terça-feira, 31 de julho de 2012

A expressão na vida diária



Algumas pessoas  se afastam por entender que a prática do Zen não era o que elas esperavam. Elas esperavam o que leram nos livros, coisas complicadas, koans, não dualidades, pensamentos muito complexos sobre o Zen. Não estão errados estes pensares, mas eles não são o verdadeiro Zen porque o verdadeiro Zen se expressa em pequenos detalhes e não se expressa através do conhecimento verbal, do raciocínio. Ele se expressa em outras coisas. Para nós vermos um bom praticante do Zen nós não o ouvimos, nós sentamos com ele, olhamos as suas costas. E ao olhar as costas do praticante nós sabemos: é um praticante sério. Não importa o que ele disser. Importa como ele pratica, como ele anda, como ele coloca os seus chinelos, como ele faz a oferenda de incenso, como ele faz cada coisa porque é na expressão da vida diária que nós vemos a verdade.
Não adianta fazer belos discursos sobre o Zen e depois ter um ataque de raíva. Esse não é o Zen. Não é o Zen falar bonito e depois ter atitudes quaísquer de cobiça, de orgulho, de inveja, aquelas que nós citamos nos preceitos. A verdade vai aparecer na expressão da forma. A verdade aparece na fala e nas ações que expressam a mente. Por isto treinamos a mente. Treinando a mente deveremos mudar as nossas ações, as nossas formas, mas viemos no zendô e treinamos a forma para ver quanto estamos atentos. Uma mente atenta, não é uma mente distraída, viajando, perdida. Mas  quando estamos fazendo coisas no zendô, com todas as regras, aí nós erramos. Quando nós erramos, nós rimos, porque todos erramos. Mas quando nós erramos e rimos é para nos dar conta de que é esse o nosso verdadeiro estado. O nosso estado se expressa aí e depois a gente senta e pratica com a nossa mente das duas formas, observando a mente no zazen e mantendo a forma de Buda no zazen. Então são esses dois caminhos bem juntos. Se você tirar a forma do Zen não é mais o Zen, é outra coisa.
Não vale a pena praticar se você não compreende isso. É melhor então procurar uma prática em que você não sente este conflito. Mas eu fico pensando quantos desses enganos provêm de falhas minhas como professor. De explicar claramente o que é isso porque na tradição do oriente não se explica. Então simplesmente se faz e se espera que as pessoas consigam compreender sozinhas. Mas no ocidente como chegou a tão pouco tempo o Zen, acho que o professor tem que explicar.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Pela forma atingir a mente



Nós fazemos, por exemplo, o rakussu. Os praticantes antigos vão fazer votos, tomar os preceitos e para isso fazem os seus rakussus. Na nossa escola nós pedimos: faça o rakussu você mesmo, costure com agulha e linha. É difícil, detalhado, complicado, lento, impossível de fazer bem feito, mas você faz, ponto a ponto, semanas trabalhando para fazer um rakussu. Esse trabalho é forma? É forma sim. Esse trabalho é um trabalho espiritual? É um trabalho espiritual se você colocar o seu espírito nele. Significa dedicação para fazer o rakussu, lavar bem as mãos, acender incenso ,ir costurar com espírito atento ao que está fazendô, tomar isso como se faz uma meditação. E ao fazer isso esse pedaço de pano fica impregnado do nosso espírito ele ganha um significado, ele ganha um poder, porque nós, através da forma, criamos um poder no kesa e ele começa a nos influenciar.
O trabalho espiritual tem o sentido de, pela forma, procurar atingir o espírito. Então é um profundo engano entender a prática do Zen como: isso é orientalismo, isso é niponismo etc, porque se nós fossemos lá para o Japão onde começou a prática Zen, nós veríamos as pessoas dizendo, como aconteceu muitas vezes na prática japonesa, que isso era prática estrangeira porque a religião japonesa era o Xintoímo e o Zen não era japonês, era chinês. Essas tradições tinham sido trazidas da China, de mestres chineses.
Agora viajemos até a China e vamos ver a história do budismo e veremos os imperadores chineses e líderes chineses taoístas perseguindo o budismo porque era religião estrangeira, não era chinesa porque tinha vindo da Índia. E essas idéias eram estranhas à China. Ou seja, essa discussão é antiga demais, velha demais e engano que ressurge nas mentes há milênios. Há dois mil anos já havia esse tipo de problema. Então nós não podemos nos confundir com esse tipo de coisa. Temos que entender qual o sentido do Zen.  Por que no Zen se bate um sino de determinada maneira, porque é tão difícil. Sodô que agora está batendo há tanto tempo (o sino) conseguindo fazer três batidas bem parecidas. Quanto tempo levou para conseguir bater três vezes bem parecido. É bem difícil. Por quê? Porque é muito simples, mas expressa algo porque só uma mão calma pode bater igual. E como uma mão vai expressar essa calma? Só com uma mente calma. Então toda a forma que nós temos no Zen tem um sentido.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A forma no zen



O Zen diz que o apego à forma e aos rituaís é uma dificuldade. Do outro lado quando nós entramos num mosteiro Zen, ou num centro de prática do Zen, nós vamos ver que há muita exigência quanto à forma. Mais do que em qualquer outro lugar. Pedimos que os sapatos sejam colocados lado a lado e retos, não sejam jogados de qualquer forma. O que isso significa? Significa: quem tem uma mente desarrumada a expressa de forma desarrumada. Então se alguém chega num lugar e joga os seus sapatos de qualquer jeito isso expressa uma mente não respeitosa, não disciplinada, não reverente. Então a forma expressa essa mente.
 Então no método do Zen nós começamos com uma expressão formal correta esperando que através da expressão formal nós venhamos a modificar a nossa mente. É o caminho oposto. Nós sabemos, por exemplo, que quando alguém fica tenso, nervoso, contrai os músculos das costas. Então não adianta chegar para a pessoa e dizer assim: se acalme, relaxe. E a pessoa: mas eu estou nervoso. E as costas estão doendo de dor, contraídas. Nós sabemos que não adianta apenas fazer isso. Então nós pegamos essa pessoa e fazemos uma massagem nas costas, fazemos shiatsu, acupuntura, um bom banho bem quente e as costas relaxam e a mente relaxa. É claro, nós podemos começar por qualquer um dos lados e obter o resultado desejado. Podemos começar pela mente e obter o resultado no corpo, na forma. Mas nós também podemos iniciar na forma para tentar alcançar um resultado na mente.
Na verdade no Zen as abordagens dos dois lados existem simultaneamente. Sentamos em zazen para tentar criar uma mente pacificada. Mas como sentamos em zazen? Com uma forma e esta forma é altamente disciplinada, simétrica, apoiada, sólida, pacificada. Nossa mente pode ser uma tempestade, mas nós sentamos como budas, como estátuas de buda. E o professor diz: respire como um buda profunda e calmamente e deixe uma respiração natural se instalar. Fazemos um mudra como o de Buda, apoiamos três pontos no chão: os joelhos e as nádegas de maneira a ficar solidamente estáveis. Estabilizamos o corpo. Tornamos a coluna reta. Ao fazer isso nós influenciamos a nossa mente. É por isso que a forma é assim. Algumas pessoas não entendendo a forma olham para a escola Zen e dizem que isso é ritual e que é apego à forma. Não é apego à forma. Apego à forma seria se apenas sentássemos e brigássemos com as pessoas: você não está sentado certo. Você está sentado curvado. Você está sentado torto. Não pode sentar numa cadeira. Você tem que sentar em posição de lótus. Se nós fizéssemos isso seria apego à forma. Não é isso. Os mestres sabem que existe um sentido na forma e a forma é praticada para mudar a mente. É por isso que  trabalhamos assim.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O Buda Mahavairochana


