quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Bom ano novo



Que tenhamos todos um bom ano novo.
Gratidão a todos que acompanham este blog.
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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

MAKYO - ILUSÃO

 
Outro ponto que acontece é: limpamos nossa mente, à medida que vão se acumulando zazens nós vamos limpando as preocupações, porque estamos em outro mundo completamente diferente e como estamos num mundo completamente diferente, vamos cortando nossos liames e ele vai ficando distante, muito distante, e à medida que ele vai ficando distante emocionalmente de nós, nós estamos aqui e a nossa preocupação fica realmente aqui: “será que não esqueceram de bater o sino, este zazen não acaba, meu joelho esta doendo." Então nossas preocupações voltam-se para o momento presente e assim, nós nos desligamos daquele mundo lá fora e isso então nos permite uma liberdade de espírito, uma limpeza, e esse é o primeiro passo.

Porque nós sentamos em zazen mesmo? Para conseguir pelo menos samadi, uma boa concentração. E com uma boa concentração, criamos um terreno na nossa mente que permite experiências mais profundas.

Algumas pessoas pensam que essas experiências profundas são algo de extraordinário ou milagroso. Eu recebo cartas de pessoas que viram raios fulgurantes ou viajaram para os confins do universo, ou qualquer coisa assim.

Temos uma palavra em japonês para isso, makyo, que quer dizer ilusão, fantasia, delírio, e os mestres costumam dizer isso na cara para o alunos, isso é makyo, não é nada, saia daqui.

Eu li uma pequena história de um homem que foi falar com o mestre e disse que tinha tido uma dessas experiências coloridas maravilhosas, que tinha viajado pelo espaço e chegado aos confins de tudo, e o mestre disse que não era iluminação coisa nenhuma, que aquilo não passava de ilusão da cabeça dele, e ele ficou muito desapontado. Mais tarde ele estava na cozinha e tinha umas bergamotas, ele começou a comer uma bergamota que estava maravilhosa e estava encantado sentindo o gosto da fruta. O mestre então passou, olhou pra ele e disse: isto é iluminação.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Ilumine-se



Aluno – Alguém já atingiu a iluminação num estado assim como o de Buda?

Monge Genshô – No budismo Mahayana nós nem pretendemos a extinção, nós pretendemos o caminho do Bodhisattva, ou seja, abdicar da extinção absoluta em prol dos outros seres, de permanecer agindo e ajudando o mundo, isso se tornou o ideal de todo o budismo Mahayana e do Zen. Mas não posso responder a essa pergunta, porque pode haver alguém que tenha chegado no momento de sua morte a uma perfeição tão grande que não sobrou energia para retornar, carma para retornar, e se Buda fez, nós podemos fazer também.
A iluminação tem muitos degraus. Eu tenho falado constantemente sobre isso, e sobre como são os degraus, de como são as experiências de kenshô, como são os primeiros insights, que nós podemos tê-los, ter algum entendimento e ainda continuarmos no mundo agindo errado, mas já existe algo de iluminação nesta pessoa.

Quando a iluminação passa para todos os atos da vida de modo que tudo que você faz tem a marca da iluminação, aí é um estágio bastante alto. Mas à medida que você pratica, sua iluminação vai se aprofundando. Nós achamos que a iluminação é uma coisa distante, mas às vezes os alunos têm experiências iluminadas, eles sabem que houve uma experiência iluminada ali. Você continua a ser uma pessoa errada? Sim, mas eu sei que ele tem alguma experiência já. Se ele conseguir sabedoria, experiência, e for capaz de transmitir, ele merece a transmissão, ele já tem um grau de iluminação.

Agora, quando você chega nesse primeiro degrau, o que o mestre vai dizer para você é “bem-vindo, esse é o início do caminho, porque esse caminho não acaba mais”. A cada momento você vai olhar para trás e dizer “como eu era tolo no ano passado, como eu era despreparado”.

Uma vez eu cheguei para Saikawa Roshi quando ele me chamou para fazer o combate do Dharma e disse: “o senhor que está decidindo isso por mim, eu sinto que não sou merecedor de nada disso, eu não sou essa pessoa que o senhor está pensando que eu sou”. Essa é uma declaração errada, o aluno não deve dizer isso, porque ele acha que o julgamento dele é melhor do que o do professor. Essa é uma declaração de pura vaidade, você acha que você tem um julgamento bom, e não tem, seu professor tem um julgamento melhor do que o seu. Aí eu disse, “eu não me sinto preparado”. E ele disse: “nós nunca estamos preparados”. Se alguém disser que está preparado para ser monge está mentindo, não está preparado. Tem que se sentir incapaz, incompetente, cheio de falhas. É assim mesmo.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Caminhe como a Água






Aluno – Estou lendo um filósofo que fala sobre a secularização. Nos dias de hoje, numa sociedade tão secularizada, distante, profana, ele propõe algo como uma sociedade pós-secular, onde os dois mundos poderiam e deveriam conversar, e eu percebo o Zen no ocidente com uma apresentação um tanto quanto secular no discurso, que possa ser talvez palatável para o ocidente e ao mesmo tempo com seus rituais e tradições. O que o senhor acha dessa dualidade?

