sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Retiro Zen - outubro


Nenhum caminho fácil para o despertar


(continuação)
Pergunta: O kenshô ( experiência mística) pode vir de uma forte emoção?

Monge Gensho: Não, ele normalmente tem que vir de um momento de calma, de esvaziamento, não de uma emoção forte. É diferente de uma paixão, por exemplo. Você se sente muito eufórico, muito feliz, quando está apaixonado. Muda sua química cerebral, mudam hormônios, e aquele momento em que você descobre o amor, é um momento maravilhoso, mas você sabe que ele passa, e é físico, é muito feliz, muito euforizante, mas vai passar. Para quem conhece, sabe que vai passar, que é pura ilusão.

Pergunta: Então o kensho é um pequeno momento sem ego?

Monge Gensho: Uma boa explicação é o termo experiência mística. Realmente não tem ego, existe uma sensação de unidade e quando você pensa “eu”... pronto, perdeu. Na primeira consideração, o primeiro pensamento o kensho se esvanece. No pensamento de contar sua experiência, pronto, já se foi. “Não posso perder essa sensação”, mas ela se foi. É frágil e não muda sua vida. Você continua o mesmo, só tem a memória da experiência. Na realidade é um momento de iluminação. Só que você não é proprietário dele. Assim como veio, foi. Enquanto que no satori (iluminação), você pode recuperar essa sensação a qualquer instante. Você é proprietário.
 As drogas dão sensação que dura um tempo limitado e a pessoa não é proprietária dela e ainda tem inúmeros problemas associados, como o vício. Mas você não pode mais se libertar. É o oposto do que estamos falando. Estamos falando de libertação. Nós podemos até dizer que as pessoas que têm algum tipo de experiência no zen sentem uma espécie de vício no zazen. É tão bom o que você começa a obter que você não pode mais parar de praticar. Se parar, você se sente entristecido. Mas isso dá trabalho, você tem que sentar, não é como tomar uma droga. Então é bem diferente. O budismo é taxativo em suas regras no Vinaya (texto das regras monásticas) "Não tome nada que altera a consciência".

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Samadhi - Kenshô - Satori



Pergunta: O que é um “kalpa”?

Monge Gensho: Um “kalpa” é um termo para explicar um tempo excessivamente longo, o tempo de um mundo, mas um “éon” é um tempo de existência de uma era. São termos figurados para explicar tempos muito, muito longos. Mas no estado presente de “Voltando à fonte”, a consciência começa a funcionar de novo em um estado mental purificado. É como aplicar um pincel sobre uma folha de papel em branco; cada pincelada se destaca com pleno brilho. Se escutamos música, nos soa como incrivelmente linda. É um estado de samadhi positivo em que o kensho tornou-se permanente. O que se diz do Tathagata será certo para você, encontrará o rosto de Budha para onde quer que dirija seu olhar. Até ontem necessitava de um grande esforço para desenvolver o estado de samadhi absoluto e um controle feroz de toda a atividade da consciência. Agora deixa que ela se abra alegremente em toda sua plenitude. Porque a consciência tornou-se límpida, o kensho é permanente e a isso se chama “satori.” Assim, satori é kensho permanente, tudo o que olhamos é perfeito, tudo o que ouvimos é lindo, não existe mais nem bem nem mal, certo ou errado. Todas essas coisas são tão transitórias que o que parece mau é bom.

Observação: (...) Kensho é uma breve iluminação?

Monge Gensho: Sim, isso é o que significa, um kensho é uma experiência de iluminação curta. Você sai ali no jardim e, de repente, olha para uma flor. Você praticou o samadhi durante um bom tempo durante o sesshin, e você olhou pela janela, viu a árvore dourada e imensa alegria, contentamento, sentimento de perfeição, felicidade absoluta, surgem dentro de você. Isso pode durar segundos.

Observação: (...) Sempre assim curto?

Monge Gensho: Não, pode durar três horas, um estado desses. Isso é um kensho. Ele finda. Satori, é permanente, todo o tempo você está assim. Satori é sinônimo de iluminação completa.

Pergunta: Uma pessoa que tenha tido um satori pode voltar a ter pensamentos perturbadores?

Monge Gensho: Podem surgir pensamentos que seriam perturbadores, mas simplesmente não são mais.

Observação: (...) Samadhi já é realização espiritual?

Monge Gensho: Não, Samadhi é concentração. Você senta em zazen e treina ficar em samadhi, tenta ficar. Quando você está no momento presente, concentrado no momento presente, sem cogitações, isso é samadhi. Quando você esta em zazen, pode ser que no período de quarenta minutos você consiga isso por alguns segundos. Pode ser que você faça zazen e não entre em samadhi em tempo algum. Você senta e só tem pensamentos inquietantes, luta, luta e a mente não pára. Setsugen diz que se você conseguir ficar em samadhi quarenta ou cinqüenta por cento do tempo em que você está sentado, a iluminação esta próxima. Mas eu diria que o kensho pode surgir mesmo com um samadhi ainda limitado, porque ele não depende muito da quantidade. Um bom samadhi e, de repente, kensho. Mas o kensho é evanescente. Então, kensho não é tão impossível de obter, na realidade, é deveras comum. E até para pessoas que não praticam zazen, ele pode ocorrer. Em determinadas circunstâncias, em oração, ou passeando no campo, de repente uma grande felicidade, uma sensação de perfeição absoluta, uma comoção e aquilo surge; a pessoa nem sabe direito como explicar. Se você conta para alguém que já experimentou a pessoa entende, é mais ou menos como orgasmo. Se a pessoa não teve, pede explicação. Quem já teve, não pede explicação, porque quem teve sabe o que é. Quem não teve não sabe e não adianta explicação. Talvez no dia em que tenha ela diga: “Ah, é isso!” E o kensho é exatamente assim também, uma experiência intransmissível para quem não teve.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Satori - O nono estágio


(continuação)
No nono estágio, voltando à fonte, “basta que surja alguém da condição “nem boi nem homem”, para saber que ele voltou simplesmente à fonte. Num simples estalo a pessoa já se encontra no cálido e brilhante sol da primavera com as rosas que florescem, os pássaros cantando e a gente cochilando sobre a relva. Se alguém se fixar bem na cena, perceberá que é o mesmo mundo velho que viu ontem. As ladeiras cobertas de cerejeiras em flor, os vales invadidos pelas flores da primavera, mas cada flor tem seu próprio rosto e fala com você. As coisas que ele vê, os sons que ouve, são todos Budhas. O antigo modo habitual de consciência caiu e você voltou para a terra pura.

Antes de alcançar esse estágio ele teve de passar pelo ”nem boi nem homem”. Primeiro penetrou o interior de si mesmo, uma por uma, foram se descascando as camadas da cebola até ficar reduzida a nada. Isso é o samadhi absoluto. Mas agora você está no samadhi positivo no qual a consciência está ativa. Nesse estágio de “voltando à fonte” o que se experimenta é idêntico, em certo modo, ao experimentado no terceiro estágio, “encontrando o boi”. Porém há toda a diferença do mundo no grau de profundidade.

Tem um ditado zen que diz: “sempre indo e vindo como um ioiô, do princípio ao fim”. Os logros da pessoa se aprofundam retornando repetidamente ao princípio, ao estado de principiante e logo traçando novamente o caminho já percorrido.

Deste modo, sua maturidade se torna incomensuravelmente firme. Hakuin Zenji nos diz que com mais de sessenta anos teve o satori de novo”. Nos comentários de Sekida ele diz que no estado anterior se realizou uma total e decisiva purificação da consciência e se dragaram os resíduos acumulados ao longo de incontáveis éons. “Éon” é uma palavra hindu para designar um tempo muito longo. Um “éon” é como se fosse um dia universal. Um conto antigo diz, “imaginem a montanha mais alta, de cem em cem anos, um pássaro vem com uma peça de tecido da mais fina seda e passa no topo do monte. Quando o monte estiver desgastado, um kalpa se terá passado”. Muitos kalpas formam um éon.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A emoção perturbadora





(continuação)
Pergunta: Quando ele usa a expressão “apagamento da memória”, não é bem assim, não é um apagamento da memória. 