Kanzeon, a que ouve os lamentos do mundo


Qualquer coisa, todas as coisas são uma manifestação
de Mahavairochana Buda.

Maha vocês sabem é grande, Vairochana é um dos Budas transcendentes, Buda de sabedoria normalmente é apresentado fazendo gesto de sabedoria. Literalmente Mahavairochana quer dizer como um sol. Aqui é bem uma questão etnocêntrica. A gente fala Mahavairochana Buda e as pessoas dizem: quem é este Buda? Como é a estátua dele? Ele é devoto de Mahavairochana Buda, por exemplo. Mas é apenas um dos aspectos de manifestação de Buda, não é um ser em particular.(Comentário de Monge Genshô)

Isso é Mu-Ji.
Isso é dharmakaya.
Por isso é que entoamos
puro darmakaya  Vairochama Buda.
Nós não estamos apenas balbuciando palavras.
Elas têm implicações muito claras!
Darmakaya, isto é, Um.

Darmakaya é toda essa manifestação absoluta. É darmakaya se manifestando e esse é também um dos aspectos de Buda. Nós recitamos na oração das refeições – Darmakaya Vairochana Buda.(Comentário de Monge Genshô)

E Mu parece ser
o Buda Mahavairochana,
e Mahavairochana Buda parece ser
uma centena de gramas,
e cachorros também.

É por isso que Dogen Zenji diz, no Fascículo de Kannon, que o
Bodisatva Avalokiteshvara
É o Thatagata com o nome de Sho-Bo-Myo,
Iluminação do Dharma Correto.

E de fato, todos vocês
tem a sabedoria e compaixão de Kanzeon.
Isso é o que apreciamos juntos
e fazemos mais e mais iluminados.
Iluminados, não de um modo brilhante, pomposo,
mas iluminados através da nossa ação!
A maneira como fazemos uma reverência,
a maneira como fazemos gassho,
a maneira como andamos,
a maneira como servimos.

(Maezumi Roshi)


Pergunta: Mas Monge, como sabemos se estamos agindo da maneira correta?
M. Genshô: É simples. Quando você pensa a partir de si mesmo é uma ação egóica, quando você pensa nas necessidades dos outros seres você pensa na unidade. É como a relação entre amigos, como você sabe quem é um verdadeiro amigo? Aquele que estiver ao seu lado quando tudo estiver contra você, quando a sorte ou a fortuna o abandonam, estes são os reais amigos. Os que estão com você quando tudo está bem, quando há glória ou recursos abundantes são amigos da glória e do dinheiro. Então  a ação correta é aquela que não parece fácil e óbvia. 


(Palestra em sesshin, decupada da gravação por Denkô San em 2007)

terça-feira, 24 de julho de 2012

Nada, não...



Este prajna e os cem gramas
são sinônimos de Mu-ji e, definitivamente,

Mu-ji é uma referência ao primeiro koan de mumonkan. Mumonkan é uma coletânea de koans e o primeiro é o cachorro de JoshuUm monge perguntou para Joshu: o cachorro tem natureza búdica? Joshu respondeu: mu. Mu significa nada, não, literalmente.Mas esse koan é resolvido perguntado assim: o que é mu? Onde está mu? Mostre-me mu agora nesta cadeira, mostre-me mu no seu sapato. (Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: Mu significa nada não?
Resposta: Literalmente, nada não. Mu é uma partícula negativa. Há muitas considerações. O comentário no Mumonkan diz: se você resolver esse koan ganhará uma grande espada e com ela você poderá cortar a cabeça do seu mestre e de todos os patriarcas. Este é o estado de libertação também.

Kannon Bodisatva também é,
como são cachorros e gatos
e nós mesmos.
Aqui e agora,
quero que vocês realmente apreciem a si mesmos
como Bodisatva Avalokiteshvera.
Vocês fazem shikantaza?Isso é ótimo.

Shikantaza é o que estamos fazendo, apenas percebendo, apenas sendo junto com todas as coisas.(Comentário de Monge Genshô)

É koan?Isso é ótimo.
Seja quem você for
ou o que quer que faça,
você pode apreciar sua vida como
Bodisatva Avalokisteshvera.

