seres para serem liberados, porque todos que estão aqui são apenas uma única coisa. Isso é o que o Sutra está dizendo e é bem difícil porque contraria toda a nossa experiência pessoal. (Continua)

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Não existe a ego-entidade



(Continuação) No meio da assembleia estava o venerável Subhuti: “venerável Subhuti ergueu-se, descobriu o ombro direito”, por isso também usamos o manto com o ombro descoberto, essa é uma demonstração de respeito, “depois ajoelhou-se e solicitou a Buda que os instruísse sobre quais critérios eles deveriam agir e como deveriam corrigir seus pensamentos”. Isso é muito interessante para nós, porque vocês se sentam em zazen com suas mentes, seus pensamentos e devem agora, depois de algumas sessões de zazen, estar pensando: “eu estou fracassando, não consigo nada”. Buda disse: “muito bom, Subhuti, o Tathagata está sempre atento a todos os bodhisattvas, protegendo-os e os instruindo bem. "Agora escuteis e guardeis minhas palavras no coração, eu irei declarar-vos quais critérios os bons homens e as boas mulheres que buscam a realização do incomparável esclarecimento devem agir e como eles devem corrigir seus pensamentos”. Então, Buda continua: “Subhuti, todos deveriam disciplinar seus pensamentos do seguinte modo: por mais vastos, incontáveis e imensuráveis que sejam os números dos seres que tenham sido liberados, em verdade nenhum ser foi liberado. Por que é assim? É assim porque nenhum bodhisattva, que seja um real boshisattva, aprecia a ideia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser ou uma individualidade separada”. (Continua)

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Cortar as ilusões



Gostaria de destacar um Sutra muito importante, o do Diamante, que pertence à coleção dos Prajnaparamita Sutras. O Sutra do Coração da Grande Sabedoria, é um resumo da essência dos Prajnaparamitas, que constituem aproximadamente 600 volumes. Alguns desses volumes são muito curtos e o Sutra do Coração é apenas um desses volumes, ou pergaminhos. Mas vamos estudar o Vajracchedika, que quer dizer diamante. Este é o Sutra que corta as ilusões. Esse texto foi traduzido para o português por Cláudio Miklos, que é o Monge Komyô. Os Sutras começam fazendo algumas considerações sobre o contexto em que Buda estava vivendo. Naquela época, Buda residia no Parque Anathapindika, em Sravasti, com uma grande comunidade de bikkus, que é como são chamados os monges. “Havia cerca de 1250 bikkhus e num dia, na ocasião do desjejum, o honrado pelo mundo colocou seu manto e, levando sua tigela, tomou o caminho para a grande cidade de Sravasti para pedir seu sustento. Ao chegar à cidade ele foi de porta em porta, de acordo com a regra, sem pular nenhuma delas, pedindo alimento. Isto feito, ele se alimentou, lavou seu manto, a tigela, os pés, tomou seu assento e acomodou-se”. Essas considerações iniciais são feitas para nos contextualizar em um Buda homem, tendo necessidades comuns de um homem e fazendo atividades de um monge. O objetivo é mostrar que Buda não é um ser extraordinário, transcendental, que anda acima do chão. Buda é um homem como cada um de nós, que precisa comer, se vestir, lavar os pés e isso é essencial para a compreensão do budismo. Isso é maravilhoso porque mostra que um homem comum pôde se iluminar e se ele pôde despertar, nós também podemos. (Continua)