Monge Gensho: Não, se fosse simples assim, se apagaria a memória e estaria tudo resolvido. Na realidade, tudo está disponível, mas existe pleno domínio, você vai acessar o que quiser, como acontece no computador, onde você só acessa o arquivo que deseja. A emoção perturbadora é como um vírus que se encarrega de abrir arquivos que você não quer abrir. Você deixou que o computador fosse infectado por uma emoção e, daí, ele abre arquivos que você não quer, quando ele quer, e estes arquivos estão sempre retornando na tela, ativados por um vírus destruidor que traz lembranças e emoções de volta, e você não tem mais domínio nenhum. Domínio zero, esse é o estado em que as pessoas normalmente vivem.

Observação de um aluno: Mas isso é como uma crise...

Monge Gensho: Mas as pessoas vivem normalmente assim, as pessoas que estão andando na rua, elas estão numa espécie de sonho que elas não dominam, elas estão andando na rua, mas não estão vendo a rua, não estão no momento presente, estão pensando: “a conta que tenho que pagar, será que isso vai dar certo, será que Fulano gosta de mim?” Pensam em qualquer coisa, é uma sucessão sem fim, rodando uma depois da outra, mas não estão realmente andando na rua, estão vivendo um sonho, por isso não estão acordadas. No budismo nós treinamos nossa mente para despertar, para sermos donos do sistema, para abrirmos os arquivos que quisermos quando quisermos, para não sermos dominados por uma emoção invasiva. Estamos treinando. O termo para meditação em sânscrito é “bavana”, e significa “treinamento”. Na verdade, nós estamos criando uma habilidade, a habilidade de sermos senhores da mente e não sermos levados pela torrente. Podemos fazer o que quisermos, quando quisermos. Podemos abrir o arquivo que quisermos, não sofrer inutilmente, não sermos arrastados por emoções. Podemos ser sensatos.

Observação: (...) “pare de chorar e chore depois”. Há um tempo atrás eu pensei “como é possível? Chorar, parar para depois poder voltar a chorar? Isso é possível, eu escolho?”

Monge Gensho: Você pode escolher “eu vou chorar agora, na frente dessa pessoa para mostrar a minha emoção, eu quero mostrar”, ou, “agora não é o momento de mostrar emoção”. Não significa que a emoção “NEN” não exista, mas você tem o controle sobre fazer aflorar ou não deixar aflorar uma emoção. Não é que não exista, não é que seja fingida, não é isso. Posso mostrar, ou não. Posso mostrar a ira para mostrar para uma pessoa que o ato dela é profundamente errado; então, naquele momento, tem que mostrar ira e isso é um meio hábil para corrigir uma situação.

Observação: (...) os mestres podem se mostrar irados?

Monge Gensho: Sim, porque eventualmente o mestre precisa da ira, mas isso se dá da seguinte forma: “Isso está muito errado”. Pode até gritar e acabou, ele sai e deleta tudo, só mostrou porque era necessário naquela hora fazer aquilo, mas, se a mesma pessoa for falar com ele dez minutos depois, não existirá mais nada. Foi necessário demonstrar ira somente naquele momento, porque é a maneira de você agir no mundo, tem que usar o eu e as emoções também.

Observação: Mas é preciso controle total...

Monge Gensho: Sim, mas não é nada milagroso, porque quando você está sentado em zazen, você está treinando isso. Surge um pensamento e você pode controlá-lo, um impulso de pensamento, você pode parar a respiração e fazer com que ele não surja, como na técnica do bambu. Você pode rotular o pensamento pensando sobre isso, para enfraquecê-lo. Mil vezes ele surge, um pensamento corrente perturbador no zazen, e você pode rotular, “pensando sobre isso de novo”, daí volta para samadhi, e tenta voltar para o momento presente.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O círculo vazio


(continuação)
O oitavo passo tem como símbolo o círculo vazio. Nem boi, nem homem. No estágio anterior, perdeu-se o boi. Restou o homem, e você pode ter pensado que tudo terminou.

Porém, agora aparece outro estágio no qual tanto o boi, como o homem, são esquecidos. Aqui temos um verso zen; “De noite engalfinharam-se dois touros de barro, desaparecendo no mar enquanto lutavam, e esta manhã, nada se ouve deles”. No momento em que o ego aparece, surgem as circunstâncias. Quando o ego se esfuma, se esfumam as circunstâncias. A subjetividade e a objetividade se acompanham mutuamente.

 Vamos contar a história de uma deidade guardiã que desejava ver Tozan Osho, mas não conseguia. Ele colheu uma porção de cevada e arroz na cozinha e espalhou no pátio. Tozan, ao ver os grãos disse: “Quem poderia ser tão negligente?” Naquele momento a deidade pode ver Tozan, pois ela só vê egos. Na mente de Tozan manifestou-se pressão interna, como uma nuvenzinha num céu de verão. Veio e dissipou-se, deslumbrante, na brilhante serenidade do meio-dia e logo tudo voltou a acalmar-se novamente. Essa história tenta nos mostrar que Tozan, tendo se iluminado, não era movido pelos pensamentos, sendo, dessa maneira, invisível a deidades. Então a deidade resolve espalhar cevada no chão e desperta aquele pensamento na mente de Tozan: “Que monge seria tão descuidado, quem foi tão negligente?” E com essa leve indignação ele tornou-se visível. “Tornou-se visível” é uma metáfora para a presença de um eu, mas logo a seguir ele desapareceu de novo para deidades. Esse estágio corresponde ao dito do Mestre Hinzai “tanto homem, como circunstâncias, estão desaparecidos”. 

Sekida diz que “podemos distinguir arbitrariamente um número de graus de consciência.

Nível A; o mais elevado, em que os pensamentos e as ideias vão e vem.

Nível B; um grau que compreende, mas que não forma idéias.

Nível C; um grau que é só consciente.

Nível D; um grau que simplesmente reflete os objetos internos e externos como faz um espelho”. 

Quando ele diz “o mais elevado”, ele se refere ao mais elevado nível de consciência existente, portanto, não quer dizer o melhor, mas sim, o pior, o grau em que a consciência está mais presente, aquele em que as ideias vão e vem. À medida que diminui a consciência, sobe o nível, logo, um nível mais baixo de consciência é mais elevado em realização. O segundo é um grau que compreende, mas não forma ideias; o terceiro grau é só consciência que simplesmente reflete os objetos internos e externos, como faz um espelho. Neste estado aparecerão, em algumas ocasiões, rastros de ação reflexiva da consciência que iluminarão momentaneamente o cenário da mente constante. 

Nível E; o grau mais profundo, onde não penetra nem a mais tênue ação reflexiva da consciência. 

Aqui se manifestam certos vestígios de nosso estado de ânimo, é uma espécie de memória do tempo de nossa vida e de nossos antepassados que quer subir à superfície da consciência para expressar-se. Mesmo que a entrada não lhe seja permitida, não deixa de afetar, mesmo que de maneira remota, mas importante, a corrente de atividades da consciência que está em mudança afetada pelos pensamentos “nen” (impulso que precede o pensamento) que aparecem a cada momento. No samadhi absoluto a atividade cerebral fica reduzida ao mínimo, limpando-se a fundo a procura da antiga memória. Varre-se o modo habitual da consciência, desaparece o reflexor e o refletido, um mundo de profundas nuances. Esse estágio é chamado de samadhi sem pensamentos que é idêntico ao samadhi absoluto. É o estado em que podemos dizer “nem bois, nem homens”. 