Dogen Zenji diz, no Bendowa
mesmo que uma pessoa sente
em shikantaza, zazen,
imprimindo o selo de Buda sobre
corpo e boca e mente,
todo céu, todo o espaço,
em outras palavras, o universo inteiro,
tudo se torna o selo de Buda.
(Maezume Roshi)

O que ele está tentando dizer é que se sentamos em shikatanza, colocamos o selo de Buda em todas as coisas. Então, elas todas manifestam o absoluto, porque se sentamos e percebemos sem julgamento, as coisas podem mostrar a sua talidade, porque o que nos impede de ver a talidade é nossa opinião. Por isso é tão fácil ver o estado dos alunos quando eles se manifestam, porque a manifestação tem ou não tem ego, quanto tem de ego, quanto é desejo de aparecer, opinião, quanto é eu, fica fácil.Uma vez estava com um grupo de alunos do Zen e pedi que cada um falasse sobre a sua experiência, eles falaram, alguns de forma bem bonita. Mas um disse: eu precisava dar uns comunicados sobre coisas que estava fazendo para a Sangha, falou e calou. Eu pensei: que mente maravilhosa, porque quando pedimos para ele falar ele não estava pensando nele, ele estava pensando na comunidade, então naturalmente da sua boca saiu o que ele estava fazendo e não deu nenhuma opinião pessoal. Ele realmente mostrou sem querer uma qualidade.(Comentário de Monge Genshô)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Um sonho vívido



Pergunta: Somos nós também parte do fluxo cósmico?
Resposta: Sem dúvida nenhuma.Nós é que pensamos que não somos. Nós é que pensamos que somos eu aqui agora e depois eu nasci e eu vou morrer porque eu estou pensando e olhando e vendo os outros, porque eu estou vendo então é um sonho .Eu estava conversando sobre isso com Saikawa Roshi e eu disse... é um sonho. E ele disse, assim: mas é um sonho tão vívido... porque o que acontece aqui agora, é o nosso sonho de que estamos aqui agora sentados ouvindo uma palestra do Dharma num retiro, é um sonho muito vívido.
E a pergunta é: mas  se se apaga  meu cérebro, se eu morro, onde está esse universo? Quem sou eu realmente? No budismo nós queremos responder essa pergunta com uma percepção profunda em vez de ficarmos nos iludindo com histórias de que somos uma alma que vai trocando de corpo ou espírito ou coisa assim, nós queremos atingir essa compreensão profunda do sonho do nosso eu aqui agora e descobrir e perceber que nós não somos essa pessoa que nasceu e vai morrer. Nós não somos estes condenados à morte que estão todos sentados aqui nessa sala e isto é que significa libertar-se da morte também e de todos os apegos e sofrimentos. Esta é a liberdade, entender, alcançar a nossa verdadeira natureza que não é a desse ser que está aqui agora com esse corpo, vivendo o primeiro dia do resto das nossas vidas a cada dia. Esta idéia é bem clara, amanhã começa o resto das nossas vidas. Amanhã é o primeiro dia desse resto. Está terminando e cada dia não se repetirá. É menos um. 
Mas quem somos nós? Estamos pensando isso, esse fenômeno do nosso cérebro funcionando, essa ilusão que fecha os olhos, dorme e tem outra ilusão, quem somos nós realmente além desse sonho momentâneo? Esta não é uma resposta para ser dada com uma solução de fé. No Zen o monge não vem aqui e diz assim: é assim, acreditem. Não é assim, tentem e descubram através da meditação quem são realmente, porque posso dizer algumas coisas a respeito, mas não posso dar respostas para ninguém, todo mundo tem que ver com os seus próprios olhos. Quando a gente consegue responder a pergunta “quem é você?” para um mestre, de forma satisfatória, é uma libertação deste papel que estamos representando, é uma solução, é uma realização espiritual libertadora e é isso que a iluminação é – libertação dessa condição de nascimento e morte. 

"Transcendente.
Não algo a ser transcendido,
mas a vida de cada um de nós é transcendente.
Essa é a vida que estamos vivendo,
e, quando você realmente compreende isso,
significa compreender o que é o todo,
não fica tão difícil,
e vivê-lo também não.
Você compreende que não existe
outro jeito que você possa viver.
Não é algo
que deva tentar realizar
amanhã."
(Maezume Roshi)

sábado, 21 de julho de 2012

Massacre em Denver



Treinamento em visualização para a violência

   Em todo mundo a violência cresce. 60% dos crimes são cometidos por homens jovens entre 15 e 26 anos. Não se alegue injustiça social, a ascensão do crime ocorre nas sociedades mais justas do planeta também. O fenômeno sofreu uma grande aceleração desde 1980. Cogita-se de algumas hipóteses, uma, evidente, é a proporcionalidade clara entre o consumo de drogas e a violência para obtê-la. A outra a agressão inexplicável, cometida por jovens nos quais não se acha motivo aparente para o ato. Vamos examinar o segundo caso.
  Treinei karatê durante anos, artes marciais outras também, tiro de competição idem, fui militar. Não há a menor dúvida em minha mente. A repetição da simulação de um soco facilita enormemente sua execução. Tiro treina-se também disparando armas vazias muitas vezes, isto condiciona a mente, as mãos, os reflexos. Para competições a visualização mental de um movimento aperfeiçoa o ato, retira as hesitações. Faz-se isto até no basquete por exemplo, imagina-se apenas o encestar. Os pilotos treinam em simuladores, ninguém diria que é um aprendizado inútil, não é feito em vídeo?
    Os defensores dos games violentos dizem que seu efeito é nulo. Não é bem assim. Apesar de meu treinamento jamais entrei em brigas, porém conheci colegas que foram induzidos pela proficiência a isto. Usei o revólver para prender um ladrão armado de faca dentro de minha casa. Não atirei nele. Mas sei de quem matou. Minha mente tem uma forte censura. Ocorre que estes freios funcionam bem em 99% das pessoas. Em 1% o superego não é tão eficaz. Hoje 1% da população americana está presa. Este número de criminosos é suficiente para abalar uma sociedade.
    A conclusão é fácil. Quando um psiquiatra diz que os vídeos não fazem de pessoas normais criminosos ele está certo. O que esquece é que aquele 1% de pessoas no limiar do ato violento tem suas mentes condicionadas pela visualização do alvo, pelo apertar dos botões, pelo ver cair seu inimigo imaginário. São estes os que serão os atores do ato sangrento. Mas bastam eles para desencadear o pânico em uma sociedade. A pergunta não é se os vídeos e outros treinamentos com este efeito são maus para as pessoas normais, mas sim, se podemos permitir que os indivíduos que precisam apenas de pequeno incentivo para apertar gatilhos devam ser condicionados a faze-lo mais facilmente.
Petrucio Chalegre - Escrito e publicado em:
Porto Alegre, 19 de abril de 2001.

