quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A Vida Humana




O ser humano tem uma condição especial, que é a condição de, em sendo ser humano, experimentar coisas boas e coisas ruins, de ter a capacidade de aprender, experimentar, de ter mais clareza. Os animais vivem em um mundo mais obscuro, em que as coisas são mais difíceis, mais instintivas. E, mesmo entre eles, há muitas graduações. Existe muita diferença entre uma ameba e um cão. Há cães compassivos, bondosos, que a gente olha e diz: “parece gente”. E tem pessoas que a gente olha e diz: “mas é um animal” . Obscuro, completamente perdido, vivendo instintivamente. 

As fronteiras de crescimento espiritual entre homens e animais tem um ponto em que tais fronteiras começam a coincidir. Tem animal que em uma próxima manifestação pode vir a ser um ser humano, e este ser humano aqui pode regredir a ponto de ser um animal. Ele manifestar-se-á em uma condição muito pior do que a que estava. Para o budismo não existe a ideia de progresso eterno. No budismo, você tanto pode andar para frente quanto para trás. Isso depende de você.  E não é muito difícil andar para trás.

Pergunta: Nesta linha de raciocínio, o ser humano seria o último dos seres?

Monge Genshô: Na Terra, a manifestação humana é a manifestação mais privilegiada. E a tradição diz que conseguir uma manifestação humana já é um grande privilégio, porque ela é rara, é difícil.

Pergunta: Por ser mais evoluída?


Monge Genshô: Por ser mais rara e por ter mais clareza, linguagem complexa etc... É muito mais fácil ser uma bactéria. É muito mais fácil você ser uma formiga. Há muito mais condição por ser uma questão de números. Conseguir se manifestar como ser humano é um privilégio, em termos de número. Uma antiga lenda, antiga história budista, diz assim: uma tartaruga sobe do fundo do mar de 100 em 100 anos; em cima do oceano há uma argola de madeira, flutuando; a chance dela subir e colocar a cabeça exatamente dentro daquela argola flutuando é a mesma que você tem de nascer como ser humano. É um grande privilégio. É uma grande vantagem, comparada com a quantidade de seres que existem, de manifestações possíveis. 

[Trecho extraído de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei]

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Abandonando as Certezas


Eu gostaria de ressaltar para vocês a importância de sentar-se em zazen com a ideia de “nada aí”, e a importância de não valorizar o que vocês têm como pensamento, porque esse pensamento, essa opinião, tudo isso atrapalha. Por isso as instruções que dei no sesshin, as regras que funcionam aqui, não são para serem usadas na vida. Você não vai sair na vida, fazer um trabalho e ficar quieto sem dar sugestões. No sesshin é diferente, o objetivo não é que o trabalho seja bem feito, e sim aprender a estar completamente aberto e não acreditar em si mesmo. Apagar-se em si mesmo.


Nós, por exemplo, na hora do samu, estávamos conversando Sodo San e eu sobre a cerimônia, examinando como iríamos fazê-la, e sempre descobrimos que em tal mosteiro, em tal lugar, é diferente a cerimônia, e às vezes ela me pergunta: “como fazemos então?”, e eu respondo: “como você acha?”, porque não é importante. Não é importante nada do que nós estamos fazendo como regras absolutas. Nós estamos fazendo e aprendemos uma forma, mas temos que fazer sem pensar, não é para desenvolver opiniões. Assim nós vamos criando práticas, e quando está todo mundo consolidado numa determinada maneira de fazer as coisas, eu sempre penso: “vamos mudar algo, todo mundo aprendeu a fazer oryoki muito bem, então acho que temos que introduzir um setsu para ficar difícil”. Dessa forma será outra maneira de limpar, e isso irá complicar o oryoki, porque vai ter mais um instrumento além da colher. Nós estamos, portanto, frequentemente mudando as maneiras de fazer as coisas para que ninguém pense que existe uma maneira certa, porque a crença do certo e errado também está errada. O que existe é: “estamos fazendo todos juntos”, e não “estamos fazendo certo”. Quando você vai para outro lugar, vai descobrir que lá eles fazem diferente, então a nossa maneira não é a certa, e agora você vai ter que fazer como é feito lá. Simples assim.

Tudo o que eu falei está dentro uma única ideia: sua opinião, seu pensamento, seu achismo, suas certezas... Abandone-os.

[Trecho extraído de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei]

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Professores Instantâneos




Joshu foi um grande Mestre da nossa escola, aluno de Nansen, que também foi um grande Mestre. Joshu morreu com 116 ou 118 anos - há dúvida sobre o momento de sua morte. Quando ele estava morrendo, um discípulo pediu: “diga-nos alguma coisa”, e ele deve ter pensado: “poxa, mas em 116 anos eu já disse tudo” (risos) e o aluno insistiu, então ele disse: “a vida é um sonho”, e morreu.

Joshu levou muito tempo para aprender todas essas coisas, sua vida é uma lição e diz o que é a prática. Ele foi para um mosteiro muito cedo, como adolescente ainda, e quando tinha 18 anos teve a sua primeira experiência de kenshô (enxergar sua verdadeira natureza) reconhecida pelo seu Mestre. Ele então ficou praticando, indo cada vez mais fundo, treinando mais, e assim ele treinou até os 54 anos, junto a Nansen. Então Nansen faleceu e Joshu achou que ainda não estava pronto para ensinar, e continuou praticando e visitando outros Mestres até os 80 anos. Somente quando ele tinha 80 anos ele aceitou discípulos e ensinou dos 80 até os 116 anos. Ele é muito influente na nossa escola. É um pouco diferente dessas pessoas que aprendem um pouquinho e começam a ensinar na internet, começam a responder perguntas e etc,, não é mesmo?

Esses dias um rapaz me escreveu um texto e disse: “está bom? Eu posso publicar?”. Eu perguntei a ele: “quem é seu professor?”, e ele: “não, eu não tenho professor. Tenho lido bastante, tenho lido seus textos, etc., mas meu texto está bom? Posso publicar?”. Eu disse: “espere até você ser um professor autorizado”. E ele: “o que eu preciso fazer para ser um professor autorizado?”. Então eu disse: “procure um centro do Dharma e comece a praticar, depois que você praticar bastante talvez você receba autorização para costurar um rakusu”. É difícil explicar que para fazer o rakusu o bom seria que você não quisesse, que ele parecesse pesado demais. Expliquei isso e disse: “seu primeiro passo pode ser aí”, porque se eu dissesse que comecei no Zen em 1973 e só recebi autorização para ensinar em 2010, ele iria pensar que 40 anos é demais e iria desistir, então a gente não diz isso.

[Trecho extraído de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei]