quarta-feira, 29 de maio de 2013

Sangha e discípulos



Existem três jóias no Budismo, o Buda, o Dharma e a Sangha. São nessas três joias que tomamos refúgio, nos socorremos. O Buda é um ideal, ele não era um salvador, um Deus ou alguém à quem oramos e pedimos graças, ele era apenas um homem, um grande professor. O segundo refúgio é o Dharma, que é o ensinamento, tanto de Buda como dos mestres que o sucederam e construíram esse grande edifício chamado Budismo.

O Budismo é um edifício vivo que continua sendo construído e modificado constantemente. O Budismo está sempre se adaptando e tomando as cores dos locais e civilizações que envolve. Esse Budismo que conhecemos tem uma longa história saindo da Índia e indo para China e Japão até chegar ao extremo ocidente no Brasil. O terceiro refúgio é a Sangha, a comunidade. Um grupo de pessoas que se apóiam umas nas outras. O rakusu, esse símbolo que carregamos, e que é uma miniatura do manto de Buda, possui na sua parte de trás uma imagem de uma agulha de pinheiro. Os pinheiros quando crescem sozinhos ficam tortos, mas em uma reserva cheia de pinheiros, um incomoda o outro ao crescer se encostando e se apoiando em busca da luz do sol, desta forma eles crescem retos. Por isso a agulha de pinheiro é o símbolo da Soto Zen. Daí a importância da Sangha.

Desde os tempos de Buda existem Sanghas. Mas nesse tempo a Sangha era um termo apenas para iluminados. Depois surgiu o conceito da Sangha monástica, que reunia todos os monges.

 Por extensão dizemos hoje Comunidade, Sangha, onde todos praticam juntos, leigos e monges fazendo um único corpo. Mas devemos salientar que a Sangha não é uma democracia. Algumas pessoas pensam que a Sangha é um lugar onde se pode dar opiniões, discutir assuntos e discordar uns dos outros e que deva ser organizada de acordo com algum principio democrático, socialista, capitalista ou comunista. Mas a Sangha é uma autocracia, um local para a relação mestre/discípulos ou mestre/alunos.

As pessoas vão à Sangha porque gostam de um determinado ambiente, uma determinada escola ou linhagem e do professor. Às vezes em uma Sangha com um professor mais rígido ou mais severo, os alunos desistem. Mas a tradição do Zen nos mostra que os professores mais difíceis são os mais bem reputados. É preciso tomar muito cuidado antes de dizer: “Este é meu professor”. É uma relação que leva muito tempo para surgir. É preciso observar e perceber se seus ensinamentos refletem sua vida, se ele se comporta de acordo com os princípios Budistas. Antigamente se aconselhava a observar durante oito anos antes de aceitar o mestre como “seu” mestre. Por outro lado os mestres também tomam muito cuidado antes de aceitar e dizer que uma pessoa é seu discípulo. Outro dia alguém me perguntou quantos discípulos eu tinha. Minha resposta foi que ainda não tenho nenhum.

Para ter um discípulo eu preciso acreditar e ter a certeza de que posso levar essa pessoa até o despertar. Essa é uma relação que só se consolida no momento da transmissão. Nesse momento o mestre diz: “Você é meu discípulo, você tem a minha mente”. Antigamente ao assinar o documento da transmissão ambos faziam um corte em suas mãos e misturavam sangue à tinta. Era um juramento de fidelidade em qualquer circunstância. O aluno deve querer transformar-se em discípulo e procurar alcançar a iluminação. É esse o sentido da prática do Zen.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Nada é resolvido com a explicação



4) Monge, esse sofrimento que o Budismo enfatiza sempre,  como lidar com isso no dia a dia, onde passamos por situações  que  pensamos que não vão acabar e como conseguiremos perdoar as coisas  que nos causam sofrimento sem enrijecer o coração? Porque no Budismo, tenho a impressão de que sempre tudo a gente tem que resolver, o problema é sempre nosso, e é difícil as vezes lidar com isso porque há terceiros envolvidos o tempo inteiro.

R: Claro que tem terceiros envolvidos o tempo inteiro. Mas, a iluminação é sua. Ela não é transmissível, assim como a sabedoria não é transmissível. As pessoas dizem: “me explique”. E eu digo: como você pode explicar o gosto do sal, para uma pessoa que nunca provou o sal? A única coisa que você pode dizer é: pegue um pouco e coloque na boca. Aí se a pessoa provar dirá:  "Ah! Esse é o gosto do sal!" Está tudo resolvido. É tudo resolvido com a experiência e nada é resolvido com a explicação. Eu posso falar sobre o ZEN aqui, mas o ZEN não está aqui. É como olhar o mapa de Paris e depois dizer: “eu viajei a Paris”. Vocês acham que é lícito, é legítimo? Não há nada. Aquelas pessoas que lêem sobre o ZEN ou sobre budismo e sentam numa mesa de bar na frente de um copo de chopp e explicam para os outros sobre Koans e teorias maravilhosas, eles não sabem nada sobre o ZEN. Eles olharam o mapa e estão querendo dizer que viajaram. A única coisa realmente válida é a experiência. Por isso Buda disse: “não acredite em mim”. E é a mesma coisa que eu estou dizendo: “não acreditem em mim”. Eu posso expor raciocínios bem claros, vocês podem acompanhar, eu espero que eles abalem suas crenças.

Estava fazendo uma palestra na Universidade Federal em Florianópolis e uma mulher disse: “Mas o Senhor não acredita em nada?” Respondi: - "Mas o ZEN não é religião de acreditar, o ZEN é religião de despertar." É outra coisa. Mas não nos preocupamos com as pessoas que estão mergulhadas em ilusões. Às vezes as ilusões são tão confortáveis! Como no cartoon onde aparecem dois guichês assim: “Mentiras confortadoras”. E do outro lado: “Verdades desconfortáveis”. Todo mundo vai na mentira consoladora, não é? Porque verdade desconfortável não é pra muita gente.


(Palestra decupada da gravação por Rachel San)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Me entristeci com eles



3) As vezes é fácil intelectualmente perceber que eu não sou a onda, que eu sou oceano. Mas o que acontece quando eu sento e faço zazen, porque às vezes eu esqueço que sou o oceano. Se eu perco uma pessoa querida, ou perco um objeto querido, de novo acontecem reações emocionais e eu sofro. É como se eu tivesse esquecido de ter vindo nesta palestra e ter ouvido isso. Os sofrimentos surgem como se eu não tivesse entrado em contato com esse conhecimento. O que acontece no zazen pra eu me tornar um sábio, de forma que este conhecimento se estabilize e eu não esqueça mais?

Isso vai depender da profundidade da sua experiência. Mas o que você narrou agora, é o que todos sentimos, eu também. Quatro meses atrás morreu um sobrinho meu de 23 anos. Repentinamente. Quando eu ouvi a notícia, o que eu podia fazer? Chorar. Nós somos assim, seres humanos, muito frágeis. E a qualquer momento nós perdemos a lucidez. Eu sei que para ele não foi nada, mas para o pai e a mãe, foi muito trágico. É que estamos mergulhados em emoções. Como vamos negar isso? Não seria natural nos tornarmos como pedras.

Vinha um Mestre caminhando por uma cidadezinha e seus discípulos atrás. Havia um velório e a família chorava. Ele entrou no velório e começou a chorar com os familiares. Uma hora depois ele saiu de lá, rosto inchado, os olhos vermelhos. E os discípulos atormentados na porta disseram: “Mestre, mas o Senhor conhecia este homem? Ele disse: Não. Mas então porque o Senhor entrou e chorou desse jeito? Ele disse: Eu os vi tão tristes, me entristeci com eles”.

