sexta-feira, 29 de maio de 2015

O PAPEL DO ZEN (Parte II)

O Zen surgiu em uma sociedade budista para achar os alunos que estavam demandando o despertar, e que estavam prontos pra enfrentar esse tipo de treinamento. Se não fosse assim, então não servia pro Zen, porque as pessoas normais que estavam nas ruas e queriam simplesmente algum conforto religioso ou qualquer coisa assim, o budismo tinha pra oferecer. Você quer uma cerimônia para remover obstáculos? Tenho. Morreu alguém da família e você quer que a gente faça um ritual pra você se sentir consolado, a gente faz. Em geral esses rituais no budismo foram importados de outros lugares, vamos fazer rituais semelhantes, já que eles são confortadores e as pessoas estão querendo. Você quer um casamento, a gente faz um casamento. Mas originalmente eles não pertencem ao budismo, porque o budismo não foi criado pra atender essa demanda, ele foi criado pra atender o desespero de Taiso Eka, “minha alma não tem paz”. Isso sim, pra isso o budismo voltou sua atenção. Pra isso Buda voltou sua atenção, porque ele tinha uma angústia.

Se toda vida termina em velhice, doença e morte, o que eu estou fazendo aqui? Como é que eu saio disso? Como é que eu encontro solução para a angústia de enfrentar essa finitude da vida humana? Essa angústia existencial é que é a angústia de Buda, e o budismo se voltou pra isso, não pro conforto das coisas pequenas da vida. Mas acabou sendo uma estrutura religiosa tentando confortar as pessoas nas suas pequenas necessidades. Então o Zen só tem sentido se nós estamos procurando a iluminação. Só aí tem sentido você sentar e realmente se esforçar como a gente demanda num centro Zen, senão um centro Zen não é o lugar para nós. Se é só consolo, tem outros lugares. Se é pra se sentir abençoado pra ganhar dinheiro, também tem outros lugares. Se quer qualquer solução mágica também tem outros lugares. Mas no Zen não existe nada assim.

Tem um Mestre que um aluno entrou e disse: “o que o senhor pode me dar no Dharma?”. E ele disse, eu não tenho, eu gostaria muito de lhe dar alguma coisa, mas eu não tenho nada pra lhe dar, só uma bola de ferro incandescente para ser engolida. O que ele queria dizer? Isso, essa verdade é difícil de ser engolida, a verdade de que o seu eu que você tanto ama não passa de mera ilusão, que não tem a solução para dizer, “quando você morrer vai pra um céu lá, vai ganhar 72 esposas, ou vai ficar feliz chovendo dinheiro em cima, ou qualquer coisa assim”. Não tem esse tipo de promessa no Zen. Não é isso. O budismo vem com outra abordagem.

Você imagina, você quer uma solução pro seu eu continuar vivendo no futuro numa vida boa pro seu eu, pro seu egoísmo. O budismo diz , “não, o seu eu é que é um engano, você tá desejando coisas num futuro para esse objetivo pessoal, esse materialismo espiritual, e esse materialismo é um engano, você está perdido se você quer esse tipo de solução”. E eu estou lhe dizendo que é o seu eu que engana você, você é muito mais do que o seu eu. Por estar pensando que é um eu então você só pensa em agregar coisas para si, e isso é a maneira de criar sofrimento, porque você quer apego, mais coisas, sempre agregando para si, e elas não lhe trarão satisfação nem felicidade. Pelo contrário, cada uma delas vai ser motivo de sofrimento, porque todas elas vão ser perdidas. Todos os apegos, tudo aquilo em que você coloca seu coração, é ali que você vai sofrer. Então pelo menos que nós coloquemos nosso coração nas coisas que valem a pena, não nas coisas que não valem. Por isso as fontes de sofrimento são o apego, a aversão e a raiva. Daí sai todo sofrimento do homem. Nenhuma dessas coisas pode ser cultivada, acalentada ou permitida dentro de nós.

