sexta-feira, 29 de julho de 2016

A proposta do zen é agir no mundo

 
 Eu não escapei da vida sendo monge, até tenho que trabalhar dobrado. No zen você só fica no mosteiro enquanto está em treinamento. O objetivo de ficar lá é sair de lá, porque a ação útil é no mundo, normalmente não é dentro do mosteiro.
Ficar num mosteiro para sempre não tem sentido no zen. Tem sentido nas ordens religiosas em que se acredita que ficando lá e orando você está mudando o mundo. Em certo aspecto é até verdadeiro, mas não é a proposta do zen. A proposta do zen é agir no mundo. O mosteiro também não está fora do mundo, pois se você está no mosteiro e trabalha como cozinheiro você é útil, mas se você pensa que vai para um mosteiro zen e vai ficar lá comendo, meditando e levando uma vida maravilhosa para sempre, você vai descobrir que não é.
 Na realidade não é diferente de um presídio, só com outro clima. Se você está lá parado, esperando, sem fazer nada, esperando a morte, todo dia levanta, varre o chão, come, vai ao banheiro, o que você é? O zen diz que você é uma máquina de fazer estrume.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

A vida é um constante e milagroso fluxo

O eixo da vida de uma pessoa pode mudar, o movimento todo que deixa alguém cansado e arrasado pode mudar, se a cabeça mudar.
Na realidade o eixo do redemoinho é que muda de concepção, mas o movimento que a pessoa faz continua o mesmo. Um monge continua na vida do sansara, continua agindo no mundo do sansara, mas não sai mais da empresa com a cabeça quente, não fica angustiado se vai faltar dinheiro ou não, se vai faltar trabalho ou não. Não há preocupação, tudo vai dar certo.
 Sem querer a vida gira e você desencadeia forças que fazem as coisas acontecerem, parece milagroso se você olha do lado de fora, mas não é. A diferença do sansara e do nirvana é exatamente essa. Nirvana é o mundo sem vento. Sansara é o mundo com muito vento. Nirvana é o puro céu azul. Sansara é o mundo dos redemoinhos.
Você até pode transitar pelos redemoinhos se você olha sabendo que atrás dele tem o puro céu azul. É por isso que o monge disse para o imperador 'eu olho pra você e vejo Buda'. Porque atrás do redemoinho só tem o puro céu azul. (continua)

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Perdendo o interesse pelo Samsara

 
 As dificuldades que surgem a partir da experimentação de eventos como o Kenshô é que as pessoas começam a achar que você tem algum parafuso que não está bem apertado, porque você não está interessado no mundo do samsara, você começa a se interessar no mundo do céu azul. Aquele mundo é que é o mundo real, só que as pessoas que estão no mundo do samsara acham que a realidade é o mundo do samsara, eles acham que a realidade é aquela, e por isso elas não conseguem entender muito bem o que está acontecendo com você.
Então você tem que saber ser suficientemente compassivo para entender o mundo do samsara, sem dizer 'você está enganado, é pura ilusão sua', etc, você tem que dizer que entende. Se alguém diz que está sentindo uma paixão, você diz 'ah, eu entendo, posso me recordar, já me senti assim, eu sei como é, o jeito que você pode lidar com essa paixão é assim'. Você pode ensinar alguma coisa do Dharma para essa pessoa. Você não pode dar a ela, toma aqui o kenshô, toma aqui o samadhi, porque é invisível, a pessoa não pode ver.
 É por isso que se cria a situação em que aquele indivíduo que experimenta e que conhece o kenshô e o satori, ele pode identificar outro indivíduo que também experimentou, porque quando os dois começam a falar  ele vê no outro, instantaneamente, que o outro está vendo, o que ele vê. Então só um Buda enxerga um Buda.
 Há uma história de um mestre que é convidado por um rei, e o rei está com raiva dele porque os súditos estão indo para mosteiros, e ele precisa de soldados, e estava perdendo soldados para os mosteiros. O imperador olhou para o mestre zen e disse: eu estou olhando para um porco. O mestre zen olhou para ele e disse 'eu olho para o senhor, majestade, e vejo um Buda'. E o imperador perguntou como isso. E o mestre zen respondeu que cada um só pode enxergar o seu mundo. É como o ditado coreano: olho de cachorro só vê poste. Se você tem olho de porco só enxerga porcos. Se tem olho de Buda, olha para o outro e enxerga Buda. (continua)

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Pulando para uma compreensão intuitiva

