terça-feira, 31 de julho de 2018

O objetivo essencial é o despertar



"Uma coisa importante que precisamos evitar é que as Sanghas, ou as instituições budistas, sejam cooptadas pelos que desejam instrumentalizar o budismo para defender objetivos ideológicos ou de fundo partidário, este tipo de tentativa, vez por outra ressurgente por tendências extremistas de qualquer cor, tende a criar debates, facções e cisão nas comunidades budistas, o objetivo essencial de despertar não pode ser abandonado em favor de ideologias transitórias, é o ensinamento de Buda, este permanente, que precisa ser preservado."

da entrevista de Monge Genshô publicada na Revista Bodisatva n. 30

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Tolerância





Aluno: talvez para a mente ocidental seja mais fácil  reconhecer as diferenças.

Monge Genshô: não  existe essa coisa de mente ocidental e mente oriental. No oriente é muito frequente esse pensamento tribal e racista. Portanto, é mais provável que estejamos diante de uma característica humana. 

Civilização vem do termo "civis", de cidade. Significa que você deveria aprender a ser tolerante. Isso já aconteceu no passado, em muitas sociedades. A exemplo, o Irã já foi famoso por ter uma civilização onde cristãos, muçulmanos, zoroastrianos e budistas podiam conviver em conjunto e sem oposição.

A ênfase na diferença ou na exclusão do outro sempre começa com algum radicalista, mas os grandes momentos de convivência das religiões e pensamentos diferentes são momentos fecundos para a cultura, como aconteceu na Espanha islâmica, que foi um período brilhante, ou como aconteceu no Irã, há 500 anos.

Mas infelizmente nós vimos surgir radicalismos excludentes, o pensamento de que se deve excluir a religião do outro, a raça do outro. Nós vemos isso ressurgir fortemente no século XX. Para Buda foi o contrário: ele tentou eliminar os conceitos de diferenças entre as castas e entre os gêneros, admitindo como monges pessoas de todas as castas, inclusive dos párias hindus, que eram os intocáveis (eles não podiam ser tocados, pois aquele que o fizesse tornava-se impuro). Buda ordenou as mulheres monjas e Mestras, coisa que se nós olharmos nas grandes religiões mundiais é único - só o budismo tem essa característica de considerar teoricamente as mulheres e os homens iguais. E eu digo teoricamente porque na prática não foi assim, pois foi contaminada por fenômenos culturais de discriminação. De qualquer forma, os textos e exemplos dos Mestres não endossam isso.


sexta-feira, 27 de julho de 2018

Somos Desiguais





Aluno: as coisa são diferentes, as pessoas são diferentes, um animal e um humano não podem conviver na mesma casa, então o ideal é compreendermos as diferença. É diverso de dizer que somos todos uma coisa só. Mas essas diferenças seriam impermanentes.

Monge Genshô: são impermanentes, mas no mundo relativo elas são significativas. Por exemplo, as mulheres vivem mais que os homens, e isso é um fato e deve se refletir na organização da sociedade. Um homem pode ter 10 mil filhos, uma mulher pode ter 20 filhos - é muito diferente. Então existem diferenças significativas entre homens e mulheres, existem diferenças e elas têm que ser vistas. Contudo, se formos um pouquinho mais fundo, do ponto de vista absoluto somos uma coisa só. A humanidade não vive sem homens e mulheres, você não pode querer excluir um lado.

Nós talvez estejamos vendo as coisas de forma torcida por conta dos discursos: “ah, são iguais, vamos tratar todos como iguais”. Não é verdade que somos iguais. O que o budismo diz é que somos interconectados e interdependentes, que nós dependemos um do outro, que não podemos excluir o outro. A torcida inglesa não pode excluir a russa. Só existe jogo porque existem times, e, se eles se destruírem, acaba até o interesse pelo esporte em si, embora a competição em si seja, a meus olhos, um pouco tola, porque é uma ritualização da guerra. Simbolizamos e então se tornou uma guerra civilizada. As pessoas esquecem a civilização e entram numa guerra aberta.

São muitas distorções de pensamento que interferem na nossa relação com o mundo. Por exemplo, há pessoas que apreciam o canto de um pássaro, e por isso o aprisionam em  uma gaiola, isso é cegueira humana, não tem sentido nenhum. 

quarta-feira, 25 de julho de 2018

O Individualismo Ocidental



Aluno: Sensei, parece-me que muito da cultura da diferença vem no sentido de ressaltar as diferenças - desde os meninos com relação às cores, aos brinquedos, até nas relações de trabalho, onde eu sou diferente porque eu faço o que meu colega não faz. Parece que tudo é construído no sentido de tipificar as diferenças...

Monge Genshô: veja que isso se opõe à noção de unidade. Você se senta em zazen e a instrução é: "eu e todas as coisas somos uma coisa só". Contudo, não sou só eu e os outros homens, não é "amai o próximo como a si mesmo", mas sim todos os seres: as pedras, as árvores, o planeta e o que você imaginar. Não há nada que não seja parte de você.

Isso está dentro do ensinamento budista, porque todas as coisas são interconectadas e interdependentes. Você não vive separado de nenhuma delas, você não vive sem o ar, você não vive sem as plantas, não vive sem  água, não vive sem os animais. É um grande erro pensar que está separado de tudo.

A visão anterior era uma visão antropomórfica, de um mundo em que o homem não tinha poderes para alterar. Então a mata era inimiga, os leões e as cobras eram inimigos e os outros homens da outra tribo eram inimigos, pois todos disputavam o mesmo espaço. Já que era assim, a visão ficou individualista, e a característica na nossa arte ocidental era ser antropomórfica, voltada para o homem, colocando-o em primeiro lugar. Qual é o quadro mais famoso do ocidente? A Monalisa. E o que é este quadro? É uma mulher, mas tem uma paisagem atrás. Veja: a paisagem é só o fundo. Já os quadros artísticos do oriente têm o homem pequeno, inserido em uma grande paisagem.  

Enquanto a unidade e o compartilhamento são deixados de lado e cedem espaço à diferença e à separação entre o homem e o mundo e entre o homem e seus semelhantes, a tradição pictórica do extremo oriente coloca o homem como parte da natureza, e não como o dominador dela. A natureza não é apenas um detalhe, algo que ele dominou, algo que ele domesticou. Vejo as diferenças dos jardins ingleses ou franceses, em que tudo é ordenado, tudo é feito de uma forma humana: o homem interferiu completamente. Quando vemos um jardim tipicamente zen, ele não é assim, mas tenta parecer que foi espontâneo. Ele é uma miniatura da natureza, e a interferência humana faz força para não parecer que é interferência - até o musgo é colocado embaixo das pedras e nas árvores.