Monge Genshô – Eu acho que a ideia é interessante, acho que o budismo tem essa enorme capacidade de adaptação. Essa imagem da água, que a gente diz no Zen, “seja como a água”, ela está muito certa para o Zen. Eu acho mesmo, quando olho para a minha atuação no mundo como profissional e como monge simultaneamente, que ela expressa isso, que esse é o meu problema. Então, você tem que saber transitar nos dois mundos e acho que há uma grande perda nessa secularização no mundo ocidental e no mundo oriental.

Nós não devemos idealizar o mundo oriental, pois o mundo oriental se rendeu ao ocidente culturalmente e daí adota técnicas, formas, costumes, e a prática espiritual está sendo de certa forma esquecida, jogada fora. Isso aconteceu fortemente no ocidente com algumas igrejas que resolveram se secularizar, aí começaram a jogar fora seus rituais, a jogar fora a maneira como os religiosos deviam se vestir, etc. No início se pensava que isso ia aproximar e trazer o povo para dentro da instituição religiosa, mas não foi isso que aconteceu. E essa tentativa de secularização do caminho espiritual trouxe um enfraquecimento do caminho espiritual. Então nós não podemos ceder à secularização .

Na hora de ser monges nós temos que ser monges verdadeiramente, nós temos que praticar verdadeiramente, nós temos que ir a fundo verdadeiramente, e não começar a ceder. Isso o ocidente também tem visto no Zen. Isso é frequente.

Você vai na Europa hoje e as monjas não querem raspar o cabelo, as monjas querem se maquiar, os monges querem mudar as roupas, ou querem se desligar da instituição. No discurso de “serem livres” começa a se perder a própria essência do Zen. É como se o Zen fosse diluído, como se fosse colocado mais água e fosse diluindo, enfraquecendo, e aí, de repente, você não tem mais aquilo que era o original.

A mesma coisa vem acontecendo no oriente, a mesma tendência de transformar a religião num mero negócio ou na venda de rituais, e isso não é uma coisa que tem acontecido só com o cristianismo ou com o budismo. Tem acontecido com tudo. Não existe caminho espiritual fácil ou diluído. Essa diluição é uma coisa que me dá uma sensação de pena, porque vamos perdendo a essência. Em todos os lugares isso tem acontecido. É uma tendência mundial em todas as religiões, em todos os caminhos espirituais, e a força, a mágica da ciência e da técnica vai fazendo parecer que o caminho espiritual é algo descartável.

E ao mesmo tempo nós vemos um grande mundo que parece perdido, infeliz, e daí começa a procurar a solução da felicidade na própria técnica, na própria química      , por isso nós temos as pílulas da felicidade, as pílulas contra depressão, etc. Então eu vejo um mundo que se perde. Para nós é um grande desafio aprendermos um caminho espiritual sério e trazê-lo para o mundo como ele é, sem abdicar da tecnologia, sem abdicar de nada, da abundância que a tecnologia trouxe, e sem abdicar disso  conseguirmos manter viva a chama do caminho espiritual.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Sementes Cármicas




Aluno – A construção do ego está relacionada aos agregados, mas também ao carma que recebeu das vidas anteriores. Os elemento, raiva, orgulho, esses elementos contribuem na formação do ego?

Monge Genshô – O ego, se você só acredita nele,  é uma ilusão. Na sua mente, você vai alimentando sementes cármicas. Se você tem raiva, fica uma semente dentro de você. Você tem raiva de alguém e quando esse alguém aparece você não consegue olhar para ele direito, e se você abrir a boca você vai acabar dizendo alguma coisa venenosa. Então, a semente terá tido terreno e água para germinar. As sementes do carma amadurecem, podem não amadurecer nessa vida, pode ser na próxima, pode não dar tempo, mas o universo não esquece nada, tudo está sempre guardado. É como a energia. A lei da conservação da energia, nenhuma energia se perde, ela vai se dissipando, mas a quantidade de energia no universo é estável, ela pode mudar de forma, a energia pode ser matéria, pode ser outra coisa, mas ela é estável, e tudo o que aconteceu no passado deixa marcas, e nós podemos olhar e ver o passado através das marcas que eles deixaram, nós podemos ver a radiação de fundo do universo, que é o eco do big bang de 14 bilhões de anos atrás, está lá, tudo que nós fazemos deixa marcas, o universo não esquece nada.