Hoje, como um religioso zen budista, mais convicto ainda estou de que os filmes que banalizam o crime, os vídeos em que pessoas treinam visualmente atirar e matar, são uma influência a mais para os border lines, os indivíduos que tem dificuldade em distinguir entre realidade e fantasia.
Basta uma declaração para tornar tudo claro. No Brasil um jovem fez algo semelhante ao criminoso de Denver, que bateu o recorde pessoas baleadas nos EUA ontem, entrou em um cinema e atirou, entrevistado após o crime declarou: - Pensei que estava em uma realidade virtual...
Era um estudante de medicina, até então tido como pessoa normal. 
Qualquer um, que treine meditação, descobrirá quanto nossa mente é condicionada, e quanto entulho colocamos dentro dela diariamente. Seria melhor que alimentássemos nossa mente com o bom e o belo, não com explosões e  a visão de sangue jorrando de corpos.
Rev. Genshô

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Não é a mesma nuvem mas é a mesma nuvem



No Hannya Shingyo nós lemos.
Fazendo profundo prajanparamita...
e Dogen Zenji diz, aqui, de uma bela maneira:
Clara visão do corpo inteiro...
...
Como pode o corpo ter visão clara?
...
O corpo inteiro, ele mesmo é a própria visão!
...
O corpo todo é!
Esse tipo de visão não dual
é o que significa transcendente.

Essa questão da dualidade é bastante importante no Budismo Mahayana. No  budismo mais antigo a ênfase é em que as coisas são claramente separadas em certas ou erradas. Isso é certo, isso é errado. Isso é bom, isso é ruim. Essa é uma prática com a qual nós começamos, nós temos isso no Zen, quando fazemos a cerimônia de preceitos, o Jukai, usamos os preceitos, nós damos regras claras, não matar, não roubar etc são regras que dizem isto é certo, aquilo é errado. Quando nós chegamos no Budismo Mahayana, Nagarjuna põe ênfase na questão da não dualidade e da vacuidade. A questão da não dualidade é um passo a mais que diz que não existe esta divisão clara, isso pode deixar alguns budistas confusos, porque de um lado a nossa conduta pode ser classificada em certo, errado, convencionalmente. De forma absoluta é que não se pode dizer isto. No exemplo da árvore que nós estávamos dando no início, eu disse: nascimento e morte para ela não existe, esta é a visão não dual e ela é a própria vida e a vida continua, não nasce nem morre, essa é a visão não dual, mas do ponto de vista convencional nós sabemos esta árvore nasceu e vai morrer.(Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: na linguagem relativa, uma percepção relativa?
Resposta: Sim, do modo relativo é assim mesmo, nasce, morre, estraga, seca, no modo absoluto não, não é assim não há morte nem nascimento porque nós estamos olhando a floresta e a floresta continua. Lá no topo do morro se forma uma nuvem que estou vendo quando o vento passa e sobe a umidade do ar se condensa e forma-se uma nuvem com gotículas de água. Aquelas gotículas passam para o outro lado, sobem, mas a nuvem está sempre lá no topo do morro porque se tem sempre vento subindo, condensando fica lá a nuvem. Não é a mesma nuvem, mas é a mesma nuvem.

Pergunta: Só trocou as substâncias?
Resposta: Exatamente, você trocou a substância do seu corpo, só que é menos visível na questão da nuvem, mas é isso mesmo.Você perde ferro, ingere ferro, vai trocando as substâncias que estão no seu corpo como a nuvem, então de uma certa forma é o mesmo e não é o mesmo. Em sua substância não é o mesmo, mas na sua manifestação que nós estamos vendo é a mesma pessoa. Essa é a diferença entre relativo e absoluto. Tem um poema famoso chamado Sandokai sobre o relativo e absoluto que nós recitamos freqüentemente em cerimônias também.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O coração do sutra



Hannya Shingyo quer dizer o coração do sutra. Quando nós dizemos Sutra do Coração está errado, não é escritura do coração, na realidade o que chamamos de sutra do coração é o coração do sutra. O Prajna Paramita é uma coleção de quarenta sutras que explica a sabedoria, como o sutra do diamante, por exemplo. E o conceito de bodisatva é expresso magnificamente num texto curto que é o Hannya Shingyo que é o coração desses sutras,  a essência desses sutras. Como é a essência, o coração do Sutra Prajna Paramita. Maka Hannya Shingyo.(Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: por favor, de que ano e de onde é o sutra?
Resposta: Deve ser do século II, início da era cristã, na Índia. Os sutras Prajna Paramita foram escritos em sânscrito o que já é uma coisa interessante, porque as primeiras escrituras estão expressas em páli e Buda provavelmente falou o dialeto maghada da língua páli, o Cannon inicial foi escrito em páli, a linguagem normal da época. O páli que é uma palatização da língua anterior, uma pronúncia muitas vezes sem r, em páli sutra é sutta, dharma é dama, então o páli já é uma palatização ou seja a língua torna-se mais suave. Uma coisa que vem acontecendo com o português por exemplo, nós dizemos fato mas há 100 anos em português era facto, era conectivo e hoje nós dizemos fato, conetivo. Então, o português vem sofrendo palatização e o páli a mesma coisa em relação ao sânscrito que era a língua mais antiga, a língua mãe. Os  Sutras Prajna Paramita,  foram escritos em sânscrito porque os budistas tinham se tornado eruditos, tinham universidade etc então a língua mais própria, para escrever era a língua mais nobre, a mais antiga, a língua culta. Então a gente pode bem ver qual é a origem, como o sutra foi escrito? Se foi escrito em páli é uma coisa, se é um  sutra escrito em sânscrito, é outra, há ainda sutras escritos  em chinês e transcritos para o sânscrito para parecerem mais antigos.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

A vida é que nos vive




(Cont.)

De modo que Maha Prajna Paramita significa
que a sabedoria se revelou agora,
não apenas como você, mas como toda a vida,
de tudo.
E nós a estamos vivendo!
E nós somos vividos por ela!
Isso é o que significa mahaprajnaparamita,
e é isso o que o Bodisatva Avalokiteshvara faz.