 Quando você pula para uma compreensão intuitiva, e não racional, quando você vê aquela calma, aí você é invadido pela felicidade. Esta felicidade calma é o Samadhi. E você gostaria de ficar com aquilo e não perder mais, mas você perde com grande facilidade, na primeira cogitação você perde. Mas se você continua praticando, treinando, você retorna para isso, cada vez com mais facilidade, até o momento que você aprende como entrar em Samadhi ficando quieto e concentrado e não se desviando, e aí o Kenshô pode começar a surgir com facilidade.
E logo a seguir, o passo seguinte, o kenshô surge só ouvindo o pássaro cantar, andando na rua, fazendo qualquer coisa. Quanto mais você volta a esse estado de kenshô, mais ele se estabelece e fortalece.
Satori é a capacidade de retornar ao kenshô por simples volição, por querer voltar ali. E aí você volta, ele começa a ser muito acessível a você. O seu mundo. E o outro mundo então começa a parecer cada vez mais o mundo da ilusão, o mundo falso, ilusório, o mundo da poeira, do redemoinho, etc... mas o verdadeiro mundo é o puro céu azul, e você lhe tem acesso, enxerga a todo instante. (continua)

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Samadhi é concentrar-se e parar


O que faz a calma? A calma diminui a temperatura que alimenta o redemoinho. Então, se você conseguir chegar a um bom nível de calma tem uma compreensão do que é aquilo, e você não teme que ele acabe. Então não o alimenta com novas paixões.
À medida que você pratica isso, cria uma qualidade calma na sua atmosfera, vamos dizer uma brisa leve, perfumada, clara, um dia tranquilo, desapareceram os redemoinhos, e de repente você é o céu azul, quase não há vento. Então um grande sentimento de felicidade invade você. Calma e felicidade profunda. Não é euforia, não é alegria. É uma alegria muito calma, viciante, você não quer mais sair dali. É um lugar perfeito. Então acontece qualquer estímulo no mundo externo e traz você de volta, de novo, agitação, redemoinho, poeira, eu, qualquer coisa, pode ser seu próprio corpo, fome. Estou com fome, a próxima refeição, quando é, o que será que vai ter pra comer... pronto, está refeito o redemoinho.
 Mas houve aquele momento, aquela felicidade, calma, clara, em você estava no momento presente, tudo parecia perfeito, e você não queria mais sair dali. O momento de concentração de estar olhando sem movimento é o Samadhi, você conseguiu concentrar-se e parar, está realmente no momento presente. (continua)

segunda-feira, 18 de julho de 2016

A arte de descartar os impulsos

O redemoinho também procura satisfazer o seu impulso, ele vai onde há diferenças de temperatura que o alimentem. E nós fazemos isso. Nós andamos pela vida procurando satisfazer os nossos impulsos. Paixões surgem e se esgotam, surgem e se esgotam, surgem e se esgotam.... e você não para de procurar. Isso é o Sansara, o mundo de perambulação. Eu ando para lá e para cá tentando satisfazer o meu impulso, que nem o redemoinho. Quando cessam as diferenças de temperatura o redemoinho morre, não é mais alimentado, desaparece.
O processo é assim, primeiro você compreende intelectualmente. Aí faz zazen, e surge um impulso e você descarta, surge outro impulso e você descarta... surge um pensamento prazeroso, e você mergulha naquele prazer, e fica lá no zazen se comprazendo com aquela história prazerosa, e não sai. Ou mergulha num mundo de torpor e sonolência, e essa sonolência também não permite clareza, você não sai. Ou uma chama qualquer, como uma raiva, excita, e você não sai, porque você continua alimentando o redemoinho.
Então cada vez que o impulso vem, você descarta e volta para o momento presente, que é calma, não está acontecendo nada, a parede está parada na sua frente, o incenso está queimando bem devagar, os colegas estão imóveis, ninguém empurra você, ninguém diz nada, ninguém elogia, ninguém critica, nada, então calma, calma, calma. (continua)