O que importa para nós é  o que queremos guardar da memória. Trata-se de algo tremendamente perturbador para o samadhi, porque ele retorna, e todas as vezes que isso acontece, o samadhi está anulado. Nós praticamos zazen para treinar o samadhi, a concentração, o momento presente. Todas as instruções iniciais podem ser reduzidas a uma única: “fique no momento presente”. Não quer dizer realmente não pensar, mas é uma forma muito sutil de pensamento, que é mera percepção das coisas em volta. É a sensação de “aqui nessa sala, ouço esse som, percebo”. Há percepção, mas não há julgamento, considerações, estimativas, planejamentos, intenções. Há só o treinar o samadhi. “ em samadhi, plenamente presente”. Aí surgem memórias e quando elas surgem, elas nos tiram do samadhi. 

Os pensamentos surgem sucessivamente um ao outro; não existem dois pensamentos simultâneos, não existe um pensamento sempre presente. O que acontece é que um pensamento expulsa o precedente, normalmente de forma encadeada, como um link num texto do computador. Você clica, acessa aquele substrato da memória, acessa aquele arquivo. É como na tela do computador, você não vê duas imagens ao mesmo tempo, sempre que surge uma imagem ela expulsa a anterior. Pode até haver um alerta avisando que você tem um arquivo, mas você precisa clicar nele para abrir; sempre um arquivo expulsa o outro. Na tela da nossa consciência, só surge uma coisa de cada vez, e normalmente, elas chamam outras e nós ficamos fazendo essa sucessão de pensamentos.

Essa é a atividade mais baixa, é o nível de realização mais baixo, ou seja, realização zero. É uma mente que vive de encadeamentos de pensamentos ou presa à memória e às emoções, sempre invasivas. Significa controle zero do boi, pois ele vai para onde quer.
(continua)

sábado, 22 de setembro de 2012

Eventos em Laguna e Florianópolis

                               

                                Visita de Senpo Sensei (Argentina) à iniciante Comunidade Zen
                                budista de Laguna SC.    Setembro 2012

                                Final do sesshin de iniciantes de Florianópolis, Casa de retiros 
                                N.S. de Fátima, Morro das Pedras SC. 7 de setembro 2012

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Você pode pensar que tudo terminou...



(continuação)
Perguntas: Eu não entendi bem essa parte do perdido está o boi.

Monge Gensho: Não tem mais mente, não está mais sentado na mente, tentando controlar, tentando fazer alguma coisa. A mente está em samadhi (concentração perfeita), então não há boi a ser controlado. O boi é a metáfora para mente. Nos antigos textos hindus havia a presença de um elefante e os passos eram em número de oito. Os nono e décimos passos surgiram com o zen.

Pergunta: No livro Tao Te Ching, a capa tem um boi, uma criança sentada nele e uma outra pessoa na frente do boi. Seria essa a mente de principiante, a questão da criança sobre o boi?

Monge Gensho: Estamos lidando aí com uma metáfora num nível anterior, porque tem alguém ainda conduzindo e algo sendo conduzido. Quando chegamos aqui, agora, tudo que significa “mente” está abandonado, mas ainda se pode ir mais longe. A oportunidade de se fazer isso num sesshin é muito maior que no zendo, ou na sangha, porque nestes o tempo é muito curto, temos somente um zazen de quarenta minutos, o que tarda a levar a um acúmulo para se ter uma experiência, enquanto que no sesshin isso é possível. É claro que um sesshin de apenas dois dias também não é suficiente. Seria ideal um sesshin de pelo menos quatro dias, porque é a partir do terceiro dia que a pessoa começa a se livrar mesmo dos problemas do seu dia a dia. Mas isso não significa que experiências ou vislumbres não possam acontecer assim já no primeiro dia. E isso é muito importante, porque a partir do momento em que se tem a experiência, não é necessário mais acreditar em nada. Normalmente os alunos que vêm a um sesshin são os que permanecem no treinamento do zen. Os que não fazem sesshin praticam por um tempo, vêm para resolver um problema pessoal, acalmar-se, aprender uma técnica de meditação, e ficam por aí, mas esse não é o objetivo do zen, embora seja útil ensinar meditação para as pessoas que se agitam. O objetivo do zen mesmo é atingir a iluminação, é isso que nós estamos procurando, por isso é tão importante dar esse ensinamento que só é possível num retiro, para que vocês vejam os próximos passos.

Recapitulando os passos anteriores. No primeiro passo, o principiante nem vê, está apenas começando sua jornada;

Depois ele encontra as pegadas do boi e começa a praticar o zazen, mas ainda não experimentou um kensho.

No terceiro passo, “vislumbrando o boi”, ele já teve algumas experiências místicas - mesmo que fracas - de alguma emoção e percepção clara das coisas.

Depois, no quarto passo, ele segura o boi, mas o boi é rebelde e ele se sente desanimado pelo fato de, apesar de compreender o Dharma e apesar de ter tido experiências místicas (kenshô), ver-se sempre caindo de novo em angústias, desespero, raiva, cólera, ciúmes e reagindo à vida como um homem comum.

No quinto passo ele domina o boi e esse se torna um pouco mais manso, e o domador julga que agora pode lhe ensinar alguma coisa. Algumas pessoas têm a sensação de que no passado estavam melhores no zen, tiveram as primeiras experiências que lhes pareciam muito brilhantes, maravilhosas. O primeiro sesshin (retiro zen). A explicação para isso é nós estamos saindo do zero e o primeiro progresso parece um passo importante. Depois fica mais difícil de subir, cada ganho é mais difícil e a pessoa pode ter a sensação de estar descendo a ladeira; já tinha alcançado, no passado, um determinado nível e agora o perdeu, ou ela se critica por não conseguir um bom samadhi. Sentam em zazen e a mente viaja todo o tempo, surgem coisas do passado que ela não controla. Esse é um momento importante porque é necessário não desanimar, porque houve grandes ganhos já, só que a pessoa não os percebe com clareza.

No sexto passo, o boi agora é manso e obediente, ele monta tranquilamente sobre sua garupa. Os acontecimentos normais da vida não o perturbam mais, quando acontecem, ele lida com eles com naturalidade, aquilo que parecia terrível no passado, agora não é mais.

No sétimo passo, kensho, iluminação e o zen são esquecidos, ele não mora em lugar algum e deixa que sua mente trabalhe.

O oitavo passo tem como símbolo o círculo vazio. Nem boi, nem homem. No estágio anterior, perdeu-se o boi. Restou o homem, e você pode ter pensado que tudo terminou.
( na próxima postagem explico o oitavo passo)

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O Kenshô permanente


(continuação)
“Perdido o boi, fica o homem”, é o sétimo passo. Agora a iluminação, o kensho, o zen mesmo, estão esquecidos. Qualquer sensação de santidade ou o maravilhoso estado mental que se experimente começará a ser um peso desde o momento que se comece a pensar nele ou a tomar consciência dele. Aquela experiência do kensho, quando surge, já não é tomada em consciência, pois se torna natural. É como se estivesse o tempo todo vivendo em kensho. Os acontecimentos ocorrem quando querem e a pessoa simplesmente os deixa fluir. Quando as coisas ocorrem, ocorrem. Quando se foram, se foram.

No momento em que uma pessoa se acostuma a ver as coisas de uma maneira fixa, já começa a decadência. Sem morar em nenhuma parte, deixe que trabalhe sua mente. O verso sobre a transmissão do Dharma de Budha Vipasyn, o primeiro dos sete Budhas passados, diz: “Vicio e virtude, pecado e bendição, tudo é vão, mora no nada”. Nós estamos falando aqui sobre um estágio em que a experiência de kensho torna-se praticamente permanente. Não há consciência da existência de uma mente a ser controlada, nem uma mente que vai ou vem. As coisas ocorrem simplesmente fluindo. O homem age de acordo com a necessidade, sem se deixar mobilizar pelos acontecimentos externos. Ele está flutuando por fora dos acontecimentos.