Neste trecho, há um conceito que originalmente em língua japonesa parece mais claro, que faz mais sentido. Na tradução para o português, assim como para o inglês não faz o mesmo sentido. A pergunta é: nós estamos vivendo ou é a vida que está nos vivendo? De certa maneira nós estamos vivendo, mas de outra maneira mais ampla a vida inteira está nos vivendo. Nós somos apenas parte da vida. Nós é que pensamos que somos especiais, indivíduos que precisam se iluminar para ver as coisas tais como são. Se vocês olharem pela janela e perguntarem, mas e esta árvore ali fora no meio de toda esta floresta ela precisa se iluminar? Não, ela não cogita, não pensa. Ela vive naturalmente. Como ela vive naturalmente nem teme a morte. Ela partilha a existência dela com a floresta. Ela não é indivíduo. É a própria floresta. Quando ela morre dela nascem outras árvores. Ela aduba o solo. Coisas assim acontecem. 
A floresta é que é o ser, o grande ser e as árvores em si nascendo e morrendo não tem muita importância. Existe um equilíbrio nisso. Nós conseguimos entender isso olhando para a floresta. Nós temos enorme dificuldade para entender olhando para os seres humanos. Quando morre um ser humano nós choramos ou nos entristecemos. Quando nascem nos alegramos, é assim porque nós vemos todos os seres humanos como indivíduos, porque olhamos para nós como separados. Se nós apagássemos esta noção de que somos indivíduos separados, e nos sentíssemos a humanidade, ou mais do que a humanidade, os seres sencientes, ou mais do que os seres sencientes, nos sentíssemos como - a vida; nascimento e morte não teriam mais importância. Por não conseguirmos enxergar assim é que tememos a morte, por isso nós sofremos, ficamos na margem de cá, porque a margem de lá seria a percepção com sabedoria de Prajna Paramita. A percepção da outra margem não tem essas angústias. Porque ela também não tem mais a noção de um eu. Budismo parece muito complicado. Falamos muito, ensinamos muito sobre muitos aspectos filosóficos, mas se nós fossemos resumir o budismo seria com isso – não há um eu. Não há um eu intrínseco a coisa alguma. Se nós conseguíssemos desconstruir esse eu particular tudo estaria resolvido. (Comentário de Monge Genshô)

terça-feira, 17 de julho de 2012

As coisas tais como são



Título: Comentários sobre Teishos de Taizan Maezume Roshi
Tema: Kanzeon
Decupada da gravação, digitada, editada e revisada por Denkô.


 Tatághata é um dos nomes de Buda, significa aquele que é, assim como é. Este tipo de afirmação é bastante profunda. Aquele que é, assim como é. Talidade é uma palavra que pretende traduzir suchnessem inglês, que quer dizer as coisas tal como são, exatamente como são. Isso é um conceito um pouco difícil à primeira vista porque parece que as coisas  são como são, mas as coisas não nos parecem como são, nos parecem diferente daquilo que realmente são, por exemplo, quando eu não precisava de óculos, óculos era uma coisa que as pessoas velhas ou que não enxergavam bem usavam, depois, quando eu comecei a precisar de óculos, óculos passaram a ser  uma coisa maravilhosa porque me permitem ler, pois sem óculos está tudo fora de foco. Portanto, as coisas mudam de acordo com a nossa percepção delas. Então, é através da nossa maneira de ver que as coisas manifestam as suas qualidades, são impregnadas da nossa percepção e não são como realmente são. Por exemplo, esta madeira desta casa, para um cupim, é comida, e para nós não, então nem o cupim nem nós sabemos o que é realmente a madeira. Cada um de nós tem uma imagem da madeira de acordo com a nossa visão pessoal. Esta nossa visão pessoal altera o mundo que nós vemos, o mundo percebido.
E poderia dizer que ninguém nessa sala vê as coisas tais como são. Exceto num momento iluminado. Por exemplo...estou tentando dar muitos exemplos porque sei que o conceito é difícil e sem exemplos ele não é entendido. Um antigo mestre hindu disse que uma linda moça sem sua pele é como um coelho esfolado. Isso quer dizer que os homens olham para as moças e as acham lindas, apenas com aquilo que eles emprestam para elas porque na verdade o corpo delas é o corpo de um animal. Nós como homens nos encantamos com a beleza por causa de hormônios nossos e condicionamentos da nossa própria natureza que é automaticamente feita para ver a beleza e o atrativo na bela moça, e da mesma maneira a moça olha para um belo rapaz e tem a mesma percepção distorcida  porque empresta a ele qualidades que estão dentro dela, que ela quer ver, porque na realidade ele sem sua pele também é como um coelho esfolado. A madeira, que era o meu primeiro exemplo, na realidade é chuva, sol, carbono da atmosfera fixado, muitas coisas e quando nós olhamos a madeira nós só vemos  madeira. Nós não vemos as coisas tais como são porque vemos todo o tempo através do filtro da nossa consciência, conhecimento, experiência, gosto pessoal.

É isso que acontece, por isso talidade é um coisa tão importante porque a talidade é  olhar uma coisa e vê-la exatamente como é  sem mais nenhuma idéia, nem julgamento. Esse é um dos motivos porque nós treinamos tanto, ficar sentado, sem julgar e por isso que a instrução é: seja qual for o pensamento que se apresente na mente  não julguem certo ou errado, bom ou ruim, só deixe que ele vá embora, sozinho. Não o persiga, não goste dele, não cultive bons pensamentos e memórias, não se horrorize com maus pensamentos, para que treinemos uma mente capaz de algum dia ser capaz de ver as coisas sem opiniões.


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sem objetivo



Nós não sentamos em zazen para nos iluminar. Não fazemos isto e nem viemos ao sesshin para obter a iluminação. Todos já são iluminados intrinsecamente nós sentamos sem objetivos. Só sentamos. Sentamos lá e ficamos quietos com a mente panorâmica que percebe todas as coisas, só escutamos as cigarras cantarem, o vento passar, o riacho. Se você apenas ficar percebendo isto, se em algum momento você for o riacho, fizer o ruído do riacho, você entrar lá, então esse é o momento.
          Há uma resposta de um mestre Zen numa situação muito semelhante.Um discípulo perguntou: Onde é a entrada?O mestre perguntou: você ouve o ruído do riacho? Sim, respondeu o discípulo. É ali, disse o mestre. Essa resposta é a mesma para nós: a entrada é ali. Mas enquanto você ouvir ele fora de você, você não entrou, não passou a entrada. Mas não pense em entrar. Só sente e ouça. Se sua mente se cala você pode entrar. Enquanto sua mente estiver falando: eu sou fulano, eu estou aqui sentada, eu estou cansada, meu joelho dói, enquanto você estiver pensando eu, eu, eu...você não pode entrar porque o passaporte para entrar nessa entrada é não ter passaporte, enquanto você tiver passaporte, impressão digital, retrato, nome, não pode entrar.(Comentário de Monge Genshô)
 Os comentários desta palestra foram sobre o texto de:
Taizan Maezumi Roshi. Ensinamentos da Grande Montanha.Tradução de Rita Moreira. São Paulo:Francês, 2005.     