Nós não podemos pensar que algo será esquecido, nada será esquecido. Nós deixamos marcas em nós mesmos, e essas marcas continuam. Por isso aquela frase “o tempo rapidamente se esvai e a oportunidade se perde”. Nós temos a oportunidade da vida agora, não podemos desperdiçar. No caso do casamento, cada momento não será esquecido, será lembrado, então temos que tomar cuidado a cada momento, de cada palavra que a gente diz, de cada pensamento que a gente tem, porque todos eles são sementes cármicas que vão frutificar. Aquilo que nós pensamos, um dia vai sair da nossa boca. As pessoas só dão aquilo que está transbordando. As pessoas só podem dar aquilo que lhes transborda. Isto não deve ser confundido com evitar se mostrar indignação com atos errados para que as pessoas tenham chance de um dia se corrigir, a simples admissão aí sim seria um erro sério, este tema é relevante na política e nas relações pessoais, na educação dos filhos etc... Por isto as referências ao "ensinamento irado" nos textos budistas, onde a severidade dos mestres é constantemente lembrada.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Mente Aquisitiva



Aluno – Esta mente que “quer algo”, seria pelo fato de que adquirir sugere trazer alguma coisa de fora para dentro?

Monge Genshô– É porque o querer é um ato egóico.

Aluno – E não é uma coisa adequada uma vez que não há necessidade de se trazer nada?

Monge Genshô    Não é isso também. Até poderíamos olhar isso, mas nós temos que partir do princípio de que o eu é uma ilusão, de modo que como o eu é construído como uma ilusão, quando você quer adquirir coisas para ele, só fortalece essa ilusão. E quando você quer adquirir coisas espirituais também quer adquirir para o seu eu. Eu quero ser santo, eu quero ser puro, eu quero ser uma pessoa louvável, respeitável, adorada, canonizada, e isso tudo é materialismo, é de novo a mentalidade aquisitiva entrando na vida espiritual, e ela não é a verdadeira vida espiritual, não é isso. A verdadeira vida espiritual é esquecer de si mesmo, morrer para si mesmo. Como disse Dogen, “estudar o Zen é estudar a si mesmo, estudar a si mesmo é esquecer de si mesmo, esquecer de si mesmo é ser iluminado pela miríade de todos os fenômenos”.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Mudando Comportamentos



No Zen nos colocamos de determinada maneira, sempre falamos com os outros de forma respeitosa. Na sangha nós tratamos os outros sempre de Senhor, Senhora, nós não olhamos para as pessoas e dizemos “tu aí”, e também na sangha nós não fazemos brincadeiras “zoando” ou ridicularizando os outros. Se temos dúvida sobre o que dizer, nós fechamos a boca porque é muito melhor ficar de boca fechada do que dizer tolices só pra encher o tempo. Então nosso comportamento na sangha é assim e tentamos leva-lo para nossa vida diária.

A educação no Zen é muito diferente daquilo que nós estamos acostumados na vida. No entanto eu me atreveria a dizer que se as pessoas começassem a se comportar dessa forma, muitos problemas seriam evitados. Talvez a sociedade que foi mais influenciada pelo Zen tenha sido a sociedade japonesa, porque durante alguns séculos os imperadores, os shoguns, foram  budistas e a sociedade foi de certa maneira forçada a ter uma determinada educação de responsabilidade social e de comportamento respeitosa.

Eu sempre fico muito bem impressionado quando recebo um monge com educação em um mosteiro Zen porque você recebe aquela visita em casa e invariavelmente, ao acabar a refeição, todo o mundo vai para a cozinha para limpar tudo, ajudar, etc. E quando a visita sai, está tudo arrumado, dobrado, o quarto está limpo porque eles se preocupam em limpar tudo. Então é o hóspede perfeito. Um monge budista, quando a gente o recebe em casa, nunca senta na sala para ver televisão, nunca faz isso, ele age de uma maneira exagerada até, ele vai para o seu quarto e abre um livro para ler, estudar, ou senta para meditar.  Acontece que, com esse respeito, há muito menos atritos.

Então quando levantamos do zendô afofamos as almofadas cuidadosamente, alinhadas e com a faixa branca voltada para o centro, porque quando nós chegamos estava arrumado, então nós temos que deixar arrumado. E quando fazemos cerimônia, tudo o que estamos recitando tem um sentido.
Hoje nós recitamos 16 preceitos, que são os que tomam as pessoas que fazem o rakusu. Prestem atenção nos preceitos. Eu me comprometo a evitar o mal, fazer o bem, a salvar todos os seres sencientes, a evitar causar sofrimento, matar, a evitar ficar com qualquer coisa que não me foi dada espontaneamente. Não é  estritamente “não roubar”. É não ficar com alguma coisa que não me tenha sido dada espontaneamente. No Japão, se alguém perde uma coisa, a gente não recolhe, nem num templo Zen. Se alguma coisa foi perdida, deixada num lugar, esquecida, a gente deixa lá naquele lugar, porque o dono vai voltar para procurar, não precisa guardar porque ninguém vai roubar. Então muitos detalhes de educação podem ser criados, as coisas vão ficar imaculadamente limpas se todo mundo usar e limpar, se houver um respeito contínuo com os outros. Nós temos que pensar sempre no trabalho que nós damos na vida para os outros. Isso é a educação do zen.