quarta-feira, 29 de junho de 2016

A iluminação é ver o puro céu azul


Quando minha mãe morreu eu levei suas cinzas e joguei no mar de uma praia da cidade onde ela nasceu e vi as cinzas se dissolvendo na água. Eu acho que essa é uma lição que todos deveríamos experimentar, ao invés de tentar conservar ou delimitar, nós deveríamos deixar espalhar, abrir as mãos, porque na realidade isso é uma lição sobre a nossa verdadeira natureza. Então é natural que nós tenhamos amor pelos filhos, mas essa é uma manifestação da nossa ego entidade, porque nós queremos permanecer para sempre, mas nós não enxergamos que nós somos o próprio sempre.
Numa outra analogia que já usei várias vezes: nós somos redemoinhos na atmosfera e o ego é o eixo. Você olha para aquele eixo e diz: “está ali o eixo do redemoinho”, mas nós sabemos que não tem nada nesse eixo, ele só existe porque tem movimento em volta, quando cessa a energia que movimenta o redemoinho o que resta? O puro céu azul. O redemoinho quer permanecer para sempre talvez. Ele acredita no seu eixo, no seu ego, mas na realidade ele é o puro céu azul e só existem redemoinhos porque há energia, calor, movimento e desequilíbrio na atmosfera. Mas o puro céu azul sempre esteve lá. O que nós tínhamos que enxergar em nós é o puro céu azul, mas como não enxergamos, então a energia do nosso redemoinho tende a se manifestar novamente em um novo redemoinho e esse novo redemoinho se diz “eu sou”, “eu quero permanecer”, “eu quero ter filhos”, “eu quero continuar”. Ele também não consegue se ver como puro céu azul. A iluminação é ver o puro céu azul. (continua)

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Na visão iluminada não existe morte ou nascimento

 
Pergunta: A gente cresce ouvindo que os animais quando tem suas crias fazem de tudo para perpetuar a espécie e nós também temos muito forte essa noção de que o filho é a nossa forma de deixar nossa marca no mundo. O amor ao filho é muito baseado nisso. São visões distorcidas?
Monge Genshô:
Não, elas estão presentes num mundo relativo. Num mundo relativo você tem um filho e ele é continuidade do seu corpo, dos seus genes e parece sua ligação com a eternidade. Parece. Essa é uma visão pequena e ainda continua sendo egóica, porque você diz “é meu filho”, “é minha continuação”, por isso a morte de um filho é tão dolorosa, porque um homem sente que perdeu sua continuidade, sua eternidade, mas esta visão não é iluminada. Numa visão iluminada não existe morte ou nascimento e todos aqueles que morreram estão aqui conosco.

Muitos anos atrás eu não me lembro mais o ano, talvez Seikaku San lembre, Kanner San morreu. Ele era um Monge que foi praticamente nosso professor durante um certo tempo e quando saí do seu enterro do lado de fora bateu um vento que inclinou as árvores. Naquele momento eu estava olhando para as árvores e minha sensação foi: “aí está Kanner San, naquele vento”. Ele era aquilo. (continua)

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Cercado pelas paredes da memória

Quando Subhuti diz que ele não reside ou prende-se em lugar nenhum e que é perfeitamente livre, temos duas ideias. Primeiro: quando alguém diz “eu realizei isto” é porque não realizou. E a outra ideia é: aquele que realizou, ele não está em lugar nenhum, porque se estivesse em algum lugar ele seria delimitado, teria características, estaria como este copo, separado e rodeado pelas paredes de plástico, não estaria lá no oceano. Esses aqui somos nós, cercados pelas paredes de nossos pensamentos, de nossas memórias, nós somos como o copo d'água, mas a nossa sensação e noção de separação é em última análise ilusória e isso não quer dizer que ela não exista. O copo existe, mas é ilusão dizer que esta água está separada daquela, porque é tudo a mesma água. Alguém despertou? (continua)

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Feliz, abrigado na paz

Mais adiante, no Vajracchedika Sutra: “Subhuti, o que pensais, pode um santo dizer a si mesmo 'eu obtive a perfeita e completa iluminação?'”. Subhuti diz “não, honrado pelo mundo, porque não há nenhuma condição tal como perfeita iluminação. Se um santo de perfeita iluminação disser ‘eu sou perfeitamente iluminado’, ele necessariamente participaria da ideia de uma ego entidade, um ser ou uma individualidade separada”. Quando vocês virem na internet: “Mestre iluminado dá curso no fim de semana” é sobre isso que o Sutra está falando. Se alguém diz: "eu sou iluminado”, essa pessoa necessariamente participa da ideia de uma ego entidade. ( E portanto iluminação assim é impossível)