sexta-feira, 15 de julho de 2016

A compreensão intelectual ajuda, mas isso não é tudo


Se nós conseguíssemos tirar o movimento (provocado pelo carma), pronto, voltaríamos a ser o puro céu azul. Então, iluminação é saber isso com clareza, olhar e ver: o eu é um engano. Portanto, toda dor e sofrimento podem desaparecer no mesmo instante. Isso é o que diz o sutra do coração. Quando os bodisatvas vêem isso, então toda dor e sofrimento desaparece. Toda dor e agonia desaparecem com essa percepção, se a percepção for profunda, clara, lúcida. Se for só intelectual é o que está acontecendo aqui na sala agora, eu explico, todo o mundo entendeu, mas continua sofrendo igual porque continua consciente do seu eu, do seu eixo, do seu movimento girando em volta, e assim, como não conseguimos evitar aquele movimento todo, aquele movimento todo sustenta o eu, e aí nós continuamos transitando sofrendo os efeitos daquele movimento, o efeito das paixões. Temos que ir fundo nessa compreensão. O fato de ter uma compreensão intelectual ajuda, eu explico aqui e você pensa 'entendi, é isso mesmo', mas você continua pensando 'eu sou eu, meu movimento continua, e eu continuo sentindo as minhas paixões, desejos e impulsos, etc, porque meu redemoinho continua girando, e levantando poeira e andando sem direção, pra lá e pra cá, não se sabe pra onde ele vai, ele fica procurando satisfazer os seus impulsos'.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Casamento zen budista na Ilha do Papagaio SC

No domingo dia 10 de julho de 2016 foi celebrado o casamento, no ritual zen budista, de Caroline e Luís Cláudio.

O oficiante foi monge Genshô, o cenário deslumbrante foi um bom coadjuvante para a cerimônia emotiva que o rito budista proporciona.

Pela primeira vez cenas de drone foram incluídas no vídeo. A cerimônia zen budista se caracteriza pela ênfase na emoção e na promessa, são os noivos que lêem um para o outro seu juramento pessoal. Neste, o mar como fundo, propicia excelentes metáforas sobre a vida, o tempo, a transitoriedade e o amor.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Somos o puro céu azul

Todo o sofrimento, toda a ilusão,  é provocado pela ignorância do fato de que nós não temos um eu inerente. Ignorância dessa clareza, dessa lucidez, que nós conseguimos ter em relação ao redemoinho, que é um fenômeno simples. Nós temos lucidez se eu explico que na verdade o eixo é uma aparência provocada pelo movimento do redemoinho, mas ele não existe por si mesmo, ele só existe por causa do redemoinho. Se você retira o redemoinho, não há eixo. Na realidade há de novo atmosfera ou puro céu azul. Então, o que nós somos? Nós somos o puro céu azul, nós somos a atmosfera. Não somos o redemoinho. Os redemoinhos são fenômenos de aparência provocado pelo movimento. Qual é o movimento? O movimento cármico. Porque há carma, há ação, reação, consequências, então levanta-se poeira. Porque levanta-se poeira, há a noção da existência de um eu. De modo que cada um que está sentado aqui é um redemoinho cármico se manifestando nesse universo, seu eu é uma aparência ilusória e todo o sofrimento então, tudo o que o eu sofre, todas as paixões, faltas, desejos, impulsos, frustrações, morte, nascimento, tudo isso não passa de uma ilusão causada por esse movimento do carma.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Terra Pura é terra feliz

Nós compramos um alimentador de pássaros e colocamos pendurado numa árvore no jardim, então todos os dias de manhã agora, eles, exigentemente, pedem a ração. Vou lá e coloco a caneca de ração e se juntam canários, rolinhas, todos os pássaros festejando alegremente, fazendo o jardim ficar cheio de pássaros. Eu estava observando isso junto com o Monge Komyô e brinquei: “ah, queria esses pássaros para mim, vou construir umas gaiolas e vou prendê-los”. Esse é um pensamento tão comum na humanidade, mas é tão absurdo quando a gente fala. Você só precisa jogar um pouco de cereais e de repente seu jardim está cheio de pássaros, não precisa prendê-los e depois nem tem gaiola para limpar. Você só deu, não tentou manter nada para você. No fundo esse é o segredo da felicidade sobre o qual Buda fala da Terra Pura. Terra Pura é terra feliz, onde não há mal algum. Ele diz que: uma mente que não se apega a nada está na Terra Pura.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Amar é diferente de apegar-se

Na seção dez (do Vajracchedika Sutra), “a edificação das Terras Puras”, Buda continua: “então, Subhuti, todos os bodhisattvas, grandes e pequenos, deveriam desenvolver uma mente pura e lúcida, e não deveriam prender-se a som, sabor, toque, odor, ou qualquer qualidade. Um bodhisattva deveria desenvolver uma mente que não se apega a nada e nesta atitude seu caminho deve se estabelecer”. Ele dá uma grande instrução de como nós deveríamos tratar nossos pensamentos, deveríamos não nos apegar a nada. Isso não quer dizer não amar, porque existe uma diferença entre amar e apegar-se. Ao apegar-se, surge a vontade de querer para si. Eu estava fazendo uma entrevista e alguém brincou que tinha um filho e há um tempo atrás nós tínhamos falado sobre o medo de perder um filho, como isso o angustiava, eu perguntei “e agora?”, e ele respondeu: “está em casa e vai ficar até os 50 anos”. Essa brincadeira mostra bem como nós somos. O apego é isso: eu quero um filho, mas não quero que ele se realize, não quero que ele vá embora, que se case, que se mude, que ele corra algum perigo, queria conservá-lo dentro de uma redoma em casa, ele seria um não ser, mas seria meu. Isso não é amor. (continua)