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Quando ninguém está olhando


O treinamento é para isto. O treinamento do oryoki todo codificado, é para levar para as outras coisas. Levar lá para o quarto quando estou dobrando a roupa, quando estou colocando o desodorante na prateleira, quando estou escovando os dentes, quando estou usando papel higiênico. A gente pode ver a qualidade de um sesshin se a gente for nos banheiros e olhar o papel higiênico, porque ele deveria ser dobrado  como quardanapo e não amassado em uma bola, porque senão você desperdiça papel.  Esta é a verdadeira prática do Zen, quando você está sozinho e não tem ninguém olhando.
Não dá para ensinar tudo de uma vez só. Tem que ensinar o básico e depois ir aperfeiçoando os detalhes porque se a gente ensina o oryoki inteirinho ninguém pega. Nós fazemos simplificado. É difícil fazer o nó, os gestos que foram codificados com estilo. É uma coisa muito elegante. Uma arte. Quando você vê alguém que realmente sabe fazer parece uma cerimônia do chá, é a mesma coisa. Todos movimentos codificados e com estilo. O processo é o mesmo: beleza, elegância, plena atenção.
Maezume Roshi está dizendo que nós já chegamos lá naquela margem.Por que ele está dizendo que nós já chegamos na outra margem? Você já alcançou. Você já está lá. Qualquer um que pensar aqui dentro diz assim: eu não cheguei não, estou muito longe disto. Estou aqui com a minha mente discursando,eu não concordo com isto, eu não concordo com aquilo. Eu estou aqui dentro de mim eu estou vendo os outros. Não tem essa de me sentir um com tudo. Eu estou me sentindo separado como que ele diz que eu já cheguei na outra margem? Porque pensamos em chegar na outra margem temos uma ambição e porque temos uma ambição e um objetivo, por isto mesmo não chegamos, porque para chegar na outra margem precisa não querer chegar na outra margem.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Com as duas mãos



Às vezes, parece maluco ficar sentado de frente para a parede tantas horas, mas vocês começaram ontem. Digam-me os pensamentos de ontem para hoje depois dessas horas de meditação, os de ontem foram um tipo de pensamento, hoje os que se apresentam já são uma camada um pouco mais profunda porque os de ontem já começaram a perder força, por isto cada dia mergulhamos mais fundo. Mesmo que nós sentemos lá e a cabeça não pare, mesmo que pareça puro sofrimento ficar sentado ali, os pensamentos mudaram, estão mudando, então isto é ir atravessando o rio e jogando fora coisas que estão presas, aprisionamentos na nossa mente. Estes aprisionamentos são aquilo que nós estamos tentando reunir. Reunir a nossa mente que estava espalhada. Largando todas essas coisas que são inúteis e que vieram conosco para cá. Qual é a essência? A essência de nós mesmos? A essência de estar sentados aqui?
No sesshin dormimos pouco, acordamos cedo e ficamos cansados, com sono. É proposital porque melhor estar cansado para fazer zazen. É mais fácil sentir-se sonolento e mergulhar mais no inconsciente. Quando sentamos para comer, aceitamos todas as comidas que vem. Todas as coisas. Eu sei que apesar da gente ficar calado há um discurso interno de observações que vão surgindo na nossa cabeça, também são nossos aprisionamentos, todos comentários que nós estamos fazendo, por que não é assim? Por que este zafu não é melhor? Por que esta cerimônia? Todos esses “por quês” e coisas que a gente comenta, são discursos internos do eu. Este discurso interno também tem que calar porque quando calamos a boca ainda continuam os pensamentos, então nós já conseguimos aqui algumas coisas. Trabalhamos bem o corpo. Dormimos pouco, comemos frugalmente, não temos sexo, nem distrações, jornal, televisão, não temos nada para mexer com as mentes. Calamos a boca para não perturbar os outros porque as nossas observações fazem os outros pensarem. Qualquer elogio levanta, qualquer crítica nos dá aversão pela  pessoa que nos criticou. Então calamos a boca para não mexer. Quanto menos mexer melhor. Temos que começar a prestar atenção também nossos gestos, como ensinei sobre as cadeiras, por quê? Temos que segurar com as duas mãos qualquer coisa, por quê? Porque quando batemos alguma coisa significa o quê? Significa uma mente desatenta. Então fazemos tudo com as duas mãos. O oryoki é um treino para isto. Nós temos que pegar as tigelas com as duas mãos. É freqüente você se distrair. Se você faz com as duas mãos aí coloca a sua mente naquilo. Mas se você pega com uma só mão então começam a acontecer os ruídos, porque não conseguiu fazer com toda a calma, por isto a gente presta atenção no que está fazendo.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Paramita - A outra margem



Pergunta: O lado de cá da margem é o samsara?
Resposta: O assunto que nós estávamos era a margem e tudo isto começou porque eu falei a margem de cá é a margem do samsara,dos aprisionamentos, das coisas mudando e nós querendo nos agarrar a alguma coisa sólida, fixa, como uma pessoa que compra um carro e fica muito nervosa com o primeiro risco no carro. Isto é muito real.
Você pega a barca do Zen, atravessa o rio e chega na outra margem e lá naquela margem é a margem da liberdade. Completamente livre. E livre até do budismo porque o budismo é uma barca para atravessar o rio. Você atravessa e deixa a barca, quem sabe outra pessoa precise usar. E você continua, a outra margem é paramita. A outra margem, a margem da sabedoria, Prajna Paramita, por isto nós recitamos assim. (Monge Genshô)

Agora ele (Taizan Maezume Roshi) diz aqui, você já está naquela margem, você já partiu, já atingiu. Já realizou. Já alcançou de modo que  Maha Prajna Paramita significa que a sabedoria se revelou agora  não apenas como você mas como toda a vida e nós a estamos vivendo e nós somos vividos por ela Isto é o que significa Maha Prajna Paramita e isto que o bodisatva Avalokitesvara faz. Na verdade você atravessa o rio e chega na outra margem quando verdadeiramente entende. Atravessou para a outra margem, está livre. Se você conseguir olhar no espelho de manhã ao fazer a barba, as mulheres ao pentear o cabelo, e olhar no espelho e ver as rugas, que maravilhoso, todos os dias quando me acordo e olho no espelho  vejo o trabalho da morte. Se você olhar e alegrar-se pelo seu rosto que está enrugando, envelhecendo, se você sentir alegria de uma libertação, então você neste ponto está chegando na outra margem. Todo o treinamento que nós fazemos aqui  tem foco em libertar-se.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Aprisionamentos