Nesse estágio, segundo os comentários de Sekida, reina o shikantaza. Shikantaza quer dizer “simplesmente sentar-se”. Já não se presta atenção particular à respiração, à postura e às demais coisas. Inclusive deitado em sua cama se pode entrar em samadhi absoluto. O homem muda a atividade habitual da consciência trabalhando, falando, e mesmo sacudido pelo movimento de um ônibus, não perde seu samadhi positivo. Antigamente, ele e o samadhi eram separados, eram dois, às vezes tinha samadhi, às vezes não tinha, era uma coisa que ele possuía ou não. Agora o samadhi e ele são uma coisa só. Antes, alcançava o samadhi com esforço, trabalhava num sistema dual. Fazia o zazen e procurava o samadhi se esforçando para ficar no momento presente e abandonar todas as considerações. Mas agora não é assim. O reino da mente foi submetido ao domínio do homem, por isso perdido está o boi, resta somente o homem.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Um rosto que mudou - o sexto passo



O primeiro e segundo passo, praticamente todos os que praticam já trilharam, é mais fácil de entendê-los. O primeiro é uma inquietação, depois, encontrar as pegadas, e o terceiro, é “vislumbrei, eu vi alguma coisa, eu tive alguma pequena experiência”. Não pensem que é grande coisa essa pequena experiência. Embora ela seja magnífica, é pequena perante os passos seguintes que nós vamos ver.


(continuação)

No sexto passo, que é “Cavalgando o boi de volta pra casa”, a figura mostra um homem sentado sobre o boi sem rédeas e tocando uma flauta. O boi agora é manso e obediente, e mesmo sem as rédeas, ele segue tranqüilo, cavalgando para casa na quietude de um entardecer, tendo o homem montado em si. Vamos descrever o processo de entrada em samadhi: a pele e os músculos estão sempre mudando de tensão e, em grande medida, por meio dessa mudança, se mantém a sensação da existência corporal. Porém na postura imóvel do zazen, não há apenas mudança da tensão muscular e cutânea. Vai-se também desenvolvendo a sensação de saída. A pele reage muito sensivelmente ante essa nova experiência, nota-se como uma sensação de tremor que corre através do corpo, é como uma espécie de vibração musical, delicada e deliciosa, que vem acompanhada de um estado mental apaziguado e de uma formosa corrente de emoção que parece brotar do coração. A sensação de saída vem muitas vezes anunciada por uma espécie de tremor vibrante que aparece primeiro nas partes mais sensíveis do corpo como orelhas, pescoço, braços e que, finalmente, desce ao longo de todo o corpo para desaparecer em poucos minutos. A paz e a quietude começam então a ocupar o corpo inteiro. O samadhi desenvolve-se a partir dessa quietude, mas com larga prática, já não aparece aquela deliciosa sensação corporal. A pessoa senta-se simplesmente e cai em samadhi. Quem tiver dificuldades com os pensamentos, pode sempre retornar para a técnica do iniciante que é contar a respiração. Com essa âncora é mais fácil de escapar de pensamentos invasivos freqüentes. Um samadhi brilhante pode surgir rapidamente com a contagem das respirações.

Outra técnica é a respiração em bambu, há uma tentativa de pensamento, um impulso que vem trazendo um pensamento, isso tem um nome técnico, chama-se NEN. Quando surge o NEN, o impulso desencadeador do pensamento, e que você percebe ele nascendo, você para de respirar, isso cria uma tensão que corta o pensamento e você pode voltar a respirar.O que ocorre, na realidade, dentro do corpo quando se produz um samadhi precedido desses fenômenos? Devem estar ocorrendo certas mudanças químicas, sabemos que o corpo produz constantemente toda classe de compostos químicos. Se acaso o samadhi resulta da produção de certos elementos químicos do corpo, isso não quer dizer que nós podemos, através de químicas, produzir o samadhi, por isso o uso de drogas é inútil. Embora eventualmente uma droga possa provocar uma sensação semelhante ao samadhi, é pelo seu efeito alucinógeno que isso ocorre. Ela entra no seu corpo, produz a sensação, mas você não é dono da sensação. A sensação é boa e a pessoa quer voltar a senti-la, por isso volta a usar a droga, pois com a droga é muito fácil de consegui-la. Só que o uso de drogas causa múltiplos problemas e não leva a uma realização espiritual, leva simplesmente a uma fantasia química.

 Mas não se pode objetar que o treinamento do zazen modifica de algum modo o metabolismo, de maneira que produza certos químicos que facilitam a chegada do samadhi. Tais substâncias são geradas internamente; é uma fonte de energia. Já as drogas ministradas externamente, nos debilitam e nos fazem dependentes. Quaisquer que sejam as bases fisiológicas do samadhi nessa fase de “Cavalgando o boi de volta para casa”, o estudante alcançou a maturidade e goza de liberdade de corpo e mente. A grande mudança é que agora ele não precisa mais fazer tanta força, quando ele senta o samadhi se instala com certa rapidez e a prática começa a se transportar para a vida. Um fenômeno interessante é que a expressão facial muda, a pessoa é a mesma, porém sua expressão mudou. E isso é identificável, é visível. Também nesse estágio os comportamentos, que antes permaneciam inalteráveis, agora se tornam perceptíveis a outras pessoas. Não é mais o mesmo comportamento. Em meio às turbulências, a pessoa permanece impassível, anormalmente calma e tranqüila. Isso ainda não acontece sempre, mas já na maioria das vezes.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O quinto passo - Domando o Boi

                                             Sesshin de 7 de setembro 2012 - Florianópolis
(continuação)
No quinto passo, “Domando o boi”, depois de muitos esforços, o boi começou, por fim, a tornar-se manso. Na figura anterior, o homem segura o boi pelo rabo, nessa o homem segura o boi com uma argola presa ao seu nariz. E agora o domador julga que o animal já está dominado e que pode ir ensinando-lhe alguns truques. Quando, por fim, agarrou o boi, crê que já o tinha retido para sempre. Ele pensa: “Peguei, dominei, e isso agora é para sempre, dominei minha mente.” Lembrem-se de que já passamos pela experiência do kensho, embora ela não nos tenha alterado em nada. Continuamos na vida sendo tão ruins quanto antes, mas dizemos: “Já tive uma experiência espiritual!” E aqueles que vivem conosco irão dizer: “Mas como, se ainda perde a paciência?!”

Esse pensamento de domínio também é uma espécie de ilusão. Na verdade, não é assim. Às vezes ele consegue entrar em samadhi, em outras, tenta e não consegue. Parece que há quietude no corpo e na mente, mas ainda não controla os pensamentos errantes. Você pensa: “Não pode ser isso o samadhi”. Mas não há remédio senão experimentar de novo, uma e outra vez. Repetir o samadhi - a concentração - e experimentar outros kensho. A colheita do ano passado é a colheita do ano passado; não é a deste ano. A deste ano tem que ser de novo ganha com luta e trabalho. Dessa forma, a luta se renova outra e outras vezes mais. 

Ou seja, você chegou lá, teve a experiência, pode até mostrá-la para o seu Mestre em determinadas ocasiões, mas você não mudou e precisa continuar trabalhando. Samadhi – concentração -, zazen - momento presente -, retornando sempre e tendo experiências de kensho de vez em quando, como se uma janela se abrisse e de repente você pudesse ver. Estava tudo escuro e você não enxergava nada com nitidez, e ao abrir-se a janela, tudo fica claro. Kensho. Cada vez mais, com repetições dessa experiência, o kensho torna-se maior que poucos segundos, podendo prolongar-se até por horas. Mas você sempre o perde, e não sabe quando irá consegui-lo novamente. E também às vezes sentado, você perde o zazen inteiro em pensamentos, em vazios, simplesmente não consegue agarrar um samadhi constante.