Outro Mestre recebeu uma carta, comunicando a morte de um ente querido. Ele sentou numa pedra e começou a chorar desconsoladamente. Um discípulo se indignou e foi até lá e disse: “Mas o que é isso, o Senhor nos ensina que tudo é transitório, que os “eus” são ilusões, que todas essas relações da vida são assim, ilusões em que estamos mergulhados, a própria vida. O Senhor ensinou tudo isso, e agora recebe a notícia da morte de um ente querido e está aí chorando desse jeito? O Mestre parou de chorar, se virou pra ele e disse: - Escute aqui, seu idiota, eu estou chorando porque eu quero! Se virou para o outro lado, abriu a carta e voltou a chorar desconsoladamente”.

Ou seja: você é normal. Aí você senta em zazen, começa a meditar e “VÊ” algumas coisas com maior lucidez. Pode sair à rua e ver uma folha, uma flor, e ver sua verdadeira beleza, por um instante. Nós chamamos esse instante de KENSHO. KEN é enxergar. SHO, sua verdadeira natureza. Experiência mística em estado puro. Pode durar segundos, e muitas pessoas já tiveram. A questão é: Você poderia retê-la, e ver as coisas sempre assim? Você poderia ver a si mesmo não como onda ou redemoinho ou bolha, mas como céu azul, champagne, oceano? Se você conseguisse ver permanentemente, eu diria que você é MUITO iluminado. Se você vir algumas vezes por dia, e tiver uma compreensão das coisas, você atingiu a iluminação, em um grau baixo. Então existem muitos graus de despertar.

Aquele grau de Buda é chamado de “Annutara Samyak Sambodhi”. ILUMINAÇÃO PERFEITA, COMPLETA E UNIVERSAL. Mas tradicionalmente nós dizemos que só Buda conseguiu esse nível, nós tentamos chegar perto, passo a passo. Talvez numas 500 vidas dê pra chegar lá. Um estado de permanente despertar em todos os atos e momentos da vida.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Experimentar é o caminho



2) O que o senhor pode dizer,  porque a maioria das pessoas ao invés de retornar para si mesmas  se conduzem á procura de Mestres?

A procura de Mestres é a procura de sabedoria. Mas no Budismo nós dizemos assim: “examine seu candidato a Mestre durante 8 anos antes de aceita-lo”. Mas na realidade, verdadeiros Mestres não aceitam discípulos com facilidade. Eu tenho alunos, não tenho discípulos. Para ter um discípulo, leva muito tempo. Muitos morreram sem ter sucessores, sem formar discípulos no ZEN.

Boddhidarma, trouxe o ZEN da Índia pra China, aí pelo ano 600 depois de Cristo.  Boddhidarma, chegando na China, que já tinha Budismo há 500 anos, foi chamado à frente do Imperador Wu, e ele lhe perguntou: “construí muitos templos e mosteiros para o budismo na China, que méritos eu acumulei no céu por causa disso”? E Boddhidarma respondeu: “Mérito nenhum, Majestade.” A "majestade" então perguntou: “Então qual é a grande verdade da sagrada doutrina?” E Boddhidarma respondeu: “A grande verdade é vazio ilimitado, (nem uma coisa tem um eu inerente. Todas as coisas são vazias de um eu próprio, todas as coisas são interconectadas, interdependentes) e não há nada que possa ser chamado de sagrado". Aí o Imperador disse: “Então quem é que eu tenho na minha frente?” E Boddhidarma respondeu: “Não faço a menor idéia” (Grande resposta, não há nenhum eu aqui...). Deu meia volta e foi embora.

Dizem que meditou durante 9 anos numa caverna em Shaolin, e lendariamente ele é o criador do Kung Fu. Durante esses 9 anos homens apareceram para treinar com o Mestre, mas ele não aceitou ninguém. No 9º ano, um homem chamado Taiso Eka  (Hui Ko, em chinês) foi até à frente da caverna e ficou 3 dias em pé, esperando que Boddhidarma falasse com ele e Boddhidarma não lhe deu atenção. Na noite do 3º dia, Eka ficou desesperado e cortou o braço, para mostrar sua sinceridade. Vendo sangue cair na neve, Boddhidarma achou que ele estava lá a sério, foi até ele e perguntou: “O que você quer”? “Mestre, minha alma não tem paz, pacifica minha alma!” E Boddhidarma respondeu: “Mostre-me a tua alma e eu a pacificarei”. “Mas não posso encontra-la”! “Pronto, já pacifiquei a tua alma”. (Shoyoroku caso II)

Neste momento, Eka, acordou de suas ilusões, assim como Buda que só se tornou Buda no momento que despertou, porque a palavra Buda quer dizer “aquele que acordou”. Antes ele era só Siddharta, um homem comum como nós. A única diferença entre nós e ele é que ele acordou. E ele passou a dizer isso para sempre. E quando perguntaram para ele em quem nós devemos acreditar? Uma pessoa vem aqui diz uma coisa, outra diz outra. Ele disse: "não acreditem em ninguém, não acreditem em mim, experimentem e testem", só a experiência pode dar sabedoria verdadeira. O resto é só crença. (Kalama Sutra)

Há alguém aqui em Goiânia pregando que o sol vai nascer amanhã de manhã? Há? Não há. Sabem por quê? Todo mundo tem certeza que o sol vai nascer amanhã de manhã. Tudo que se prega é porque se tem dúvida, e por isso precisa-se repetir todas as semanas, para as pessoas acreditarem, porque no fundo, elas duvidam. É por isso que Buda disse, “não acreditem em mim, construam sua sabedoria com sua experiência”. Quem quiser construir sua sabedoria com experiência, tem que experimentar. Vocês têm que vir e SENTAR. Só precisam ter confiança de que se sentarem para meditar poderão mergulhar em suas mentes e ter reais experiências. E essas experiências serão sabedoria. Tudo o que eu posso dizer sobre o que eu digo é o mesmo que Buda: “não acreditem em mim”. Se vocês acreditam, só porque estou dizendo, não passam de tolos.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

"Morro porque não morro"



1) O Senhor foi muito gentil ao falar das crenças, mas no Cristianismo o Senhor não tocou.

Você sabe qual é a crença fundamental do Cristianismo? A ressurreição, não é? Cristo venceu a morte e isto é o que significa "salvar”. A igreja tinha um dístico em latim, “SINE ECCLESIA NULLA SALVATIO” – sem a igreja não há salvação. Você tem que estar dentro da igreja e, PORQUÊ Cristo venceu a morte e ressuscitou, então, todos os homens poderão ressuscitar, se seguirem a igreja, as regras.

Isso fez do Cristianismo uma solução muito bonita no momento do Império Romano. Porque antes, os Deuses Gregos e Romanos, eram Deuses humanos, ciumentos, guerreiros, traidores e você estava à mercê deles. O Cristianismo trouxe regras claras: Você faz tais e tais coisas, de tal e tal forma e está garantida a sua ressurreição. Claro que o Cristianismo teve momentos de grande degeneração. Chegou um momento por exemplo, 500 anos atrás em que a salvação era vendida. A venda das indulgências. Então você era salvo. Mas esta era uma questão da instituição em crise moral. O budismo também passou por coisas assim.

Agora, à parte das crenças,  o Cristianismo em si tem uma profundidade desconhecida dos que o conhecem superficialmente. A maioria dos Cristãos não sabe sobre isso. Por exemplo, eu vou citar uma frase de Paulo: “Não sou mais eu quem vive, mas Cristo quem vive em mim”. Esta é uma frase profunda. “Não sou mais eu quem vive”, eu morri pra mim mesmo. “Cristo que vive em mim”.

Agora dê uma olhada numa frase Budista, como a que eu disse a pouco: “Você não é um redemoinho, você é o céu azul”.

Você vê similaridades?

São João da Cruz, grande místico cristão, diz assim: “eu morro porque não morro”, em um de seus poemas. Eu morro, porque não morro para meu “eu”. Porque eu não morro para mim mesmo, então, eu não posso sentir a Deus. Deus não vive em mim, porque eu não morri. Então eu morro, porque não morro. Porque não morro para mim mesmo. 