Nós podemos amar mas não podemos ser apegados. Nós podemos saber que tal coisa não é conveniente, mas não podemos cultivar a aversão, porque a aversão vai ser fonte de sofrimento também. Por isso, quando se chega nos mosteiros e se serve comida, você tem que comer de tudo, e não pode dizer não gosto disso, não gosto daquilo, porque tudo o que você escolhe gostar ou não gostar também é fonte de sofrimento. Você tem que ser capaz de aceitar tudo que vem, como vem. Então um dos treinamentos dos monges é sair para mendigar. Quando eles mendigam eles recebem qualquer coisa. Eles têm que aceitar o que foi dado, a comida que for dada ele tem que aceitar. Esse é um treinamento importante. (Fim.)


quarta-feira, 27 de maio de 2015

O PAPEL DO ZEN (Parte I)



Muitas vezes surgem questionamentos de qual é o papel do Zen realmente, na Escola Soto Zen budista. Então nós temos que compreender um aspecto interessante, de que o Zen surgiu na China, dentro de uma sociedade, vindo da Índia, trazido por Bodhidarma, por volta do ano 527 d.C., e a China já era um país budista, onde o budismo estava presente há 500 anos e, naquele momento, era um país predominantemente budista. O próprio imperador se considerava budista.

Então nós perguntaríamos:  “o que faz o Zen quando surge nessa sociedade budista? Como é que o Zen se comporta?”. O Zen tinha a característica de ter Mestres que estavam procurando pessoas que demandassem a iluminação. Bodhidharma queria alunos que demandassem a iluminação. Muitas vezes eu já repeti a história de Bodhidharma e do imperador Wu. Bodhidharma se apresenta à frente do imperador Wu, chamado pelo imperador, que ouviu falar que um grande Mestre budista havia chegado da Índia, lugar de onde era originário o budismo. Chegando à frente do imperador Wu, este pergunta: “'eu, imperador, construí muitos templos e mosteiros para o budismo, que méritos eu acumulei nos céus por ter feito isso?”. E Bodhidharma responde: “mérito nenhum, majestade”. Aí a majestade não gosta muito da resposta e diz: “'Então qual é a grande verdade da sagrada doutrina?”. E Bodhidharma responde: “vazio ilimitado, essa é a grande verdade”.

O que ele quer dizer? Nenhuma coisa tem um EU inerente, não existe nada que seja um eu no mundo, nada que seja realmente separado. “Vazio ilimitado. E não há nada que possa ser chamado de sagrado”. É uma resposta muito interessante, não há nada que possa ser chamado de sagrado. Tudo é sagrado. Se tudo é uno, tudo é sagrado. Não há nada separado do sagrado, isso é sagrado, aquilo é profano. Isso é divisão na cabeça dos homens. Tudo é sagrado. O imperador não entende a resposta e pergunta: “Então quem é que eu tenho na minha frente?”. E Bodhidharma responde, “não faço a menor ideia”. O que é uma resposta coerente com a primeira, ele diz, “eu não faço a menor ideia de quem está na sua frente porque eu não sou separado, eu não posso nomear a mim de maneira tal a me distinguir do resto, se eu fizer isso estarei elaborando um engano”. É isso que Bodhidharma responde.

Aí Bodhidharma sai, atravessa o rio e vai pra Shaolin, interna-se numa caverna e diz-se que ficou 9 anos fazendo zazen. E muitos apareceram lá querendo aprender com aquele grande e famoso mestre que tinha respondido para o imperador, deixado o imperador confuso. Aí Bodhidharma não dá atenção pra nenhum deles, e eles quando veem aquilo vão embora, até que Taiso Eka vai até lá e fica na frente da caverna sem desistir durante 3 dias. No terceiro dia neva, a neve cobre os pés de Eka, que fica desesperado, já com fome, sede, e agora frio excruciante, ele corta o braço pra mostrar sua sinceridade, pra jurar pelo seu sangue. Vendo seu sangue cair na neve, Bodhidharma vai até ele e pergunta: “muito bem, o que é que você quer”? E Eka diz. “minha alma não tem paz, por favor pacifica minha alma”. E Bodhidharma responde, “me mostra tua alma e eu a pacificarei”.