Subhuti continua: “honrado pelo mundo, quando Buda declara que eu sobressaio entre os homens santos na yoga da perfeita aquiescência, na atitude recolhida e na superação das paixões, eu não digo para mim mesmo ‘eu sou um santo de perfeita iluminação, livre de paixões, honrado pelo mundo', se eu dissesse para mim mesmo isso, vós não poderias declarar: ‘Subhuti encontrou felicidade abrigando-se na paz em reclusão, no coração da floresta’. É por isso que Subhuti não reside em lugar nenhum, portanto ele é chamado 'Subhuti: o feliz, abrigado na paz, residente na reclusão da floresta'". (continua)

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Mais de um milhão de visualizações...quais países lêem este blog?


 Uma curiosidade:
Quem lê este blog? 

Brasil
 
 
 
 
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2137
Espanha
2009
O PICO DA MONTANHA É ONDE ESTÃO OS MEUS

1.000.000 DE ACESSOS! :-) :-) :-)

Esta semana o Blog "O Pico da Montanha é Onde Estão os Meus Pés" completa um milhão de acessos.
Este é um trabalho de ampla divulgação do Dharma realizado pelo nosso Mestre, Monge Genshô Chalegre, desde o ano de 2007.
Um milhão de pessoas tiveram acesso direto ao Dharma vivo, o Dharma ensinado amorosamente na linhagem de Saikawa Roshi, numa linha ininterrupta vinda desde Buda Shakyamuni.
Gratidão a todos os que acessam o blog diariamente, em nome de toda a Comunidade Daissen Ji e de nosso Mestre!
Gratidão ao pequeno batalhão por trás de cada postagem, que permite que o Blog exista.
Gratidão ao nosso querido Mestre por ter escolhido ser Monge nesta manifestação.
Que muitos possam continuar sendo beneficiados, que tenham suas vidas e carma mudados através do esforço e aprendizado da lucidez ensinados por Buda.
Que sofram menos e façam os seres que passarem por vocês sofrerem menos.
Profundo Gasshô!
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Rachel Kyo Hô

Quem é você além de nome e forma?

Pergunta: Parece que o processo civilizatório acelera essa percepção de eu separado.
Monge Genshô:
Eu acho que o problema é o mesmo. Tanto é o mesmo que um texto de dois mil anos atrás fala sobre ele. Nós temos todo o processo civilizatório, um monte de confortos e todas as coisas que facilitam nossas vidas, mas o problema fundamental continua sendo pensar que nasci, pensar que morrerei, ter medo da minha morte, procurar alguma fantasia e não enxergar a minha natureza fundamental. Por isso nós dizemos no Zen: sente e descubra sua verdadeira natureza. Quem é você antes dos seus pais terem nascido? Quem é você além de nome e forma? O Sutra todo revisa constantemente a mesma coisa. (continua)

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Somos algo muito mais profundo

Eu me lembro de uma escola religiosa onde eu estive que tinha um hino que dizia assim: “eu quero ver mamãe, estar com ela no jardim e os dias idos lembrarei com amor, e então por longos dias, que grandes alegrias, mas quero ver primeiro o salvador”. É um hino para quê? Diz que eu quero recuperar tudo o que foi perdido, quero recuperar minha mãe morta, quero estar no jardim com ela, quero rememorar tudo e quero rever quem me permitiu isso, quem me salvou do fim do meu eu. O budismo vai numa corrente completamente contrária a isso. Em vez de prometer a permanência de um eu, ele diz: você construiu um eu ilusório, você sempre foi aquele mar, não surge e nem desaparece, não nasce e nem morre. Não tem surgimento, nem cessação e todos esses copos, todas as gotas, todas as fontes, são meras manifestações. (Você é um com as outras manifestações, nunca está separado delas) Acordem para o fato de que vocês são manifestações temporárias iludidas, pensando que isto é a essência e querem ser permanentemente a mesma coisa de agora. Há algo muito mais profundo, que nós realmente somos e que está além de nascimento e morte. (continua)

quarta-feira, 15 de junho de 2016

O ego separado é a raiz de todo sofrimento

Se cada um de nós conseguisse através do zazen apagar completamente passado, futuro e pensamentos de eu, como: meu surgimento, minha morte, minha vida, meus acontecimentos, minhas incomodações, minhas visões, se jogássemos fora todos esses eus, jogaríamos fora toda essa noção de identidade. Isso seria o mesmo que esse copo entender que sempre foi e nunca deixou de ser aquele imenso mar. Então, o que Buda está dizendo no seu despertar é: a noção de eu separado é que é a ilusão fundamental e é ela que origina todos os nossos sofrimentos e todas as nossas visões particulares, que fazem com que nós queiramos agir assim ou assado, mas na realidade não nascemos e não morremos ( tudo é fluxo, continuidade ).