Se nós pegarmos uma frase de um Mestre ZEN, do Seculo XIII, Dogen Zenji, que trouxe o ZEN da China para o Japão, ele diz assim: “Estudar o Zen, é estudar a si mesmo, estudar a si mesmo, é esquecer de si mesmo, e esquecer de si mesmo é ser iluminado pela miríade de todos os dharmas”.

Não estão todos estes falando a mesma coisa? Estão.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Os jogos da vida



Na realidade nós sabemos que há continuidade das coisas, que nada cessa, que tudo continua. Que onde há uma onda, há outra onda. Que onde há atmosfera, há ventos. Onde há água há ondas. Por isso dizemos: a “forma” é a própria vacuidade e a vacuidade é a própria forma”. Uma não é diferente da outra.  Nós somos a própria vida se manifestando. Nós pensamos: “eu vivo minha vida”. Não é verdade. A vida é que nos vive. Completamente diferente.

Quando “Joshu”, grande mestre zen, estava morrendo, lhe perguntaram: “Para onde o Senhor vai? E ele disse: não há nenhum lugar para ir”.

De onde saem as agitações da nossa mente? Da nossa crença nos jogos da vida. A vida é constituída de muitos jogos com os quais nós nos comprometemos. Por exemplo quando as pessoas começam a torcer por um time de futebol. E o time de futebol tem bandeira, hino, camiseta, cor, nós podemos nos comprometer com o jogo do time de futebol e começar a torcer por ele. Há gente que começa a torcer e se compromete tanto com aquela paixão que é capaz de sair do jogo e brigar com o torcedor do time oposto e são capazes de matar ou morrer. Não é verdade? Nós sabemos que é assim.

No entanto o jogo foi uma fantasia criada em algum momento e nós acreditamos nela. Todo o resto da vida também é constituído assim. Nós entramos numa empresa e o que que é uma empresa? Um jogo. É toda uma armação como um time, um nome, uma meta e vamos lutar por aquilo e nos comprometer. Se alguém nos diz uma palavra desagradável, não dormimos direito de noite. Se não atingimos nossa meta, nos sentimos frustrados. No entanto, quem se lembrará das nossas vitórias? Das nossas derrotas?

Há uma pergunta que eu já fiz para milhares de pessoas. Vamos testar aqui de novo. Seus pais e avós, são pessoas importantes para vocês? Quem acha que não são importantes levanta a mão. Todos acham que são importantes... Muito importantes para vocês? Então seus bisavós também, pois são os pais dos seus avós. Por favor, cada um de vocês tem oito bisavós. Alguém sabe o nome dos oito? Levanta e diz pra mim.

Ninguém na platéia se levanta, porque ninguém sabe. Por que ninguém sabe? Vocês pensam que são importantes. Mas eu tenho uma notícia para vocês. Sangue do seu sangue, carne da sua carne, seus descendentes, seus bisnetos não lembrarão nem o nome de vocês. Muito menos das suas humilhações, derrotas, vitórias... não lembrarão. Vocês serão esquecidos. Por que vocês acham que são importantes?

Quando acontece alguma coisa, você sempre pode dizer: “daqui a cem anos, ninguém vai lembrar”.

E por que a gente se importa tanto? Porque nós entramos no jogo, entramos com aquela paixão, de nos comprometer por um jogo como nos comprometemos com um time de futebol. Os jogos da vida são apenas o que são. Jogos. As paixões são assim, os amores são assim, os empregos são assim.

Todas as coisas que nos parecem importantes, na verdade não são. O que seria realmente importante? Não é a poeira que o redemoinho levantou. A única coisa realmente importante, é o “céu azul”. Ele vai estar lá depois que todos os redemoinhos passarem. Depois que todas as nuvens e tempestades soprarem, ventarem, choverem, o céu azul estará lá.

Na verdade, nós somos eternos, só não somos eternos como indivíduos. Só que queremos ser eternos como indivíduos como eus.

Quando entra um aluno na sala querendo aprender sobre o ZEN, na verdade eu tenho pena. Porque tudo que vai acontecer é uma destruição. Ele faz perguntas e recebe respostas terríveis. Tudo que era precioso para ele, vai embora. Como a sua crença de que seus antepassados são importantes para vocês. Não são. Se fossem você lembraria dos nomes dos bisavós. Vocês só lembram do nome daqueles que vocês conheceram, no fundo, é ou não é? Se não viram fisicamente, grande é a chance de não lembrar os seus nomes. Aliás em dez gerações seriam 1024, alguma chance de saber os nomes e biografias?

terça-feira, 21 de maio de 2013

Tudo ação e conseqüência



Nós abrimos os nossos olhos, e vemos o mundo em volta e as pessoas que estão na sala, um homem lá na frente usando uma fantasia de Monge, e dizemos: “eu estou separado”. Estou vendo todos os outros ali. Todo nosso corpo nos informa isso. “Eu” estou separado. Só que essa separação é nosso engano fundamental. O nosso “eu” é o nosso engano. E esse “eu” nós queremos que sobreviva à morte. No entanto, se vocês pensarem bem, ele não sobrevive a uma doença de Alzheimer. Você fica velho, começa a caducar, não sabe mais quem é. Ou Parkinson avançado, ou AVC cerebral, você perde sua memória, tem uma amnésia, está numa cama de hospital, eu pergunto a você: “quem você é”? Você diz: não sei. Como foi seu passado? Não lembro. E todos vocês sofrem de amnésia, não é? Você lembra uma vida antes dessa? Não lembra.  Este “eu” é desta vida, se há um “eu” anterior você não lembra.

Como você quer que esse “eu” que não sobrevive a uma doença, sobreviva a uma coisa “um pouquinho” mais grave, que é uma morte e uma dissolução completa do corpo?

Então, Buda “VIU” essa ilusão. Pra nós entendermos melhor essa ilusão, o “eu” é mais ou menos como o eixo de um redemoinho. Há movimento, você vê o centro do redemoinho e diz: há um eixo. “Parece” que há um eixo. Na verdade, há um, enquanto existe o redemoinho, cessou o redemoinho, cadê o eixo? Nós somos redemoinhos na existência, movimentos e fluxos de pensamentos, paixões, e etc. Nosso “eu” é o eixo, mas na verdade, nós não somos redemoinhos. Nós somos o céu azul. Quem sente que é o céu azul, resolveu nascimento e morte. Isso é o Budismo.

Nem almas, nem espíritos, nem ninguém lá fora pra nos ajudar. Nem ninguém pra nos premiar, nem ninguém para nos castigar. Tudo é ação e conseqüência. Você caminha sobre os resultados dos seus atos. Os seus atos provocam resultados. Os resultados, são tudo que você tem. Nós somos “movimento” no universo. Fenômenos, como os redemoinhos.

Como as bolhas, dentro de uma garrafa de champagne. Eu estava em Guaratinguetá, e expliquei, com esta outra analogia: bolhas, dentro de uma garrafa de champagne, são interações entre gás carbônico e o líquido. Você olha e vê a bolha. Ela surge, como que do nada. Sobe, explode na superfície. Todos os constituintes da bolha continuam ali. O gás carbônico continua, o líquido continua. A bolha pensa: “eu sou separada”. Ela olha para as outras bolhas e diz: “eu sou separada da outra bolha” e você que olha a garrafa, vê as bolhas separadas, não vê? Mas as bolhas existem por si mesmas? Não. Elas só existem como gás carbônico e líquido. O vento não existe por si mesmo. O vento é movimento do ar. As ondas do mar não existem por si mesmas elas são movimento da água. Vocês não existem por si mesmos, são movimento de pensamentos. São um fenômeno surgindo e desaparecendo.