Eka não consegue resposta nenhuma, não consegue encontrar sua alma. E Bodhidharma diz: “pronto, já pacifiquei a tua alma”. Tendo passado por toda aquela angústia, desespero, ter chegado até lá, disposto a aprender com um Mestre, depois de tudo aquilo que Eka tinha passado, quando Bodhidharma dá essa resposta pra ele, ele desperta das ilusões, descobre que ele não tem uma alma, sente-se uno com todas as coisas, compreende o que Bodhidharma estava querendo dizer. E assim Eka fica como discípulo de Bodhidharma e ele é nosso 27º patriarca da linhagem. Bodhidharma é o 26º e Taiso Eka Daioshô, grande mestre, o 27º. E nós descendemos dessa linhagem de ensinamento.

Por causa disso, e seguindo essa tradição, nós não tratamos os alunos muito bem, eles vêm aqui desejando ser muito bem tratados e a gente senta eles de frente pra parede. O aluno chega, faz zazen. Se ele não vai embora, é bem-vindo. Esse é o gosto, é o sabor do Zen. Depois de ter passado isso então ele pode assistir a uma palestra. Mas se ele tivesse ido embora não poderia ouvir nenhuma palestra, porque primeiro o aluno tem que passar por algo. Não foram 3 dias do lado de fora sem comer nem beber, não nevou.... não precisou cortar o braço. Taiso Eka é representado sem um dos braços. A história, o mito em si, provavelmente Taiso Eka não cortou o braço, cortou o braço pra fazer juramento de sangue, ou seja, deu um talho no braço pra mostrar seu sangue, pra mostrar sinceridade, antigamente se dizia: “juro pelo meu sangue”. Então o mito amplifica as histórias, mas o mito conta pra nós o espírito do Zen. (continua)

terça-feira, 26 de maio de 2015

725.000 VISUALIZAÇÕES

Esta semana o blog O Pico da Montanha completou 725.000 visualizações em suas postagens.

Muito obrigada a todos pelo interesse no Dharma e pela confiança no trabalho do Monge Genshô, que tem uma prática sincera e amorosa.

Que muitos continuem a ser beneficiados pelos seus ensinamentos e que o Dharma continue a se fortalecer em nossos corações.

Sigamos.

Gasshô!

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segunda-feira, 25 de maio de 2015

QUEM É VOCÊ?



Pergunta: Monge quando o senhor fala, “esquecer de si” é esquecer, parar de pensar em mim, é isso que o senhor tenta?

Monge Genshô: É esquecer de sua própria identidade, é responder verdadeiramente à pergunta, “quem sou eu”?

Aluna: Eu não consegui ainda, eu a Sandra não sou eu. Eu tenho que esquecer a Sandra, esquecer eu mesma, é assim?

Monge Genshô: Sandra é só uma fantasia que você criou. Alguém te deu esse nome Sandra, e você acreditou. Na realidade quem é Sandra? Aonde esta a Sandra? Você não pode achá-la, é uma fantasia, uma máscara na qual você acreditou, desde a infância lhe disseram que você era Sandra, mas quem é Sandra? Quem é Sandra quando a chama se apagar?

Tem uma celebre história de um Monge, uma história um pouco longa, mas no final ele vai até o Mestre e fala até altas horas e o mestre diz, “agora vamos dormir”.

Ai ele vai sair e o Mestre diz, “está muito escuro lá fora, leve esta vela”.

Ele pega a vela pra sair, abre a porta, está um breu do lado de fora, muito escuro, e quando ele vai sair o mestre sopra a vela. E, neste momento, este Monge despertou.