Eventos Abertos com Monge Genshô no Rio de Janeiro


Eventos Abertos com Monge Genshô no Rio de Janeiro

Sábado, 22 de Setembro de 2012 das 16 às 18h. 
Palestra na Sangha Lótus - Centro de Meditação.  
Coordenação Chân Bao Thin. 
Local: Rua Dois de Dezembro, 78, sala 305, Flamengo. Rio de Janeiro.

Segunda, 24 de Setembro de 2012 às 20:00. 
Palestra no Centro de Análise do Movimento Vivo (CAMV).
Coordenação: Kōmyō (Claudio Miklos).
Local: Rua Mem de Sá, 31 - ICARAÍ, Niterói. Rio de Janeiro. 
Mais informações: tamhuyenvan@gmail.com / 2609-0992

Terça, 25 de Setembro de 2012 às 19:00. 
Lançamento do livro “O pico da montanha é onde estão os meus pés” no Rio de Janeiro.
Local: Livraria Cultura, Shopping Fashion Mall - Estrada da Gávea, 899 - São Conrado. Rio de Janeiro.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Montes de prata e rios de ferro


(continuação)
O quarto estágio, “agarrando o boi”, se reproduzirá com uma experiência deste tipo: Imaginem um zazen, quanto tempo passou, ele não sabe. Quando volta a si, se sente como se estivesse na mais baixa profundidade do mar, tudo está em silêncio, tudo está escuro, estava dormindo? Não, sua mente está clara e desperta, uma força interna parece ir desabrochando, nota como se estivesse revestido de uma pesada armadura. Será que foi a isto que outros patriarcas chamaram “montes de prata e rios de ferro”? Sua mente está tão tranqüila e solene como as encostas nevadas do Himalaia: sem alegrias, sem penas; se é noite ou dia, ele não sabe. Algum dia vocês terão esta experiência. E um dia, quando ela emergir levantando-se do zafu, cruzando o umbral, olhando as pedras e as árvores do jardim, ouvindo um som qualquer, levando uma taça aos lábios, ou passando os dedos por um corrimão, de pronto verão que o céu e a terra se vêm abaixo com estrépito. Ao chegar ao último extremo na prática do zazen, será como o efeito de uma figura reversível. Uma figura reversível é aquele tipo de figura em que existem duas formas em uma; dependendo do ângulo que olhamos, quando se vê uma, não se vê a outra. Muitas situações na nossa vida se parecem como uma figura reversível. Quantas vezes encontramos com alguém, perguntamos como está e a resposta é, “muito mal, está tudo horrível”. Alguns dias depois, diante da mesma pergunta, tudo mudou. A situação é a mesma, mas mudou a forma de encarar o fato.

Algumas pessoas conseguem observar isso e mudar o foco, mas para que isso aconteça é preciso ser senhor de sua mente. É como a história do homem pendurado em um precipício: abaixo dele, um leão, acima, um tigre. Então ele olha para o galho em que está agarrado e vê frutinhas. Ele as pega e come, então exclama: “que frutas deliciosas!” Esse é um exemplo de uma mente com capacidade de reverter uma situação, aceitando-a. Uma mente preparada, mesmo sabendo da aproximação da morte, se mantém calma e impassível; uma mente agitada e confusa entrará em pânico. Acontecem muitas situações no nosso dia a dia que necessitam de uma mente calma e preparada para lidar com problemas, tristezas ou desilusões. Diante desse quadro é muito comum o desespero tomar conta da mente e perdermos a capacidade de raciocinar; é muito perigoso não sermos capazes de raciocinar. Isso não significa não se emocionar, significa “perdi o controle? Entrei em surto? Mesmo com tudo o que está acontecendo ainda sou capaz de raciocinar?”

 Isso é muito importante, não perder a capacidade de raciocinar. Pode-se fazer coisas muito insensatas no momento em que não se está senhor de sua mente. Pode-se matar uma pessoa, pode-se dizer coisas que se desejaria não ter dito e que não se consegue mais retirar. E essa figura reversível será, então, revelada a você como uma nova vista, assim, a pressão interna ocasiona um novo desenvolvimento dimensional do mundo. Um crítico hostil poderia dizer que isso é uma questão de auto-sugestão, mas, de fato, assim que nos desprendemos do modo habitual da consciência, e ela opera num novo modo de cognição independente do tempo e do espaço e da causalidade, você e os objetos externos estão unificados, você sabe que teve a experiência, que não é auto-sugestão, aliás, essa experiência aparece como repentina e é completamente nítida e clara e diferente para cada pessoa. 

Seu fator desencadeador pode ser bem diferente. É multifatorial. Pode ser algo corriqueiro, como um raio de sol entrando pela janela e batendo no zendo. Algo normal, que de repetente, se mostra completamente diverso do normal. Você sente que os objetos externos e você, estão unificados. É certo que os objetos externos estão fora de você, mas você e eles se interpenetram mutuamente, é como dizer que não há resistência espacial entre você e aquela experiência. Quando éramos crianças, nossa vida estava cheia dessa forma de cognição, mas quando crescemos a atividade elaborada da consciência vai consolidando um modo habitual de operar, com o uso da linguagem, da compreensão, do gosto e não gosto, da manifestação de preferências... e nos distanciamos da experiência pura. Constrói-se um mundo de diferenciação e discriminação. Mas no momento do kensho, essa forma rotineira cai e você se vê desperto e num novo mundo. Isso é o kensho. Ken, significa “ver em algo” e Sho significa “a verdadeira natureza”. Então, “ver em algo a verdadeira natureza”. Encontrar sua verdadeira natureza dentro de si mesmo e ao mesmo tempo, no mundo exterior.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A cabeça no ar, o pé no precipício


(continuação)
Comentário de um aluno: “(...) A gente percebe que existe uma relação entre a experiência e o que nos levou a ter essa experiência, que é a prática, né?”

Monge Gensho: Exato, não é necessário mais fé, pois você já sabe que existe, você já sabe que é possível, que existe alguma coisa. Como ela realmente é, você não sabe completamente, mas você teve um vislumbre, então não precisa de uma crença, você já teve uma pequena experiência. O quarto passo é “Agarrando o boi”. Em um antigo desenho vê-se um homem segurando o rabo do boi. Ao chegar a essa etapa o kensho foi confirmado, mas como podemos ver no desenho, o boi tenta tenazmente escapar, e o homem deve sujeitá-lo com toda sua força. De fato, agora já tem experiência bastante para compreender o dito “o céu, a terra e eu, somos a mesma raiz, todas as coisas e eu mesmo, somos da mesma fonte”, mas na sua vida cotidiana não pode controlar sua mente como gostaria. A pessoa compreende, tem o kensho, seu mestre reconhece isso nele: “Ah, você teve uma experiência genuína, você enxergou”.
Porém, nos passos anteriores nós vimos o que acontece com o principiante, com aquele que começa a sentar, que começa a praticar e sabe que existe a experiência mística e que pode vislumbrá-la. Quando realmente se aprofunda é mais marcante, mais prolongada, nós podemos mostrá-la para o mestre, você vai até o mestre e mostra para ele. Uma vez Saikawa Roshi me disse que os alunos vão para as entrevistas para fazer perguntas e ele queria que eles fossem lhe dar uma resposta, que mostrassem para ele: “Encontrei isso”. Mas as pessoas chegam a ele com perguntas. Então, nessa quarta etapa agarrou-se a mente, o boi foi agarrado firmemente. “O céu, a terra e eu, somos a mesma raiz, todas as coisas e eu, somos da mesma fonte”.
 O aluno compreende, então, sua natureza original, que ele não é um “eu” separado, mas é “um”, com todas as coisas. Mas, na sua vida cotidiana, ele não consegue controlar sua mente como desejaria, às vezes arde em cólera, outras vezes se vê possuído pela cobiça, cegado pelos desejos, e assim, sucessivamente. Os pensamentos indignos e as ações vis seguem aparecendo como antes. Ele se vê esgotado por lutar contra suas paixões e desejos que parecem incontroláveis, é algo com o que não contava e apesar de haver alcançado o kensho, sua alma parece seguir sendo tão ruim como antes. De fato, o kensho parece ter sido a causa de novas aflições, porque agora ele deseja comportar-se de certa maneira e se vê fazendo o contrário, compreende, sabe o que é certo, mas acontece uma circunstância e ele explode em raiva, por exemplo. E aí ele pensa: “Ah, eu não sou o que desejaria, todo esse trabalho, toda essa compreensão e ainda não sou quem eu desejaria, minha boca continua falando quando não deveria, minhas ações continuam as mesmas e meus pensamentos estão continuamente sendo chamados pelas paixões e continuam turbulentos, embora eu saiba com nitidez que eu, o céu, e a terra, somos a mesma coisa, e que entre mim e os outros não há diferença alguma.” Sua cabeça está no ar, mas seu corpo tem um pé no precipício. Mas ele não pode soltar as rédeas do boi e se esforça para ter sob seu controle sua mente, embora isso lhe pareça como algo acima de suas forças.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Descobrindo que a iluminação é possível