Eu falei que contei esta história em Guaratinguetá, porque havia a filha de um amigo meu que estava lá, e de noite eles tiveram uma conversa em casa, que ele me contou. A mãe disse assim: “vai dormir, bolha”. E ela disse assim: “bolhas são vocês, eu sou champagne”. E eu pensei: “Ah! Ela entendeu!”.

Vocês não são bolhas, são champagne. Não são redemoinho, são o céu azul. A dificuldade é enxergar isso. Vocês não são ondas, são o próprio oceano. Quem enxerga isso, não se preocupa com as coisas cotidianas, normais da vida, porque tudo vai passar. Tudo é impermanente, tudo é transitório. Tudo apenas flui. Mas se ele consegue perceber que ele “É” o céu azul, não se preocupa com o início e fim dos redemoinhos. Por isso as respostas tão absurdas dos mestres do Zen.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

“Você, meu “eu”, não me enganará mais”



(continuação)

Depois de Platão, no ocidente, começamos a acreditar firmemente em almas. E as almas solucionavam o problema. Eu tenho um “eu”, uma identidade própria. Se eu morrer, minha alma não morre. O corpo é só a casca. Até nos desenhos animados, morre Tom e a alma do gato vai saindo e ele a puxa pelo rabo. Mas a alma é ele! O corpo não é nada! Então está solucionado: eu vou viver para sempre, pois eu tenho uma alma eterna. Então, eu preciso de alguma coisa para essa alma, e o que eu dou pra essa alma? Um paraíso ou quem sabe um corpo novo. Aí chamamos essa solução de reencarnação.

Vamos para o Budismo?

2.600 anos atrás, Siddharta Gautama vai pra floresta e torna-se um asceta. Torna-se aluno de dois grandes mestres Iogues e treina duramente. Diz-se que ele jejuou tanto, que a marca do seu sentar parecia a pisada de um camelo. Ele era bem magro. Ele é representado nas estátuas “Buda em Austeridade” com as costelas aparecendo e os ossos do rosto saltados. Eu não sei o que aconteceu no ocidente. Em algum momento, alguém trouxe uma estátua de “Papai Noel da China”, “Po Tai”, bem gordo, dando risada e colocaram nas vitrines das lojas e começaram a vender como Buda. Buda, historicamente, é um asceta. Não este Buda da vitrine. Aquele, que chama-se “Po Tai” em chinês e “Ho Tei” em japonês, nada tem a ver com Buda, algumas vêzes diz-se o buda do futuro, um futuro de abundância e felicidade.

Para explicar melhor essa história imagine que alguém vem de um lugar remoto e não conhece o cristianismo. Chega aqui em Goiânia e assiste as festividades de Natal. Volta e perguntam a ele: “Você foi lá? Fui. Como é a religião deles? Ah é meio estranha, eu assisti à festa principal deles, chama-se Natal. E o Deus deles, como é? Ah é gordo, se veste de vermelho, anda num trenó com renas”. É só o que ele viu, não é verdade? O que é que a gente vê no Natal? As tradições vão sendo modificadas e deturpadas com o tempo.

Mas voltando ao tema.

O problema de Siddharta Gautama é que depois de 6 anos ele desistiu. Não aguentava mais. Aceitou arroz e leite de uma moça chamada “Sujata” e sentou-se embaixo de uma árvore, uma figueira, uma “fícus religiosa”, e disse: eu não me levantarei daqui, enquanto não resolver o que nós chamamos hoje em dia de “angústia existencial”.

7 dias. Ao amanhecer do 8º dia, surgiu a estrela da manhã e aquela luz o atravessou, e repentinamente ele percebeu as ilusões em que estivera metido. E ele disse uma frase extremamente importante para nossa palestra: “Você, meu “eu”, não me enganará mais”.

Ele descobriu simplesmente que esse “eu” que nós tanto acreditamos e que em todos os tempos as pessoas quiseram que sobrevivesse à morte, não passa de uma construção mental, uma ilusão. Que você não é este “eu”. E estou aqui pra dizer pra vocês: o segredo de uma mente equilibrada é compreender, dentro de você mesmo, com o seu sentimento, não com a sua mente, que seu “eu” é uma ilusão completa, você não é o que você pensa que é.
(continua)

sexta-feira, 17 de maio de 2013

O céu dos outros



Siddharta sentiu-se angustiado com um problema que todos sentem. O problema é: eu estou falando para uma platéia de pessoas condenadas à morte. Todos aqui tem uma doença terminal, que chama-se vida. Termina inevitavelmente em velhice, doença e morte. Nós tentamos fingir que não é assim, tentamos não pensar no assunto.

O que aconteceu com Siddharta foi que isto pareceu-lhe extremamente importante. Esse assunto tirava todo o sentido da vida. “De que adianta eu ser príncipe, ter concubinas, esposas, filhos, luxo, riquezas, vou ser Rei depois, mas, de que adianta tudo isso se essa historia toda termina com uma morte abjeta, esse corpo que a gente tem que sustenta a vida simplesmente apodrece’?

Vocês podem evitar que os vermes comam suas mãos, sua carne, sendo cremados. Aí a gente pega as cinzas e espalha. É tudo o que se pode fazer. Em qualquer das duas hipóteses, nós viramos adubo. Então, Siddharta disse: “Eu! Eu, Príncipe, vou virar cinza! Vou adoecer, envelhecer e morrer. Então, que sentido tem a vida?”

Isto foi o problema que angustiou Siddharta. Deveria angustiar todos os homens. Na verdade, só não angustia quem não pensa e à medida que a humanidade pensou, ela tratou de achar alguma solução para isso.

As soluções, normalmente se expressavam sob a forma de alguma crença, algum sistema, em que todas as pessoas começavam a acreditar ou eram convencidas pela sociedade e o entorno a acreditar. A civilização antiga mais conhecida é a egípcia. Temos 3.000 anos de história antes de Cristo na civilização egípcia e eles deduziram que a coisa seria conservar o corpo. Então pega-se o corpo, tira-se as vísceras, enche-se de alcatrão, enrola em bandagens, coloca junto com coisas para auxiliar a vida do outro lado, comida, carruagens, espadas, etc, quanto mais rico o homem mais ele levava. No início levava seus empregados também para ajuda-lo do outro lado. Então, não era um bom negócio você ser um empregado do Faraó, pois se o faraó morresse, você seria enterrado vivo, junto com o Faraó.

Mas assim, eles estavam garantindo uma vida no “pós-morte”, com o mesmo corpo. Tá certo que o corpo das múmias que a gente olha não está servindo pra grande coisa, mas, era uma “solução”.

Depois fomos partindo pra outras soluções, idéias sempre em caráter “não morte”. Por exemplo: eu posso quem sabe ressuscitar? Então, a promessa é: se você morrer dentro de determinadas condições, então você vai ressuscitar depois com um corpo novinho em folha. E aí, viveria numa terra perfeita pra sempre.

Os gregos gostavam muito de fazer o quê? Conversar na praça de cidades que se chamava “Ágora”. Então, os gregos pensavam, como seria o nosso Céu, depois da morte? Então os homens bons iriam para o “ Hades”, que era a terra dos mortos, os bons para um lugar que era uma ilha paradisíaca, onde as regras eram de que a comida viria pronta, caía das árvores, as roupas também, você não precisava trabalhar para fazer nada. Tinham regatos límpidos, temperatura maravilhosa e você podia conversar sobre filosofia. Não é um céu para gregos? Conversar , debater.

Os muçulmanos nasceram entre os árabes, os descendentes de Ismael, filho bastardo de Agar, escrava de Abraão, expulsa por Sara, quando Issac nasceu. Então, é uma história filha do ciúme, e os descendentes de Ismael, os árabes e os descendentes de Issac, os israelitas, estão brigando até hoje. Nós tínhamos que conversar com Sara, voltar no passado e dizer: “Sara, não faz isso”! Mas ela pediu a Abraão que expulsasse Agar e Ismael de sua casa. Os árabes estavam no deserto e acabaram criando uma sociedade que tinha um indivíduo que era o privilegiado total. O sultão. O sultão tinha uma coisa que todos os homens queriam, e ninguém tinha: um Harém! Então, pronto, resolvido: no céu islâmico, cada homem que morre bem, vai pra lá e ganha 72 mulheres! As huris, bonitas, sempre jovens, e não trazem sogras.