Isso eu tinha que te perguntar. Aonde você estará quando a chama de Sandra se apagar? É isso que você precisa responder. Nem se trata de esquecer-se de si mesmo, não existe ninguém para lembrar enquanto você pensa “eu mesmo, eu penso, eu acho, eu julgo”. É sempre assim. 

Não é verdade que no Brasil tem 200 milhões de técnicos de futebol? Todo mundo sabe melhor do que o técnico que estiver gerindo a equipe, a seleção, porque todo mundo acha sempre que sabe melhor, que sabe como. Nós somos pessoas de grande vaidade, só descobrimos como somos incompetentes quando as coisas estão realmente na nossa mão.

E você tem que responder: Onde eu estarei quando a chama de Sandra se apagar?

Mas ainda assim, não é esquecer-se de si mesmo, é mais profundo ainda do que isso.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

O DEDO DO BUDISMO APONTA PARA A LIBERDADE

Pergunta: Tem necessidade de uma preparação maior para fazer um retiro? 

Monge Genshô: Sim. É melhor começar praticando no Centro do Dharma, começar a fazer sua prática em casa. Aí vai haver um momento em que você vai sentir, "estou pronto para enfrentar um retiro". Porque ele é desafiador. Tanto físico quanto mentalmente. 

Você precisa se preparar antes e um retiro tem que ter a presença de um professor para ajudar você. Quando você tem uma dificuldade, está se sentindo pressionado, tem que pedir uma entrevista e conseguir conversar. Na realidade, é uma conversa terapêutica. Você fala, dá soluções etc. Diz para a pessoa tudo o que ela quer ouvir. Eu costumo dizer quando alguém chega e diz assim: "ah, eu tenho tal sentimento". Eu vou dizer: "eu também". Porque eu conheço esses sentimentos, eu sei como eles são. 

Então o professor tem que ser um ser humano com passado também, para poder ajudar você. É que nem um guia. Não é um ser extraordinário, sobrenatural ou com poderes sobrenaturais. Ele não é isso. E no Zen, nós não queremos seguidores cegos, mas sim pessoas que estão indo em direção a uma libertação. O dedo do Budismo aponta para a liberdade e não para o aprisionamento em uma seita ou alguma coisa assim em que você vai adorar alguém. Não é isso. Um bom professor tem que ser humildade. Não pode ser extraordinário. Se ele parecer extraordinário, fuja (risos). E se ele cobrar cinco mil dólares para fazer uma palestra, saia correndo!

quarta-feira, 20 de maio de 2015

JIRIKI – O CAMINHO DO ESFORÇO DE BUDA

Aluno: Existe um budismo que não trabalha com esforço?  

Monge Genshô: O budismo do tempo de Buda é um budismo de esforço próprio, como podemos ver pela própria história de Buda. Ele se esforçou, ele estudou, ele meditou, ele treinou. E o que ele ensina para os seus discípulos é isso. Mais tarde surge uma corrente no budismo que diz que isso é só para alguns. Algumas pessoas tem energia para se esforçar realmente. Eu sei, falo para muitas plateias. E de cada plateia, quantas pessoas começam a praticar realmente o caminho espiritual? De cada cem, uma ou duas. Os outros não fazem isso. Eles ouvem, são influenciados, são tocados por aquilo e depois saem comentando. Serve para sentar numa mesa de bar e explicar a filosofia budista, fazer grau com os amigos. Também serve. E isso não é ruim. Mas, não é o caminho espiritual. 

E por isto na Escola Soto, Dogen já ensinou assim: sente, sem procurar atingir a iluminação, só pratique aqui sentado porque já é uma mente iluminada a mente sentada ou tem grande potencial de ser. Não tente alcançar nada porque se você ambicionar alcançar isto também vira outra armadilha. Uma mente aquisitiva, um materialismo espiritual, a tentativa de obter algo para si mesmo. Não precisa. Só sente e olhe, mais nada.