O budismo não está declarando que nada existe, não é niilismo, e não está dizendo que as coisas sempre serão as mesmas, que sua alma é eterna e portanto seu ego separado está preservado. Não é isso. O que o budismo diz é: este ego separado é a raiz de todo o sofrimento, é por conta dele que nós nos perdemos, é porque acreditamos neste ego separado que nós morremos. É essa fantasia de separação que não tem como permanecer e que não sobrevive ao colapso das nossas memórias, por exemplo. (continua)

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Nunca houve começo nem fim



Pergunta: Se eu jogar o copo d’água no mar seria o que os católicos chamam de união com deus?
Monge Genshô: Poderia ser isto mesmo, dentro de uma outra linguagem. Mas eu joguei o copo d’água no mar e onde eu quero chegar? O Sutra diz que não há na verdade nascimento e por isso não existe cessação. Vamos tentar entender isso. Quando escutamos o Sutra do Coração ou este Sutra, o do Diamante, e eles dizem: “não há isso, isso é só um nome, essa coisa não existe na realidade”, eles estão falando sobre o problema fundamental da iluminação de Buda: não se trata de haver fim para nós, é que na verdade nunca houve começo. Voltando para o copo, esta água saiu do mar de alguma forma, por evaporação, chuva, e etc. Foi colhida pela fonte e agora está neste copo. Na verdade nunca houve começo para este copo e não há o nascimento desta água, porque ela sempre foi o mar, passou por várias aventuras e agora um pedaço dela está aqui, mas depois retornará para o mar. O que é que realmente existe, que é não nascido, que não cessa e não morre? O grande e imenso mar. Todo o resto, chuva, gotas, fontes e copo d'água, são meras manifestações daquele fundamento, mas ele nunca foi separado, ele só parece separado. (continua)

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Delimitamo-nos para nos sentirmos seguros



Eu estava tendo uma entrevista, um dokusan, há pouco tempo, e o aluno me pediu uma explicação melhor para o que eu estava dizendo sobre nossa identidade, então usei esta: nós temos aqui um copo d’água. Esta água que está aqui dentro está delimitada pelas paredes do copo e assim este cilindro contém uma quantidade determinada de água. Eu digo que existe aqui um copo d'água e todos concordam, não é verdade? Mas o Sutra diz: não é verdade. Eu estou atribuindo qualidades e características a esta água e assim eu a delimito, por isso na minha mente ele é um copo d’água. Vocês também são assim. Delimitados com seus corpos, com seus pensamentos, com as coisas que aconteceram em suas vidas, com os seus carmas e com seus movimentos cármicos. Vocês são como um copo delimitado e dizem “eu sou”. Se eu pego este copo e jogo ali no mar, deixou de existir algum átomo desta água? Não. Toda a água continua, nada está perdido, tudo que havia aqui continua existindo, no entanto eu joguei o copo no mar e ele é indistinguível. Eu não sei mais onde está o copo ou onde está a água, mas toda ela está lá.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Toda identidade é falsa

Ainda sobre esta parte do Vajracchedika Sutra, então "pode um discípulo que entrou na correnteza da vida santa dizer para si mesmo que obteve o fruto daqueles que entram na correnteza?". Subhuti responde: “não, honrado pelo mundo, porque entrar na correnteza da vida santa é somente um nome, não há nenhuma entrada na correnteza. O discípulo que não presta nenhuma consideração à forma, ao som, odor, paladar, toque ou qualquer outra qualidade, é na verdade aquele que entra na correnteza”. O Sutra está voltando ao seu tema fundamental: toda atribuição de qualidade ou característica é falsa, porque ela cria o nome e dá uma identidade àquele ser. Só que essa identidade é toda construída.  (continua)

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Entrar na correnteza da vida espiritual

Na seção nove o Vajracchedika Sutra diz: “a verdadeira realização é realização nenhuma”. Começa assim: “Subhuti, o que pensais? Pode um discípulo que entrou na correnteza da vida santa dizer para si mesmo que obteve o fruto daqueles que entraram na correnteza da vida santa?”. Essa imagem da correnteza é de um outro texto em que se compara o nosso processo de caminhada, à entrada em uma correnteza. Você pode vir aqui na sangha, ouvir um ensinamento budista, experimentar o zazen, colocar o pé dentro água e depois ir embora. Entrar na correnteza é aquele que entrou tão profundamente que a correnteza começa a arrastá-lo. Não é só entrar na beira, molhar os joelhos e lavar o rosto. É entrar na correnteza e se você faz isso, mesmo que você não queira, já começa a ficar difícil sair da correnteza, porque a vida o arrasta para lá.