E assim vamos percorrendo a história. Os vickings: faziam guerras, eram conquistadores, como na tirinha do Hagar, o horrível. Então eles têm um céu especial, chama-se “Valhalla”. Se você for um homem valente, vai pro “Valhalla” e lá você vai poder guerrear e saquear para sempre.

Tão vendo como são os céus? A gente ri não é? A gente ri das crenças e culturas “dos outros”. Elas nos parecem ridículas. As nossas não.
(continua)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O fluxo é para a frente



Por que que você gira no sentido horário na sala de meditação? Porque o tempo não anda para trás. Tudo que você faz, fica. Então gire sempre no sentido horário para se levantar, não há como retornar, relembre. O fluxo é pra frente.

Por que você entra com o pé esquerdo na sala de meditação? Porque você entra com sua intuição. Este é o espaço da intuição.

Por que você sai do zendô com o pé direito? Porque sai desse espaço subjetivo e agora é o mundo objetivo, onde tenho que trabalhar com meu “eu”, tenho que agir, que trabalhar, que ganhar dinheiro, pagar as contas, etc. Este é o mundo racional, com o pé direito.

Lá é lugar de treinar uma coisa. Aqui fora é lugar de viver outra.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Apagar os condicionamentos mentais



Posso dizer com clareza, que todos nós temos dentro de nós de tudo. Dentro de mim há um assassino, pois, na época em que, jovem, eu treinava tiro, se viesse um assaltante, eu mataria. Tecnicamente.

Esta marca cármica fica lá. Os jogos eletrônicos são exemplo disso. Não são inocentes. Há a presença de marcas cármicas que são criadas na mente, ali. Jogar um jogo violento no computador não é inócuo. É criação de uma marca cármica na sua mente. Serão necessárias décadas de prática, pra ir amenizando.

A única vantagem é de que “eu sei” como é a mente. Eu sei o que faz uma pessoa com arma na mão e esse treinamento. E ele vai fazer isso. E nós seres humanos somos extremamente maleáveis. De acordo com o treinamento que você der, você faz outra mente, cria novas marcas e energias de hábito.

Então o que fazemos no ZEN? Levamos a pessoa para um primeiro treinamento: ZAZEN. Primeiro vamos limpar. Limpar todo o passado, parar de pensar no futuro.

Quando você faz isso, você corta duas coisas: o passado traz os remorsos, as culpas, etc. Então o passado é fonte da depressão. E o futuro é a fonte da ansiedade e da decepção. Cria expectativas, decepciona, desilude, etc. Por quê você se decepcionou com alguém? Porque você alimentou uma expectativa. Você pensou no futuro e as coisas não saíram como você esperava. Essa sua decepção é ruim pra você? Sim. Mas de onde ela vem? Da sua expectativa. Daquilo que você alimentou dentro de você, sobre o futuro.

Vamos sentar em Zazen (meditação). Como trabalhar tudo? Por exemplo na psicologia, o trabalho é imenso. As pessoas ficam décadas falando para o terapeuta, elaborando, mexendo, etc, e muitas vezes pouco resolve. O que fazemos no zazen? A abordagem é oposta. Sentar aqui. Seja o que for que venha, deixe, não importa. O que nós vamos fazer é “formatar” o disco preenchido. Apagar tudo e vamos começar com outros condicionamentos. E todos os rituais e regras pretendem criar condicionamentos mentais, porque a forma ou o ritual que fazemos no ZEN, que não têm tanta importância e que podem ser mudados, criam uma mente diferente.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Causalidade não é carma



E a cada vida nós esquecemos do nosso “eu”. Porque não existe uma coisa dentro de nós e que é o nosso eu e que carrega carma e que muda de corpo. Não é isso.  Pode desaparecer a terra, o universo inteiro, mas os impulsos cármicos procurarão onde se manifestar em novo universo. É isso que acontecerá.

Então existe também um carma coletivo, você nasce em um país, tem um carma coletivo daquele país. Mas isso é determinado pelo seu carma individual. Você vai pra lá, sente-se atraído para nascer lá.

Já causalidade é outra coisa, não é causado pelo seu carma individual. É uma condição da vida humana, pode acontecer um terremoto ou qualquer coisa e não podemos dizer que isso seja culpa da pessoa ou carma, isso é causalidade, é outra coisa diferente. Você está sujeito a causalidades porque teve carma para nascer humano, e os humanos estão sujeitos a doenças, acidentes, etc.

De certa maneira, contudo, carma tem a ver com causa e efeito. Você tem uma ação que causa frutos, mas em geral estamos dizendo “carma individual”, ação intencional, você fez intencionalmente, isso gera carma individual.

As doenças podem ser as duas coisas. Porque se você tem uma conduta que gera aquela doença, você vai colher os frutos daquele mal. Se você fuma e tem câncer de pulmão, você vai colher os frutos de fumar. É lógico.

Então, existe ação e consequência sim, mas quando dizemos carma normalmente estamos falando de ação intencional, individual, que causa “marcas mentais” que modificam a mente e que portanto modificam a próxima manifestação. É este conjunto que interessa. Nós não chamamos de “alma” porque não há um “eu”, mas existe uma continuidade da onda cármica no mundo. O Budismo não diz que não existe uma continuidade.

Mas, para sua prática, nem precisa acreditar nela, porque o Budismo não pede que você “acredite”. Tudo é raciocínio lógico. Você não precisa aceitar nada.

À medida que você for fazendo boas marcas, sua energia de hábito mudando suas marcas cármicas, você muda seu carma e portanto muda o mundo e você mesmo. E determina a sua manifestação futura. Você muda já nesta vida. Você muda agora. Vai mudando. Na medida que você treina a sua mente de outra forma.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

É o carma que manifesta identidades



Quando você morre, você tem uma mente, com marcas. É isto que renasce. É isso que vai se manifestar no universo. Por quê? Porque as energias do universo, toda a energia do universo, ela não cessa. Ela não desaparece. È a 1ª lei da termodinâmica. Lei da conservação da energia. Esta continua, ela só se transforma. A energia daquilo que você fez, continua. As marcas que você tem, os impulsos da sua mente, continuam. E essa coerência, esse quantum de energia, essa onda cármica que em ultima análise nós somos, com suas marcas, energias de hábito etc, e que no conjunto diz-se “carma”, simplificando, pra não dizer tudo isso, esse conjunto todo vai se manifestar em um “ser”.

Quando um ser qualquer nasce, ele é herdeiro de uma onda cármica. Quando ele é herdeiro de uma onda cármica, que já vai nascer naquela família, naquela situação, naquela família, naquele país, porque tem carma para isso, está atraído por aquela manifestação, por aquela genética, ambiente etc, a pessoa nasce num lugar para onde seu carma naturalmente vai. Você está aqui numa aula sobre o Dharma porque tem carma para isso, se sentiu atraída por isso. Outros estão fazendo outra coisa. Quem sabe há um churrasco? Com bastante caipirinha etc? E assim por diante. As pessoas estão procurando aquilo porque se sentem atraídas. Elas vão atrás disso, tem carma para tanto.

Assim é também quando você nasce. Você é atraído para um determinado ambiente porque você morreu com a mente afinada com aquele meio. Aí você nasce lá. Por isso não é a genética que veio antes. É o carma. É por isso que com semelhante genética, irmãos são diferentes.