                                                        Zen Londrina

Quando nós viemos para o sesshin e sentamos, a palavra sesshin quer dizer reunir ou consertar a mente, reunir uma mente que está espalhada, reunir num lugar só. Achar o centro, onde estou, estas são as respostas importantíssimas.Quem eu sou realmente? Porque se você souber quem é realmente vai poder fazer até uma operação plástica sem ficar preso porque você já sabe quem é. Você pode ter um determinado bem porque sabe ah, eu preciso de um carro com tais características.  E depois você pergunta para esta pessoa que sabe quem é: você está satisfeito com o seu carro? Sim eu estou satisfeito. Você não vai trocar por um novo? Não só quando começar a dar problemas eu vou pensar. É a mente saudável. Ambição sem fim é que é a mente infeliz porque basicamente ela não sabe quem é. Por não saber quem é fica procurando a si mesmo fora ou nas revistas que ditam os modelos de beleza ou nos objetos  que trazem felicidades muito curtas, muito temporárias. Eu acho que esta é a resposta essencial para a pergunta que foi feita. Onde é que existe o equilíbrio? Existe o equilíbrio na resposta a pergunta: quem sou eu? Então saber o que fazer, como e de que maneira, sem estar preso num redemoinho.
Quem souber quem é pode entrar no cassino, jogar na roleta, perder e sair, sem estar preso ao jogo da roleta. Quem sabe quem realmente é pode ir ao jogo de futebol e vibrar com o gol e sair do campo nem triste nem alegre. Triste porque perdeu ou alegre porque ganhou. Simplesmente partilhou com amigos um bom tempo ali e torceu, mas depois não está triste nem alegre porque ele não é o time. Esta é a diferença. Isto é muito difícil. Porque você vai perguntar para uma pessoa: - quem você é  - e ele é capaz de responder assim: - eu sou flamengo. Não é mais ele. Ele é flamengo. Isto é que é importante. É claro que quando a pessoa pratica espiritualmente há uma tendência a se distanciar das situações aprisionantes. O budismo aponta para esta liberdade. Liberdade dos aprisionamentos e dos automatismos.(Monge Genshô)

sábado, 7 de julho de 2012

Satisfação no jogo da vida




Pergunta: Eles estão procurando satisfação?
Resposta: Sim, é verdade, é isto, eles estão procurando satisfação no próprio jogo. A satisfação no jogo é impossível porque sempre tem alguém que tem mais do que você e você quer subir para o próximo degrau. Cada vez que você sobe um degrau tem um outro degrau acima. Elas não sabem como escapar disto. Quando você pergunta para alguém que tem uma lancha, como ele se sente, ele sempre mostra outro que tem uma lancha maior, um iate. Em si nós não podemos dizer que o carro, o iate ou qualquer bem é mau. Todo o motivo da infelicidade está na insatisfação. Não está no bem em si. O bem em si ele é neutro. Nem bom nem mau. É a sua mente que faz a diferença. Se você tiver um carro está feliz com ele, está bom. Mas se você espera obter a felicidade ao ter um carro, vai se frustrar, porque a felicidade não vem dele  e sim da mente com que você vive.
 Então a felicidade é interna, se estiver satisfeito está tudo bem. Se tiver ambicionando sem fim então estarei eternamente insatisfeito porque não alcancei, porque não vou alcançar, porque nenhuma dessas coisas é permanente, elas têm a marca da impermanência, todas elas se destruirão, todas elas se acabarão. Até nós mesmos olhamos para os nossos corpos, e normalmente é bem típico isto, nós olhamos para os corpos e dizemos não estou satisfeito com o meu corpo, então eu quero modificá-lo. Então fazemos operações plásticas e vamos mudando o corpo e pode até chegar ao ponto de transformar uma pessoa em uma coisa feia que ela não pretendia antes ficar, todo plastificado ou um nariz que não combina mais com o rosto. É a mesma coisa de um bem. A plástica em si, intrinsecamente, ela não é ruim. Não tem algo que você possa dizer: ah está errado fazer isto.O que é ruim é a mente de não estar satisfeito e de estar sempre procurando um aperfeiçoamento, porque ela não tem fim. A pessoa faz uma plástica e depois faz outra, outra e se tiver dinheiro pode fazer uma centena e ficar irreconhecível para si mesmo. A questão é onde está a satisfação?

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Sempre mais



Então o que é paramita?
Todos vocês  novamente, sabem o que significa, não é?
“Atingir a outra margem.”
Mas não no sentido de algo no futuro.
Você já está naquela margem!
Isto é que paramita significa.
Você já partiu.
Você já atingiu!
Você já realizou!
Não é o passado ou presente,
mas no tempo perfeito.
Já alcançou!
(Maezumi Roshi)