(continuação)
Pergunta: (...) Essa percepção do rabo e das patas pode ocorrer sem que a pessoa se dê conta de que “seguiu” isso?

Monge Genshô: Não propriamente. O que pode acontecer é que seja uma mera lembrança, você tem uma pequena experiência e, naquele momento, ela é muito significativa. Depois você lembra dela e pensa: “Será que era uma fantasia, será que foi um êxtase, será um pouco uma alucinação, porque estava num treinamento tão forte?” Você sabe, mas é uma memória como se fosse vinda de outra pessoa e você não a recupera. É como lembrar-se de uma vez: “Ah, uma vez estive apaixonado, foi tão bom, mas agora não estou, não tenho nenhuma paixão, nenhum amor na vida”. Aí você se lembra do sentimento anterior, mas não tem esse sentimento,você não o recupera, ele está morto dentro de você. Então, uma das características do Kensho é essa evanescência, você tem a experiência, mas ela se esvai, você não é dono dela. Uma iluminação genuína, por sua vez, é permanente. Mudou tudo, realmente, não foi só um vislumbrar. Agora esse vislumbrar é muito importante, porque você está aqui no sesshin, faz meditação e, de repente, tem alguma experiência; simplesmente, olhando para fora, vê tudo maravilhoso. Esse pequeno instante de maravilha já é um vislumbre, e você descobre: “Eu posso atingir uma mente assim” - e pensa: “Ah se eu tivesse uma mente assim todo o tempo!” Então isso é muito importante, porque não é necessário. A partir do momento em que você está no terceiro estágio, depois que você vislumbrou o rabo e as patas, você sabe que o boi existe, que a iluminação é possível.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

É preciso um esforço desesperado para a iluminação genuína

(continuação)
No terceiro passo “vislumbrando o boi”, por fim, se encontrou o boi, mas dele se viu apenas o rabo e as patas; houve uma experiência do tipo de kensho. Mas se lhe perguntam de onde vem e para onde deve ir, não sabe dar uma resposta clara. Desde o princípio, sempre houve muitos tipos de kensho. O satori de Shakyamuni Buddha foi a criação de um novo mundo, antes de seu tempo, ninguém sequer sabia que existia tal acontecimento.
 A experiência sem precedentes ocorreu subitamente a Buddha, atravessando-o como um raio e todos os problemas resolveram-se no mesmo instante. Se Buddha não estivesse tão adiantado no treinamento não teria podido explorar de maneira criativa aquela região que nunca havia sido visitada por nenhum ser humano. Antes dessa experiência, Buddha havia passado pela sétima e oitava etapas de nossa seqüência e havia alcançado a nona. Ele teve então um kensho completo, que é a iluminação real. Desde seu tempo tem havido muitos mestres zen que têm completado o curso de treinamento antes que tivessem a experiência de kensho. Muitos precisaram de quinze a vinte anos para que isso ocorresse. 
No terceiro estágio, temos uma situação análoga àquela de um principiante em pintura, que vê admitida sua obra por um golpe de sorte. É como quem está vendo apenas as patas ou o rabo do boi. Se fosse um pintor experiente, desde logo ele seria excelente e já demonstraria sua capacidade de artista, mas tudo depende de seus futuros esforços. Aos estudantes modernos do zen, nós lhes dizemos, ao começar, que há um acontecimento chamado kensho – iluminação -, uma experiência mística que os está aguardando. Quando cruzam o caminho desse terceiro estágio, tomam-no naturalmente como se fosse a experiência de Budha, como se tivessem chegado ao cume da prática do zen, vão subindo por rochas e arbustos desejando essa visão e à primeira olhada gritam: “É isto, cheguei!”, certos de que o que vêem não é falso. Mas há uma grande diferença entre sua experiência e a de Budha em conteúdo, beleza e perfeição.
 Isso tem acontecido bastante, pessoas que têm uma primeira experiência, um pequeno vislumbre da experiência e se crêem iluminados e saem se auto-intitulando mestres iluminados a propagandear “mestre iluminado vai dar um curso no final de semana e você poderá alcançar a iluminação em dois dias”. Hoje, nesse sesshin, nós temos outra situação. Nem um mestre iluminado, nem ninguém, irá alcançar a iluminação. Teoricamente poderia acontecer, e também pode acontecer uma situação como esta, um primeiro vislumbre. É que o primeiro vislumbre, embora espetacular para quem o experimenta, não significa estar iluminado, significa só: “Vi o rabo e as patas; nem vi o boi inteiro”.
 A observação de Sekida a esse respeito é que no estágio “Vislumbrando o boi”, se experimenta, em algumas ocasiões, certo tipo de samadhi, mas ele é instável e carece de segurança. Ainda assim o mestre pode tomar a mão do aluno que tenha tido essa experiência e conduzi-lo até a sala de meditação dizendo-lhe: “É isso, é isso”. Tal atitude faz parte da estratégia do mestre, o qual se adapta à capacidade e necessidade do estudante. Alguns mestres são muito estritos e dão crédito ao aluno mais facilmente, outros menos. Todos têm sua forma individual de ensinar e há razão em seus métodos. Falando em geral, quando o estudante é promovido, adquire certa confiança e sua prática começa a andar nos trilhos.

 Entretanto, há exemplos de estudantes que têm estudado sob o comando de mestres estritos durante dez ou quinze anos, sem que hajam recebido alguma confirmação de seu adiantamento e que um dia explodem com uma iluminação genuína, isso se chama satori, iluminação repentina e direta, e aquele que vivencia uma experiência exaustiva e profunda, tem uma experiência igual à que teve Budha Shakyamuni. O método de adiantamento gradual, passo a passo, chama-se zen escalonado, quando comparado à iluminação súbita e direta, mas tanto se avançarmos gradualmente, como se formos de um salto, tudo depende da própria determinação de alcançar o topo. Não duvidem, é preciso um esforço desesperado para alcançar uma iluminação genuína.
(continua)

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Aquietar a mente



(continuação)
A respeito do segundo passo, comenta Sekida: “Quando, a partir do primeiro passo, a prática do zazen começa a encaminhar-se, ao iniciar o segundo, “encontrando as pegadas”, ele vê como a mente começa a aquietar-se e, vê agora, com surpresa, que durante todo o tempo seu estado mental normal era revolto e agitado e que não se dava conta disso. Começa a perceber que vinha sofrendo de um vago e inquieto sentimento cuja origem não conseguia precisar. Porém, agora que pratica zazen, se acha livre desse estado em grande medida, vê que o zazen pode ser um meio de aquietar uma mente preocupada. Quando deu começo à prática na simples técnica de contar a respiração, ficou perplexo ao ver que não era nada fácil, mas depois de esforços tenazes, vai sendo capaz de manter focada sua mente dispersa e gradualmente começa a pôr em ordem a atividade de sua consciência, dando-se conta de que uma nova dimensão mental começa a atuar, mas ainda está longe de experimentar um kensho genuíno”.