Então o carma vindo, manifesta um ser. E este ser começa a pensar, dar-se conta, os pais dão um nome. Aí eles dizem que seu nome é esse. Um dia, na infância, você pula de “nenê quer isso” para “”fulana” quer. E a medida que chega este momento, você vai criando uma noção cada vez mais sólida de um EU. Você estrutura seu ego e suas preferências, etc, vai tomando escolhas, mas essas escolhas vêm marcadas por uma coisa anterior, de preferências que você tem, de marcas cármicas que você tem e que você não sabe de onde são. Por quê essa pessoa gosta disso? Por quê que ela pensa assim? Ela tem uma herança cármica. Então é o CARMA que renasce, que manifesta um ser. Durante algum tempo na primeira infância vemos lembranças fugazes que de alguma forma vieram impressas com o carma de vidas anteriores.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Samskara



Karma significa em sânscrito, ação. Conseqüencia é Vipaka. Literalmente, em sânscrito, Vipaka quer dizer fruto.

Na verdade quando as pessoas dizem “isso é karma”, elas dizem isso é “Karma Vipaka”. São os frutos do karma. Karma diz que você comete uma ação, faz alguma coisa e essas sim terão uma conseqüência, gerarão fruto. E esse fruto vai germinar quando houver condições propícias. Não é automático, pode não suceder nesta vida.

O fruto não precisa acontecer nesta vida, nem imediatamente. Pode levar muito tempo. Você insulta uma pessoa, não acontece nada. Se você fizer isso numa cidade e for embora pra outro lugar bem longe o fruto dessa ação, que normalmente é a raiva da outra pessoa, não atinge você. No entanto não significa que essa ação e seu fruto não está guardado. Nós dizemos então que são sementes. Sementes que estão esperando.

Sementes que irão frutificar quando houverem condições propícias. Aí sim haverá um fruto se houver água, terreno, etc. Por ex. se houverem condições propícias e você encontrar essa pessoa, num determinado momento, no futuro, aí pode ser que esse fruto aconteça.

No entanto, dentro de você há uma coisa que aconteceu com seu insulto. Em sânscrito, chama-se “Samskara”: a “marca cármica”. Essa é a marca que ficou dentro de você, é o seu hábito. São energias de hábito, que estão dentro de você.

Então você insultou, não houve fruto direto. Mas há um hábito, o hábito de insultar. A mente que ofende. Samskara, a marca cármica, as energias de hábito.

Essas energias são sulcos dentro da sua mente. São marcas. Essas marcas tendem a se repetir. Porque você marca e volta. Por ex.: eu tenho um vale, um terreno. Aí chove, a água corre no terreno. No início é um filetezinho, mas se você corta a grama, etc, o filetezinho arrasta um pouquinho de terra e faz um sulco, uma marca. Quanto mais chove, mais água corre ali, mais funda fica a marca. No fim, é o grand cannyon. É uma enorme marca inescapável. A água que cai vai ao fundo e não há nada que mude, e a terra foi levada e virou um grande buraco e não tem conserto. Isto é Samskara. A marca, as energias de hábito, criam sulcos, esses sulcos nos marcam e tendem a se repetir.

Á medida que eles vão se repetindo, mais fortes ficam as energias de hábito. Então a pessoa que fez o insulto pode não ter o fruto da ação mas ela criou uma marca que vai se aprofundando e vamos dizer assim, no limite, pode ser uma pessoa raivosa que está sempre insultando todo mundo. Eu conheço pessoas assim. Não consegue escapar da situação de estar sempre criando conflitos, e, qualquer coisa que acontece, explode em insultos. Não é isso? Extremamente destrutivo e no fundo essas marcas, as energias de hábito acabam gerando um próprio fruto que é a marca cármica, o Samskara.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Mostrar com o corpo



Pergunta – A gargalhada é uma reação fisiológica que faz bem à saúde, nos mosteiros existem atividades que provocam gargalhadas? Jogos? Diversões?

Monge Genshô - Jogos não. Uma vez eu estava em um mosteiro e tinha uma responsabilidade, tinha que tocar um sino antes da hora do almoço. O sino ficava num prédio longe, tinha que sair minutos antes para tocar. Eu tinha que ficar cuidando o relógio do zendo para poder sair no horário. Tínhamos acabado de fazer zazen e havia um monge do meu lado que era da Colômbia, muito meu amigo. Ele sabia muito mais que eu, já tinha feito outros Angôs. Então ele olhou para mim e disse “Genshô, você não tem que tocar o sino?” Comecei a sair rapidamente do Zendô e quando olhei para o relógio percebi que ainda eram nove horas, voltei rapidamente para o meu lugar com todos me olhando e disse, “ainda são nove horas!” e de brincadeira ameacei lhe bater com o Zagu. O zendô inteiro, estavam de pé, voltados para o centro naquele instante, riu, pois pensaram que ele havia me pregado uma peça.

No dia seguinte eu havia pegado uma virose e estava com diarréia, ele então disse que fora por causa do susto e me pedia desculpas porque havia se enganado. Havia também um monge francês, tínhamos acabado de fazer um sesshin de três dias, todos mudos, chegamos ao quarto e ele disse, “acabou o sesshin, tenho uma garrafa de vinho”. Abriu a garrafa e todos nos reunimos rindo, para tomar um cálice, coisa que os instrutores jamais deixariam se soubessem. Na realidade os homens velhos, monges, as vezes acabam se comportando como colegiais. Rir faz parte da vida e os monges são pessoas alegres, tem um treinamento duro, mas tem alegria, uma alegria muito bonita, porque não está eivada de um sentimento baixo, é alegria, solidariedade, companheirismo e amizade, isso é característica do treinamento Zen.

O fato de Genshu Osho estar nesse sesshin, por exemplo, é uma demonstração de grande amizade e afeto por nós. Ele veio do Japão, e estava em São Paulo, quando soube que haveria um sesshin aqui, pediu para participar, então em vez de estar passeando, veio para cá sentar conosco. Isso é na verdade a ação iluminada, não é nada de especial, apenas viver, aproveitar a amizade e o afeto. Como ele não fala português, não pode falar claramente, mas está demonstrando com seu corpo, espero que vocês consigam perceber.

Pergunta – Voltando ao assunto do consciente e inconsciente, a função do nosso inconsciente é nos manter vivos, por exemplo, se ficarmos sem respirar, trancarmos a respiração por alguns minutos, o inconsciente derruba o consciente e assume para que voltemos a respirar, de repente a função do inconsciente de nos manter nesse grupo de loucos, não é para nos manter na tribo, para que não nos sintamos sós?

Monge Genshô – Até pode ser, na verdade no budismo não se faz essa distinção de consciente e inconsciente. Diríamos que esses processos do sistema automático do corpo fazem parte dos mecanismos da vida em que consciente e inconsciente estão misturados e, talvez, por causa do zazen tenha surgido essa não separação de consciente e inconsciente nos termos da psicologia ocidental. Que nosso corpo procure o prazer, a reprodução, a satisfação, isso é natural. Quando engordamos por comermos demais, por que isso acontece? Porque deixamos um processo natural tomar conta, o que não seria correto, se você comesse ração, por exemplo, quando um cão fica adulto não come demais, porque é sempre a mesma comida, mas se você diversificar a alimentação acontecerá o mesmo que com os humanos, engordam, se der doces ficam diabéticos. Temos que sobrepor aos nossos desejos naturais uma consciência do que estamos fazendo e o porque fazemos. Em um retiro é fácil, comemos com oryoki (tigelas rituais), ninguém come demais com oryoki, é fácil em mosteiros, em mosteiros não se vêem monges obesos. Mas em um restaurante é diferente, senta, conversa e come, come mais do que precisa.


quarta-feira, 8 de maio de 2013

O caminho é infindável



Pergunta – Me sinto muitas vezes perdida, porque, aquilo lá fora não me diz mais nada e ao mesmo tempo aqui não cheguei em nada ainda...estou entre nada e coisa nenhuma...