Aqui Mestre Maezume está tomando um antigo símile que nós temos no budismo que é o símile do rio. Você toma a barca do budismo para atravessar o rio. Você está nesta margem que é a margem do samsara, a margem dos ciclos da eterna insatisfação, do nunca alcançarmos as coisas que desejamos, quando alcançamos as coisas que desejamos as coisas se distolvem na nossa frente. Uma filha minha estava me dizendo que pensava que quando tivesse um carro seria feliz, então ela ganhou um carro e muitas coisas já aconteceram. Ela tem que se ocupar com o carro, ela já bateu com o carro, ela já fez seguro para o carro, toda aquela alegria já foi e ela diz: sou tão feliz quanto antes. É tudo igual,só tenho um carro.
 Em geral a satisfação dos desejos é assim mesmo. Logo que eles são alcançados e logo que temos aquilo que ambicionamos os desejos parecem dissolver-se nas nossas mãos e perder o significado que tinham antes. Sucede que olhamos para longe e queremos alcançar aquele lugar e subimos tentando alcançá-lo. Quando chegamos, aquele lugar nunca é exatamente como queremos que ele seja e olhamos para frente e tem outro lugar. Esses tempos eu vi num livro uma pergunta de um conferencista, Ricardo Semler, ele estava perguntando para uma assembléia de empresários, porque vocês trabalham? E as pessoas concordaram que trabalhavam para ganhar dinheiro. Mas quando você começou quanto você queria ganhar? Qualquer pessoa que ganhe um milhão de reais e aplique vai ter, com juros de hoje, facilmente uma rentabilidade de  1%. Vamos dizer que dá para receber dez mil reais por mês. Então com um milhão de reais podemos ganhar dez mil reais por mês o que é bastante razoável. No entanto, perguntou ele, quanto vocês queriam ganhar no início? E eles disseram: quando começamos queríamos ser milionários. Mas, para essa assembléia, todos empresários de alto nível,quanto você já acumulou agora? Não é muito mais do que isto? E todos concordaram que eles já tinham empresas de centenas de milhões e tinham muito mais do que tinham ambicionado quando começaram. Então ele perguntou: porque vocês trabalham, não é pelo dinheiro, porque se fosse pelo dinheiro já teriam se satisfeito. Trabalham por um outro motivo e esse motivo normalmente é poder, glória, fama ou estar mergulhado no próprio jogo e estar mergulhado no próprio jogo é uma coisa muito aprisionante.
Todos os que já sabem sobre pessoas que entraram num cassino e começaram a jogar, sabem como é difícil parar porque se você ganhar na roleta ganhou o que jamais imaginaria ganhar quando entrou no cassino. O que as pessoas fazem? Param ou continuam jogando? As pessoas continuam jogando e sempre querendo mais e porque querem mais estão sempre mergulhadas no jogo, então o jogo não acaba. Eu experimentei isto na minha vida profissional. Quando eu tinha quinze anos meu pai morreu, eu fui trabalhar como vendedor, vendia livros. Comecei a ganhar muito dinheiro para um adolescente, parecia muito dinheiro. Então logo com dezoito anos eu era supervisor. Mas supervisor é muito pouco, depois gerente. Quando era gerente o que queria ser? Diretor. Mas se era de uma empresa pequena então queria ser de uma empresa maior. Esse processo não cessa nunca até que a pessoa se sente envolvida numa máquina de ambição em que sempre tem alguém acima e que sempre o dinheiro que você ganha é insuficiente para o padrão de vida que você atingiu e você quer ganhar mais para se sentir folgado porque nunca está satisfeito, porque se você é diretor e compra o melhor carro nacional tem outro diretor com carro importado e você continua indo assim. Há poucos dias atrás eu vi um artigo sobre um milionário russo que tinha comprado um carro de um milhão e seiscentos mil dólares para andar em Moscou. Então os brinquedos não param, as ambições não param. O desejo de conseguir mais não cessa e isto é como uma embriaguez.(Comentário de Monge Genshô)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Bodisatva, o ideal do movimento Mahayana



Bodisatva é um termo que surgiu com o budismo Mahayana.
Os ensinamentos de Buda foram coletados no cânon páli, foram escritos no século III a.C, e foram coletados e repetidos oralmente durante muito tempo após a morte de Buda. Esta tradição oral é muito exata porque os sutras eram recitados como poesias, primeiro segmento, segundo segmento, em uma seqüência e essa repetição sempre é circular também. Se uma coisa é afirmada de uma forma, depois é afirmado o seu contrário, de forma a não haver confusão, mudanças naquilo que estava sendo dito. Então esses sutras consolidados e escritos em cânon páli formam o Triptaka, os três cestos. Esses três cestos, são os Sutras, discursos de Buda, depois o Vinaya, as regras para os monges, de comportamento para os monges e terceiro o Abhidharmma ou comentários que  haviam já sido feitos pelos primeiros mestres. Então surge o budismo Mahayana, já um movimento laicizante, levando o budismo para os leigos mais enfáticamente. O budismo Mahayana é um comentário do budismo anterior, do budismo do Triptaka. Então o que sucedeu é que ele começou a enfatizar o foco em libertar os outros seres. Esta é a grande distinção. No budismo dos primeiros tempos o foco era conseguir a minha iluminação, conseguir me aperfeiçoar. O movimento Mahayana é um movimento que diz mais vale abdicar da minha iluminação, da minha retirada completa do mundo para me dedicar aos outros seres por compaixão. Então o bodisatva é o ideal do Mahayana, o ideal da compaixão, por isto os votos do bodisatva que fazemos de manhã são votos paradoxais e dizem: embora os seres sejam inumeráveis eu faço votos de libertá-los todos, mesmo os piores, mesmo os criminosos, mesmo as pessoas mais terríveis. Eu não me iluminarei completamente, eu não abandonarei este mundo de manifestações enquanto houver um ser no inferno, o pior dos criminosos, eu voltarei até resgatar o último, até libertá-lo. Este é o voto do bodisatva. Eu sei que todos os praticantes começam praticando para si mesmos, então não são bodisatvas. Isto surge com o tempo.Todos os praticantes quando chegam querem obter alguma coisa para si mesmos. Esta é a armadilha que o Mahayana pretendia desarmar. O movimento Mahayana, no budismo, via esta postura como egóica, eu quero iluminar a mim mesmo. Agora, algumas pessoas entendem e praticam o Mahayana e quando lêem um texto, principalmente da escola Theravada, que é guardiã do cânon páli e não aceita os sutras Mahayanas, acusam o budismo anterior de Hinayana. Hinayana é uma palavra que quer dizer desprezível ou pequeno e Maha quer dizer grande. Esta é outra visão discriminativa, por que na verdade o Mahayana está contido nas escrituras páli. É mais uma postura sectária,lamentável, o que acontece com esses budistas Mahayanas.
 E do outro lado as escolas anteriores acusam os Mahayanas de terem adotado sutras que na realidade não foram ditos por Buda. São sutras que foram escritos mais tarde por outros professores e ao serem escritos foram sempre sendo atribuídos a Buda, num mesmo formato dos sutras anteriores. Os sutras do Triptaka são sutras muito simples e os sutras Mahayanas começam a ser míticos, com Buda falando para milhares e milhares de praticantes, de iluminados, em um ambiente celestial e com textos cheios de estórias milagrosas ou coisas assim. Eles começaram a aparecer quinhentos anos, após a morte de Buda, no entanto eles são obras muitas vezes lindas e nós temos que saber enxergar isto e evitar as visões sectárias ou errôneas e não nos deixar levar para nenhum dos dois extremos. Se fosse nos tempos de hoje esses textos teriam sido escritos de forma mais simples e seriam assinados por mestres, não seriam atribuídos a Buda como foram. Nós nem sabemos os autores dos sutras Mahayanas porque eles nunca foram assinados, sempre foram atribuídos a Buda.  O budismo de hoje é uma obra coletiva construída através dos tempos por muitos mestres. (Comentário de Monge Genshô)