Constantemente eu conto nas comunidades que eu não gostaria de fazer tantos sesshins assim. Ano passado teve um período de alguns meses que eu estava fazendo sesshins de 15 em 15 dias. Num fim de semana eu ia para casa e no outro tinha sesshin em algum outro lugar, porque temos 20 sanghas em todo o Brasil, de modo que elas vão convidando e eu vou praticando. Mas eu não gostaria de praticar tanto assim porque tenho preguiça. O problema é que eu entrei na correnteza. Os alunos ligam convidando, eu olho a agenda e vejo que estou livre, então confirmo. Depois quando chega o dia eu penso: “ah, eu tenho que ir, mas não queria”. Essa é a correnteza. Essa é a virtude do trabalho de Monge, porque depois que você se torna Monge e assume responsabilidades na sangha não pode mais deixar de ir. E depois você fica muito feliz e emocionado por ter ido e pelos resultados que vê. É isso que está acontecendo com você, não é, Rachel? Ela assumiu a responsabilidade pela sangha de Maringá, então agora tem que ir em todos os encontros. Isso significa entrar na correnteza e é sobre isso que o Sutra está falando. (continua)

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Nossos enganos são construídos em nossas mentes

 
Fazendo uma apreciação histórica, os Sutras Prajnaparamitas têm quase 2 mil anos, então já são Sutras do movimento mahayana. Quando olhamos o Sutra do Diamante, nós vemos que ele é  antigo, porque os Sutras que foram escritos no movimento mahayana ficaram muito fantásticos. Neles, Buda vem dos céus, senta numa assembleia com milhões de bodhisattvas, os deuses hindus vêm para assistir à palestra e coisas assim. Já o Sutra do Diamante é mais antigo e, como ontem vocês viram, começa com Buda indo mendigar, depois ele lava os pés e senta para falar para uma assembleia onde não há seres sobrenaturais, há apenas Monges. Então esse Sutra normalmente é atribuído a um período entre os séculos I e II, d.C.

Frequentemente no Sutra, repete-se  que não há isso, ou não há aquilo. Por exemplo: “Subhuti, o que é chamada a religião dada por Buda não é de fato a religião de Buda”. Então, o Sutra constantemente desmente a sua própria declaração e diz que aquilo que parece ser, não é, porque é só um nome. Quando essas declarações surgem, elas tentam desmontar o fato de que nós atribuímos a um conjunto de coisas um nome, querendo dar a essas coisas uma realidade. E assim nós vamos construindo nossos enganos. Nossos enganos são todos construídos em um único lugar: na nossa mente. (continua)

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Compreensão espiritual

Pergunta: Uma vez que se ouve a música se ouve sempre? E uma vez que se supera uma ilusão ainda há outras ilusões para serem superadas?
Monge Genshô: Há muitos degraus de compreensão, mas depois que você ouve a música, aquela música você não esquece mais. Vamos dizer que você ouviu uma melodia simples, mas ainda é incapaz de ouvir uma música mais complexa. Eu me lembro que quando eu era jovem e tocava violino, um dia eu comprei o concerto em maior de Beethoven para violino e orquestra. Botei no disco, a música tocou e eu não entendi. Me pareceu só que eram muitos sons, muitas notas, mas eu não compreendi. É a mesma música que eu ouço hoje, começa com percussão e é um concerto fabuloso. Hoje eu ouço e penso: “como é que eu não consegui ouvir naquela época?”, mas é assim mesmo. Só que depois que você ouve mesmo, de verdade, sempre escutará. É como mostrar um desenho em duas dimensões para um índio que jamais viu isso. Ele olha e só vê riscos, não vê o desenho, depois de algum tempo é que consegue traduzir para três dimensões essas duas dimensões. Funciona assim para muitas coisas que fazemos hoje ainda e é a mesma coisa que acontece com a compreensão espiritual. A compreensão espiritual precisa acontecer em saltos, se ela não ocorreu, ela é incompreensível, é cega e é intraduzível, você não consegue explicar. (Continua)