Monge Genshô – Por isso o quarto voto do Bodhisatva, O Caminho de Buda é infindável, faço voto de percorre-lo até o fim. Mesmo que a gente tenha uma pequena experiência de despertar e comece a vislumbrar coisas, mesmo assim, você tem uma experiência e pensa que é pequena, embora ela tenha distanciado você das outras pessoas e elas pensem que você é louco e não podem mais entendê-lo. Você percebe que existe muito mais a fazer e passa para um estágio um pouco melhor,  e quando olha pra frente parece infindável mesmo. Genshu Osho, (Osho é o título dos monges plenamente formados não o nome de alguém) não é de uma família de monges, ele é de uma família comum, trabalhou como operário, mas sentia-se inquieto e foi para um mosteiro.

Não ser de uma família de monges no Japão significa uma dificuldade, da maneira como o Zen se estruturou no Japão, em que templos acabam sendo hereditários e confortáveis cartórios para se viver, os monges de vocação são diferentes e essa é a condição dele. Ele foi para um mosteiro e ficou dez anos sem sair, dez anos vivendo como nós estamos vivendo no sesshin, praticando cerimônias, sem família e sem ver o fim, sem nunca ver o fim. Sempre na esperança de chegar um pouco mais longe. Uma vez por mês sesshin. E todos os dias no encerramento das atividades o verso “não desperdice sua vida”. Porque todos os dias passam e você não obteve o despertar. Todos os dias de novo, por dez anos. Então, é claro, o rosto muda.

Ele ficou na minha casa e o que posso dizer dele? Um homem comum, só que em sua conduta não há falhas. Eu disse à ele que poderia ver televisão se quisesse, ele me respondeu que faz 15 anos que não vê televisão, então vai para o quarto e lê, ou senta num zafu e pratica zazen. Depois de dez anos ele ainda precisa praticar. Ele pediu para ficar em casa um dia e o que ele fez? Lavou a roupa, estendeu, limpou a casa. Se você disser, “sim, ele recebeu a transmissão, agora é Osho, isso significa que ele tem alguma realização espiritual, mas qual é esse intelecto, essa inteligência, essa compreensão, essa sabedoria?” A única coisa que posso dizer é que ele limpou a casa.

terça-feira, 7 de maio de 2013

O fruto da árvore da ciência do bem e do mal



Pergunta – Mas por que a gente faz isso, se é nossa natureza, por que fazemos isso...a gente vê os pássaros, estão ali, simplesmente sendo, parecem tão livres, tão felizes em harmonia...

Monge Genshô – É que eles não conhecem a ilusão.

Pergunta – E quando começamos a fazer isso?

Monge Genshô – Quando começamos a ter consciência de nós mesmos. Quando dissemos “eu sou”. Saikawa Roshi diz, “Os pássaros são verdadeiramente pássaros, os peixes são verdadeiramente peixes, somente os homens não são verdadeiramente homens”.

Pergunta – Talvez a grande pergunta seja, “o que foi a maçã?”. Quando o homem decidiu, “não quero mais viver no paraíso”.

Monge Genshô – Esse mito que está na Bíblia é esclarecedor. A Bíblia não fala numa maçã, na verdade o Gênesis fala da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Se formos traduzir para palavras budistas diríamos que o homem tomou do fruto do pensamento e dividiu o mundo em pedaços com sua mente dual, colocou de um lado o bem e outro o mal, tomou conhecimento da dualidade, você aí e eu aqui, certo e errado, o pecado e a virtude e quando fez isso se perdeu e foi expulso do paraíso, na porta um anjo com uma espada flamejante para que não pudesse retornar.

Por algum motivo, no rumo da história, transformaram popularmente isso numa desobediência ou num fruto prazeroso. Mas o que está escrito no Gênesis é a Árvore da Ciência do Bem e do Mal e a serpente que antigamente era considerada um símbolo da sabedoria diz à Eva, “se tomardes desse fruto, sereis como os Deuses”, virou então um símbolo do demônio.  Os Deuses na mitologia budista também estão perdidos, também acreditam no bem e no mal, também acreditam no prazer, no nascimento e na morte, também estão perdidos. Na mitologia budista os Deuses vivem muito, tem vida muito prazerosa, porem grande dificuldade em ouvir o Dharma. Por isso também envelhecem e morrem, decaem e nascem como homens, Deuses caídos.

Pergunta – essa tentação porque passou Eva, pode ser comparada às filhas de Mara?

Monge Genshô – Os mitos não são verdades, os mitos são metáforas. Mara e suas filhas representam os desejos que nos chamam, as tentações. Aqueles que levam as pessoas para a festa. O que leva as pessoas para as festas? A sensualidade, desejos de sensações, embriaguez, os prazeres, o esquecimento. As filhas de Mara representam isso, as tentações. Quando Buda está para se iluminar, as filhas de Mara vem até ele, na realidade esse mito significa o que? Que você senta para meditar na busca de esclarecimento, de clareza de escapar do sofrimento. Daí apresentam-se para você os desejos sensuais, o desejo de conforto, desejo de ir pra cama e esticar as pernas, de comer melhor, todas essas coisas são as filhas de Mara. O mergulho na sensualidade leva a perda da clareza, esse é um problema básico, por que para distanciar-se disso você precisa distanciar-se de si mesmo, de seu próprio corpo, por isso os monges no começo eram convidados a meditar em cemitérios para verem os corpos se decomporem. Dessa forma ter mais clareza do que era vida, os monges não podiam ter companheiras, casar, ter filhos, casas, posses, nem guardar comida para o dia seguinte, era uma tentativa radical de distanciar o homem de seu próprio corpo.

Tentamos fazer isso no sesshin, comer pouco, dormir pouco, nenhum prazer sensual, mas temos ainda muito conforto. Pode parecer que não, mas é muito conforto. As vezes as pessoas perguntam, “por que no tempo de Buda tantos se iluminavam?” É só olhar o treinamento que eles tinham. Não é de se admirar que a iluminação fosse mais frequente. Nosso desafio é maior, porque na prática somos todos leigos, não somos como os monges do tempo de Buda. Não somos como Mahakasyapa que nunca se deitava para dormir. Vivemos vidas confortáveis, é muito mais difícil. Por outro lado ficamos pensando nisso “É difícil demais despertar e escapar dessa roda com essa vida que levamos”. Mesmo assim é possível.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Como um leão prestes a saltar





Pergunta – Aquele momento de torpor, que as vezes acontece, são momentos muito prazerosos...

Monge Genshô – O torpor é um indicativo que você relaxou. Estar cansado com um pouco de sono é bom para o zazen. O problema é que esse relaxamento só pode ir até certo ponto, não pode cair no torpor verdadeiro, ou seja, um pouco daquele sentimento de “estou relaxado e calmo, em paz”. Para que isso aconteça é necessário que não estejam surgindo pensamentos cheios de estímulos, raiva, ambição e desejos, nada disso. Esse é um bom indicativo, mas é como um fio de navalha, se você for um pouco além, esse torpor sonolento lhe tira a atenção e o alerta. É necessário manter o espírito como um leão prestes a saltar, ou seja, muito atento, mesmo que você tenha um sentimento de relaxamento, mantenha sua atenção bem clara no momento presente, tentando manter-se nele.

Pergunta – Se a maioria absoluta dos seres vivem nesse estado de inconsciência, e o estado de consciência, o despertar é tão bom, quem é o responsável por esse estado de ilusão? No filme Matrix, que tinha uma base filosófica grande, haviam as máquinas que eram responsáveis por esse estado, pela ilusão, existia um motivo por trás disso. Entendo a questão do ego, do eu, não entendo quem me boicota, quem não quer que eu desperte e por que, se é o ego, com qual intenção ele me mantém nesse estado de ilusão?