Quando começamos no zazen, esse segundo estágio pode demorar muito tempo, porque basta que nos sentemos em zazen e nos acostumemos a nos distrair, a pensar, a viajar para trás e para frente, e podemos continuar fazendo isso durante anos: sentar em zazen para se acalmar, mas com a mente viajando pra frente e pra trás. Deixamos isso acontecer e não conseguimos ficar no momento presente só ouvindo os sons, só entrando em samadhi, em concentração. É por isso que a primeira prática é conseguir um estado de samadhi: sentar e ficar naquele momento, pegar a mente viajante e a cada instante trazê-la de volta; isso é muito difícil. Então, não basta sentar quieto, é necessário esse esforço mental, uma luta real pra trazer a mente de volta, estar presente, não se deixar distrair. O sesshin é o melhor momento para isso, pois repetimos um zazen após outro.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Encontrando as pegadas



O segundo passo é “Encontrando as pegadas”. Praticando o zazen e lendo a literatura adquire-se certa compreensão - ainda que não se tenha vivido - todavia, uma experiência mística, o kensho. Na primeira etapa, quando se começa a busca, pode-se haver duvidado da possibilidade de alcançar o objetivo olhando nessa direção, mas agora existe a confiança de que se seguir esse caminho, alcançará sua meta. “Encontrar as pegadas” é encontrar uma prática espiritual que tem algo a ver com a pessoa, algo com o que temos conexão, então, surge a confiança de que se pode seguir naquele caminho e se chegar a algum lugar.

O comentário de Sekida para estes dois passos é que “começar a buscar o boi é quando o principiante se inicia em como sentar-se, em como regular a respiração e a atividade mental. Nesse estágio ele é ingênuo, submisso e intensamente impressionável; o som do sino chega absolutamente puro e parece que penetra profundamente em seu coração, purificando-o. Todas as coisas criam em sua mente uma forte impressão, até um leve movimento da mão, ou dar um passo. Tudo, ele faz com gravidade, o que é muito importante e precioso, mesmo que ele não possa dar-se conta disso; é superior a um kensho pobre e comum. Essa devoção do principiante não deveria perder-se nunca, mas, desgraçadamente, muitos estudantes a perdem mais tarde, substituindo-a por alguns de seus logros meritórios e dessa forma começam a se dar muita importância”.

A primeira coisa é quando o praticante aprende algo, daí quer mostrar que sabe, quer mostrar que sabe para os novatos, para o professor, quer sempre mostrar que sabe alguma coisa. Não se pode lhe ensinar nada sem que ele acrescente algo pra mostrar que sabe: “Ah, isso eu já sei.” Isso é ter perdido sua inocência, a sua mente de principiante. Ele sente-se um veterano. Em breve se atreverá a julgar os outros e criticar os mestres.

“Por isso uma instrução importante é não mostrar que sabe. Ao estudante do zen, pede-se que abandone a religião dos méritos, para entrar na de nenhum mérito”.

Isso pode ser percebido na prática. Um principiante, quando realiza uma tarefa ou cerimônia e erra, não se importa muito com isso, porque ele sabe que pode errar, ao passo que quem perdeu a inocência envergonha-se por ter errado, ou justifica-se ou fica chateado pelo erro.
(continua)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Os dez passos em busca do Boi





Os dez passos em busca do Boi - parte I

Vamos estudar um texto muito famoso do zen e também os comentários feitos a respeito por Katsuki Sekida. Trata-se do texto “Os dez passos em busca do boi.” Temos aqui o boi, simbolizando o que seria a mente.

O primeiro passo é “Começando a buscar o boi”. Na literatura budista se compara o boi com nossa própria natureza verdadeira, assim, buscar o boi é investigar esta natureza, e o primeiro estágio é o começo dessa investigação. Consideremos um jovem no umbral do caminho: sua imaginação espera muitas coisas do futuro. Umas vezes, alegre, outras pensativo, espera que a vida tenha destinado para ele algo, mas não sabe o que ocorre na realidade, pois, na verdade, ele mesmo não sabe bem o que deseja da vida. A imagem é um homem no caminho. Ele não enxerga o boi que está procurando, ele poderia abrigar a idéia de trabalhar para os demais negando a si mesmo, se sacrificando. Pode ser que pense assim: “Quero fazer algo grande, quero saber como se constitui o mundo e que papel há de ser o meu, quem sou eu, que posso esperar de mim”. Então ele poderá iniciar seus estudos em algo que possa levá-lo a cumprir seus objetivos e sonhos, e em qualquer direção que vá tende a encontrar-se com uma intrincada rede de tráfego, uma espécie de grande labirinto. Trabalhando numa situação que não havia previsto originalmente, vai andando e, de repente, apesar do caminho estar fixado, surge-lhe a sensação de que algo falta. É nesse momento que as pessoas procuram uma religião.

O zazen é o treinamento para converter-se em Budha, para voltar a ser um Budha, posto que a pessoa não perceba que é um desde o princípio. Então ele encontra-se no estágio de iniciar a “busca do boi.” Essa é praticamente, a descrição de todos que chegam a uma prática espiritual - aconteceu algo, parece que a rede da vida não é suficiente ou está incompleta, não nos realizamos completamente.
(continua)

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Sem prática não há despertar


(Final)
Pergunta – Se o zen não está nas palavras, onde está?

Monge Gensho - Na sua almofada. Essa é uma boa resposta. Leve uma almofada para casa, coloque na frente da parede em um lugar qualquer. Não precisa de altar, nem de incenso, não precisa de nada. Você só precisa da almofada e de seu corpo. Sente-se para praticar zazen. Determinadamente, aí o zen estará realmente presente. É isso, simples assim. É que nós pensamos muito e somos muito indisciplinados, então precisamos da sangha, e todos sentam-se juntos, daí reforçamos nosso propósito. Aqueles que abandonam o grupo desistem com facilidade. É muito difícil praticar sozinho, sem um grupo para nos encorajar, por mais problemas que nossa mente perturbada veja nos professores e colegas, na instituição em si. 

Às vezes surgem perguntas tolas, dúvidas. E quando a gente tem um professor, senta na frente dele e abre a boca para falar, às vezes é uma dúvida que nos inquieta há meses e quando abrimos a boca nos damos conta que a pergunta é tola. Mas você só se dá conta disso quando chega na dele frente para fazer a pergunta. Então você precisa sentar na frente de alguém e todo aquele discurso que aconteceu na sua cabeça antes, de repente, parece uma enorme bobagem. Então nós precisamos de professores, precisamos de sangha, de grupo, precisamos do dharma, dos livros, dos ensinamentos, de ritos, precisamos saber que existiu Buda e que ele era um homem como nós e que tinha os mesmos tipos de problemas e que se ele resolveu, nós também podemos resolver. Que ele não é nenhum Deus, nem profeta, nem sagrado, nem nada para ser adorado, mas que é um exemplo do que nós somos capazes. Nós temos a capacidade de acordar. Todos estamos profundamente tomados por essa capacidade. Mas sem a prática ela não se manifesta, por isso precisamos da prática. Não adianta sentar no bar, pedir uma garrafa de cerveja e explicar brilhantemente sobre o zen. Tem gente capaz de fazer isso, eles lêem vários livros, se reúnem nos bares e discutem – Porque o zen diz isso e o mestre tal falou aquilo, porque o budismo, porque o taoísmo... - Eles sabem muito, e não sabem nada. 