quarta-feira, 6 de julho de 2016

A realidade é voltar para a natureza fundamental

Se alguém diz que Buda reencarnou está dizendo uma grande tolice, porque por definição Buda extinguiu-se e essa é a realização dele. A realização não é continuar, não é ir para o jardim celeste encontrar mamãe. A realização é ser um com todas as mães que já despertaram, é voltar para a natureza fundamental, por isso a pergunta do Paulo tem sentido, o cristianismo diz: unir-se com deus, e isso é a mesma coisa. Só não usamos, no budismo, esta palavra “deus” porque ela está cheia do conceito de personalidade, de individualidade, de um criador, de um ser separado. Convencionou-se usar no budismo a palavra vazio, mas vazio não é nada, tão pouco é alguma coisa. Então, como diz o Sutra do Coração: “o vazio se manifesta na forma”, nós somos manifestações do vazio, nós somos formas. É assim que o vazio se manifesta todo o tempo. Uma imagem que eu gosto de usar é: o mar se manifesta com ondas, se você tirasse todas as ondas com uma lâmina muito fina, imediatamente embaixo haveria uma nova camada que ondularia e teria de novo aparência, porque a única maneira dele se manifestar é tendo superfície. Você pode tirar a superfície, mas sempre há outra superfície. Nossa perdição é a nossa autoconcepção de estarmos separados, se não estivéssemos separados seríamos a totalidade e não somos a totalidade porque acreditamos na nossa ego entidade. Esse é todo o tema fundamental do Sutra do Diamante, que corta as ilusões. (continua)

segunda-feira, 4 de julho de 2016

O que um Buda deseja é não retornar, porque retornar é que é a condenação


Pergunta: Mas, Monge Genshô, há uma coisa maravilhosa nessa ilusão que nós tentamos reproduzir no computador e não conseguimos. No computador temos joguinhos em um mundo virtual que é bem mais fácil e menos complexo que este em que vivemos. Criar um jogo desses é dificílimo, mas esse nosso aqui é ainda mais difícil, ainda mais maravilhoso. Então pergunto: esse não nascido, essa natureza fundamental ganha algo por estar aqui? Ela evolui com isso? Por que está aqui? Tem um evolução nesse processo?
Monge Genshô:
Só está aqui, porque nós estamos aqui para perguntar. Só isto. Nós estamos aqui para perguntar por que ela está aqui e por isto ela está aqui. Na verdade não tem propósito nenhum. Isto é só a vida se manifestando, não somos nós que vivemos a vida, a vida é que nos vive. Se procurarmos um sentido para isso nós não vamos achar, porque na realidade isto é perturbação. No fundo só há o puro céu azul, o oceano e o universo. O resto todo que nos parece tão precioso, tão elaborado, tão jogável, tem a mesma consistência dos redemoinhos e quando acaba o calor ele desaparece. O que um Buda deseja é não retornar, porque retornar é que é a condenação. Nós pensamos em ser, viver, amar e não vemos como isso tudo é uma condenação, porque não lembramos. Se cada um de nós lembrasse 500 vidas ficaria arrasado. Quantos sofrimentos tivemos, quantas mortes, quantas perdas, quantos filhos, quantos pais, mães, etc. Seria insuportável lembrar de tudo. Para muitas pessoas a memória desta vida já é insuportável. Eu já gostaria de me livrar de tantas memórias. Então, este movimento, este redemoinho e o próprio manifestar-se é o contrário da iluminação. A iluminação é a extinção da energia do carma que nos força a nos manifestar. (continua)

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Para estarmos aqui, houve karma e movimento

A vida é ter carma, movimento, impulsos que geram redemoinhos, que geram novos redemoinhos, que geram outros, repetindo sempre. Alguém aqui lembra sua vida passada? Não. São todos novos redemoinhos, mas nós sabemos que para estarmos aqui houve carma e movimento, senão não estaríamos aqui. Houve coisa do passado que veio e que se manifesta aqui e agora. Nós somos assim: movimento. Então nós somos redemoinhos. Mas na verdade, mesmo, nós somos o puro céu azul. Como não enxergamos isso, somos condenados a sermos redemoinhos repetindo redemoinhos. (continua)