Monge Genshô – Ele é um surgimento natural, na verdade nós somos uma coisa magnífica. De um lado é plena ilusão, de outro é a grande consciência se manifestando, o grande ser se manifestando. De um lado você é onda individual, mas porque é onda e tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, percepção, formação mental, você é como se fosse o olho do universo, você vê e isso é maravilhoso, porque a vida é maravilhosa e você é um fenômeno do universo, fantástico, lindo.

Infelizmente esse fenômeno, por ver as coisas, ouvir e perceber, sente-se separado de todo o resto. É como se olho estivesse separado de você e visse, não tivesse o resto do corpo para conduzi-lo e o olho então pensasse, “eu vejo” e perdesse todo o resto, pois nítidamente ele enxerga e pensa, “eu sou”. Mas esse olho, não consegue ver a si mesmo, o ouvido não ouve a si mesmo, sua mente não vê a si mesma. Você inteiro é como se fosse uma partícula que se pensasse só, isso é uma grande solidão, uma solidão imensa que nós temos porque sentindo, pensando e vendo, somos só nós, estamos profundamente presos a essa noção e assim perdemos todo o resto.

Os sutra dizem, “a verdade do não nascimento”, nós não podemos deixar de pensar que nascemos, nós sentimos, “eu nasci, eu sou, eu penso, não quero morrer” e assim nos perdemos, porque somos muito mais que isso, nós somos o grande ser e perdemos o grande ser, perdemos tudo na ilusão de um pequeno ser, um pequeno ínfimo ser que se pensa e que percebe, “ele se pensa sozinho”, o grande despertar é perder-se de si mesmo pra mergulhar no grande ser, ser o grande Ser e não uma pequena partícula pensando em si mesma, é difícil de explicar, mas se em algum momento você sentir, mesmo que em um pequeno instante, que você é o grande ser, naquele relâmpago não há nascimento e não há morte, essa fugaz existência que vocês têm, perdidos em prazeres tolos dessa vida, em dores desde pequeno ser, estas pernas e joelhos que doem por ficar tanto tempo parados, esse é o nosso engano, como despertar? Primeiro é necessário abandonar nossa maior ilusão que é nossa mente, uma mente que não para, se essa mente ao menos pudesse parar um instante de conceber, poder sentir como é parte do grande ser, se nós abandonarmos a noção individual, o grande ser pode ter espaço, perceber isso é libertar-se de tudo, é despertar, não é algo extraordinário, fantástico, é tudo como sempre, só que completamente diferente.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Retiro Zen em 29 de maio



  • Casa de Retiros Vila Fátima. Rodovia SC 406, 2210 - Morro das Pedras Florianópolis - SC 88066-000
  • Sesshin de outono de 29 de maio à 02 de junho. Valor R$460,00 (hospedagem e refeições).
    Reservas e Informações: juliana@chalegre.com.br 

Publicações


A clareza e sabedoria



No sesshin (retiro) tentamos entrar em nossa percepção nítida e clara. “Quem sou eu, quem esse corpo que sofre?” Devemos pensar quando ele dói e sofre que ele é impermanente e irá se transformar em pó. Estamos muito longe dos acontecimentos da morte, porque os escondemos, quando levamos um corpo para enterrar ou cremar, ele está dentro de um caixão, escondido, não podemos vê-lo, na Índia, até hoje, essa é uma cerimônia pública em que o corpo é rodeado de lenha e as pessoas ficam ao redor atiçando o fogo para que o corpo queime completamente. As pessoas vêem a cremação, vêem quando uma cabeça explode e o crânio racha, quando a carne é consumida.

Nós não vemos a finitude de nosso corpo com clareza quando estamos sentados e nossas pernas doem, podemos pensar, “essas pernas serão completamente consumidas”, mas isso não é muita coisa. Quando levei as cinzas de minha mãe para jogar no mar, elas estavam num pacote que cabia nas mãos, muito pouca coisa, ao ser jogada no mar, forma-se uma mancha branca e a correnteza logo leva, é rápido. Nós ficamos sentados e prestamos atenção a esse corpo que sofre tanto com a imobilidade e com essa mente continuamente viajando de pensamento em pensamento, quantos devem pensar, “joguei fora esse zazen inteiro, por causa da dor não fiquei aqui um só momento, viajei para o passado e futuro, imaginei coisas e novos acontecimentos, sonhei”.

Perdemos então, a oportunidade de, mais uma vez, simplesmente ouvir esse pássaro, ouvir o rumor do mar. Mesmo quando ouvimos o som da festa, é uma grande lição, não deve ser desperdiçada, não devemos pensar que estão estragando nosso retiro, na verdade estão nos dando uma visão clara de outro mundo em que muitas pessoas estão mergulhadas, muito mais que uma dúzia de pessoas que estão aqui no sesshin, centenas e centenas de pessoas estão lá porque parece muito mais interessante.

Nós podemos alcançar alguma coisa no sesshin, mas o quê ? Clareza, nitidez, escapar do sonho. Quando estamos pensando, imaginando e recordando não estamos mais que reforçando nosso sonho. Sentamos aqui para sofrer e escapar dos sonhos, para isso é necessário grande esforço para voltar para cá constantemente. Não desperdiçar tanto sofrimento, porque não somos masoquistas, aqui ninguém gosta de sofrer. Então por que fazemos isso? Alguma coisa dentro de nós nos empurra, nos traz para cá, mesmo que digamos que não queremos vir, porque dentro de nós algo desconfia que estamos perdidos em um sonho e que desejamos despertar, queremos ser Budas, pois desconfiamos que Buda livrou-se de toda agonia e sofrimento e teve grande felicidade, alegria e contentamento com sua clareza e sabedoria de ver as coisas com nitidez.

Na realidade, quando despertamos, mesmo que um pouco, todas as perguntas parecem que tem resposta. Você é capaz de responder qualquer pergunta sobre a vida, não a pergunta “quais átomos estão contidos nessa cadeira?” Mas a sabedoria da vida. Eu desejaria ser capaz de despertar os outros seres, mas, infelizmente, não somos capazes de fazer isso, cada ser tem que despertar sozinho. A força da ilusão é muito forte.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Entreter e divertir, os verbos da ilusão



Esse contraste com que estamos fazendo é imenso, estamos no sesshin (retiro) o som do mar já é forte, os pássaros cantam muito alto, já ouvimos com nitidez, não é um som abafado que está presente em nós. Estamos procurando clareza e presença, nosso corpo dói. Não se enganem em pensar que os monges não sofrem, ficar parado, imóvel, provoca dores no corpo, muito desconforto, mas esse desconforto nos traz uma extrema consciência de que eu tenho um corpo, estou vivo, quero um momento qualquer que seja mais confortável que isso, um samu (trabalho comunitário), a caminhada, uma palestra.

Então, nós estamos a procura da clareza em contraste com a loucura do mundo, esse embrutecimento, o não ver com clareza nossa verdadeira natureza e mergulhar mais fundo na ilusão. Na verdade nós estamos dentro do sesshin mergulhados na ilusão. Na ilusão de nossa própria manifestação pessoal. Somos ondas de irregularidade na superfície do universo, nós pensamos que somos, esse pensamento de que somos um eu, é nosso sonho, nossa ilusão. Despertar dele é muito difícil, mais ainda quando sentimos dor, nesse momento nos sentimos ainda mais presentes, sentimos “eu estou aqui”.

Mas você sente a sua ilusão com clareza, quem vai para a festa tenta esquecer tudo, é como se jogasse fora a oportunidade da vida, como se não estivessem se abrindo e vendo as coisas como realmente são e mergulhados no inebriar-se para esquecer, por isso as palavras são entreter, divertir. Essas palavras significam, sair do seu centro e ir para fora, algo diverso, diferente. Dessa forma, com esse jogar-se na embriaguez do movimento, do som e do prazer, perde-se a nitidez e nossa própria percepção.
(continua)