Esses dias alguém me rememorou uma história típica do zen. Encontraram-se a beira de um rio, um mago, um yogue e um mestre zen. E o yogue disse: “Vou mostrar à vocês como se atravessa um rio”. Elevou-se no ar e pousou na outra margem. Então o mago disse: “Isso não é nada”. Foi até a beira do rio e foi caminhando por sobre a água até o outro lado. O mestre zen, olhando tudo aquilo, arregaçou a roupa, entrou no rio e foi com muita dificuldade, caindo, tropeçando, nadando, até que chegou a outra margem todo ensopado. Começou a torcer a roupa, olhou para os dois e disse: “ Vocês não sabem nada sobre atravessar um rio".

14/05/2011
Monge Genshô

Palestra decupada de gravação por Ápio San e revisada por Eleonora San.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Caminhos perigosos



Pergunta - A psicologia budista seria um caminho para a psicologia encontrar um perfil de uma atitude de não-eu?
Monge Gensho - A psicologia tem seu próprio caminho. Ela é relativamente recente. Aquilo que chamamos de psicologia budista é só uma investigação a respeito dos conceitos tradicionalmente existentes no budismo sobre os assuntos dos quais a psicologia trata. Existência de consciente ou inconsciente, ou coisas assim, são abordagens muito diferentes no budismo e na psicologia. 

Embora existam livros de Psicologia Budista, eu não me atreveria a chamar essas abordagens de psicologia em si, mas sim, de um conjunto de idéias e oposições, não necessariamente certas, produtos de diversas visões, porque o budismo é uma construção histórica muito vasta e não necessariamente unificada. Muitos mestres ensinaram e tiveram diferentes abordagens, com diferentes métodos, através dos tempos. Alguns métodos morreram, outros sobreviveram. Houve escolas budistas que morreram, outras sobreviveram. Então, há uma longa depuração de idéias dentro do budismo.

 As ideias foram defendidas durante séculos e abandonadas, assim, como nós poderíamos dizer que “nós temos a verdade, nós estamos certos”? Não podemos dizer isso. Podemos apenas dizer que temos um bom método. E você pode experimentar o que melhor serve para você. Mas ele não é obrigatoriamente o certo, não poderíamos dizer que toda a humanidade deveria segui-lo. Por isso essa grande tolerância do budismo com todas as linhas, religiões ou métodos existentes.

 Só nos opomos quando alguém me pergunta o que acho desse método que preconiza orgias para atingir a iluminação. Eu digo que, se preconiza uma coisa assim, certamente vai obter o que se deseja, mas não a iluminação. Se você quer fazer orgias, por que disfarçar isso de religião? Faça orgias. Durante mil vidas, faça orgias. Volte e faça orgias de novo. Morra por causa das orgias, sofra as conseqüências, os ódios, as brigas que vêm desse tipo de comportamento. Mas não disfarce isso de caminho espiritual.

 Caminhos espirituais não passam por isso, os caminhos espirituais sérios têm outro tipo de conduta, e é fácil ver isso. Em qualquer lugar que você for e houver muito dinheiro, não é um caminho espiritual, se houver orgias, não é um caminho espiritual, se houver drogas, não é um caminho espiritual confiável. Os caminhos espirituais são diferentes. Não parece óbvio isso? Mas, incrivelmente na historia da humanidade, nos últimos anos, são justamente as propostas desse tipo que arrastam multidões. E as que forem severas, ou sérias, têm pouca gente. Isso diz muito sobre a humanidade e o que é o caminho espiritual. Se houver uma multidão, olhe com reserva.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

E a filosofia?


(continuação)
Pergunta – O mesmo ocorre com relação à filosofia?
Monge Gensho - No caso da filosofia acho que é mais grave ainda. A filosofia tem uma longa aventura investigativa, ela ajudou muito o homem a pensar. Eduardo Conze, que é escritor famoso sobre o budismo, diz que “o budismo é um pragmatismo dialético que usa métodos psicológicos, usa métodos filosóficos de raciocínio”. Muitas vezes, os discursos de Buda fundamentam-se em perguntas, respostas e raciocínios, sendo, em geral, muito claros. Não se trata de nenhuma crença. Recordo-me também de uma frase corrente no meio zen que diz que “filosofia é como um macaco descascando uma cebola”. Ele procura na cebola um caroço que não existe. E quando a gente descasca uma cebola o que acontece? Lacrimejamos.
 Então, além de descascar uma cebola, procurando um caroço que não existe, a gente ainda chora. Parece que depois de 2600 anos, ou mais, de filosofia, ela ainda não chegou ao seu final. Wittgenstein, talvez o mais brilhante filósofo do século XX, chegou à conclusão de que com palavras, com o instrumento da linguagem, nós não podemos chegar a descobrir a verdade. Ora, essa é uma afirmação muito velha no budismo, que diz que quando nós estamos falando do zen ele não está aqui. Eu estou falando do zen, ele não está aqui. Aqui só estão palavras. Por que os professores falam? Porque é a única coisa que nós temos. 
No oriente há uma atitude que não funciona muito bem no ocidente. Todos vêm, sentam em zazen, tomam chá em silêncio, e “- boa noite”. Mas, no ocidente, não. Eu sou um monge zen ocidental; aqui, todos querem explicações. As explicações são grandes problemas, e basta uma palavra ou uma frase errada para desviamos um aluno para sempre. Então, é muito perigoso falar sobre o zen, é responsabilidade demais. Por isso, é difícil de obter uma autorização para falar ou para ensinar; mesmo entre os monges é assim, os noviços não podem falar, os monges aprendizes não podem falar. O certo é  só aqueles que receberam a transmissão poderem falar. Durante muito tempo, eu falei sem ter a transmissão. Perguntando para meu mestre o que deveria fazer, ele respondeu: “Você tem que atender as necessidades das pessoas, se não houver ninguém, o que vamos fazer?” Mas esse é um grande problema, porque cegos não devem guiar cegos.

sábado, 1 de setembro de 2012

Reencontro

                                                               Ivo Santos Cardoso



Mais um poema de meu mais antigo amigo, sempre lhe digo que ele é um criptobudista:


Reencontro
Ivo Santos Cardoso

Encontrei-me de novo.
Perdido andava de mim.
Desvios, barreiras, vertigens,
beira de despenhadeiro.
Cambaleando sem aprumo,
o abismo, voz de sereia
dos desesperados,

crescia sem solução.
E andei sem rumo.
Agora achei-me de novo.
Olho minhas pernas e braços,
admiro-me de me servirem ainda
eram vassalos de outro senhor,
obedeciam a apelos de outro dono.
Não eu. Que eu não existia quase.
Agora, encontrei-me de novo.
Admiro-me das roupas em farrapos,
cabelos, barba, em desalinho.
Meu retrato, meu espelho da alma
também rota e dividida.
Agora achei-me de novo.
Encontrei-me.
Desenterro o corpo de meus andrajos.
Vejo-me liberto de minha prisão.
Saio. Choro. Queixo-me.
Fui carcereiro de mim mesmo.
Impiedoso.
Algemas nos pulsos,
grilhões nos pés;
canto sufocado na garganta.
Passado teimoso roubou minha roupa de festa,
cobriu-me de andrajos
e mentiu: “É a única que te serve!”
Encontrei-me de novo.
Rasgo e queimo a mentira.
Vou em busca de minha roupa de festa.
(Ah, que saudade... Há tanto tempo em vã espera!)
Seu cheiro de novidade me incendeia. E vou vesti-la já.
Que há música na rua.
Há gente.
Há perfume no ar. Há risos.
E essa festa é minha. E eu não sabia.
Com licença.
Vou à festa.