segunda-feira, 31 de agosto de 2015

APRENDENDO A SENTAR EM ZAZEN (Zazen Parte I)




Eu vou falar sobre o zazen. O zazen, de certa maneira, é como morrer. Você senta em zazen e desliga, esquece memória e esquece imaginação sobre o futuro. É isso que você tem que descartar. Eu sei que é muito difícil. Então, o que acontece quando a gente senta em zazen, e deve ter acontecido com vocês, é que você senta e aí percebe que a sua cabeça não para e pensa: “minha cabeça não para, eu não consigo fazer zazen”. Esse é o problema de todo mundo. Todas as pessoas tem o mesmo problema. Você tem que usar a técnica e tentar, com o corpo, ancorar a mente. Então você para completamente, imóvel, e deixa que o corpo ancore o universo inteiro. É como se você fosse o centro de todas as coisas, de todo o universo. 

Mas a sua consciência está limitada a você na sua vida diária, só “eu, eu, eu”, “meus” pensamentos, “meus” problemas. Então você tem que esvaziar isso. Para isso, a primeira coisa é, sentar-se e relaxar todos os músculos do rosto. Então, os músculos da testa, todos os músculos que se contraem com a expressão, devem relaxar. Isso resulta num rosto muito tranquilo, e parece realmente que morreu ali, porque tudo parou, todas as reações pararam. Você tem que fazer isso, relaxar. 

Depois observe os músculos dos ombros. Às vezes eu passo atrás e tem pessoas que visivelmente estão tensas. Quando for dor, tente levantar os ombros e depois baixa-los. Às vezes é preocupação. Quando nós tocamos atrás, nos ombros das pessoas, quando tem preocupações de trabalho, financeiras, normalmente o lado direito está contraído. E quando é assunto emocional é o lado esquerdo que se contrai, afetivo. Então a gente pega a pessoa e diz, “ah, você está assim, tem um problema amoroso”, não tem nenhuma mágica, simplesmente é perceptível quando a tocamos.

Mas quando você se senta, o que tem que fazer? Conscientemente, todos os reflexos do corpo, você tem que relaxar, afrouxar. O mudra universal é como se ligasse você ao universo inteiro. Seus dedos estão se tocando levemente. Se você pensa, ou se preocupa, os dedos apertam, as unhas ficam brancas, e os dedos sobem. Se você se deixa tomar por um torpor ou uma sonolência, os dedos caem. Se você pensa muito, os dedos até se separam, vai um para um lado e outro para outro. O professor passa e olha o mudra e, “ah”. Ele está dizendo “isso”, o professor sabe. Então depois tem uma entrevista, ele pode dizer ao aluno: “está acontecendo isso com você”. Eu já vi alguém dizer: “ele lê pensamento”. Não. Ele lê mudras e corpo. As suas costas mostram o que está acontecendo com você, e o corpo é reflexo da mente. Quando uma pessoa não consegue parar, isso é a mente. Ontem sentou alguém aqui pela primeira vez e vi que era impossível para ele parar, coça nariz, ajeita a blusa, etc, é uma mente que não parava. Como a mente não para, o corpo não para. 

Então, no Zen, nós fazemos o contrário. Eu não vou conseguir parar a mente, então, eu vou parar o corpo, e assim eu vou atingir a mente, eu vou conseguir atingir a mente. Por isso, sem a prática do zazen fica muito difícil, porque você fica preso na teoria.
(continua)

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Niilismo e Eternalismo



Monge Genshô: Nosso corpo não é diferente do armário, ele é construído de agregados, oxigênio, hidrogênio, ferro, cálcio, fósforo, um monte de coisas. São esses agregados, juntos funcionando, que dizem a si mesmo: “eu sou”. Nós queremos que este “eu” seja permanente, mas nada no mundo é permanente, nada, nada é permanente.

Vejam, o que as religiões tentaram foi negar o próprio tempo, a própria duração do universo, porque o paraíso é para sempre, é eterno. Até o inferno, por exemplo, no cristianismo, é para sempre, é eternidade, castigo para eternidade, castigo infinito. Você comete um pecado e vai para o inferno infinitamente. Não parece muito justo, porque o pecado é limitado, ele não é infinito, mas por quê o castigo do pecado é infinito? Filosoficamente, me parece um pouco exagerado.

Mas para o budismo está claro, não existe nada eterno, nem o universo é eterno, ele é cíclico. Tudo está sempre girando, começa, termina, começa, termina. Ambicionar a eternidade é querer contrariar o fluxo natural da vida. É por isso que no Zen vem pouca gente, porque vamos lá e dizemos isso para as pessoas, mas o que as pessoas querem é ser eternas. Eu quero que ”meu eu” seja eterno, “eu” quero ir para um paraíso eterno, elas vão aos casamentos e juram amor para sempre. O que é tolo, porque nenhum amor dura para sempre. Na melhor das hipóteses os dois morrem juntos. Por que todo mundo está rindo? (risos) Porque na realidade, percebemos a verdade evidente, tem algo de ridículo no comportamento humano de desejar a eternidade. Não têm? Parece um conto de fadas, “e foram felizes para sempre”. Mas é o que nós gostaríamos.  E está tudo metido nesses mecanismos mentais em que nós queremos nos iludir e nos esconder, o budismo vem e joga isso na cara, aí vai todo mundo embora. Ficam só vinte pessoas para sentar em zazen, porque você coloca a pessoa para olhar a parede e ela vê a verdade. Eu estou respirando agora, mas eu vou respirar quanto tempo? Um dia eu vou respirar pela última vez.

Aluno: Me parece uma ideia que ao meu ver acaba num niilismo, se você não observar uma essência, não digo um eu ou personalidade, mas uma essência que já vem de tempos.

Monge Genshô: Você quer um eternalismo, uma essência permanente.

Aluno: Algo que sobreviva a esse niilismo, ao nada, morreu acabou...?

Monge Genshô: Veja bem, ninguém falou em “nada”. Quando em falei que uma gota se dissolve no mar, eu não disse que essa gota deixou de existir. Então não é niilismo. Tem duas coisas que Buda negou: o niilismo, ou seja, o nada, e o outro extremo, que seria o o eternalismo. São dois extremos que o budismo nega, o eternalismo, que é o que eu narrei, que é desejar a eternidade das coisas, e o niilismo, ou seja, nada existe, nada veio de lugar nenhum, nós não somos nada, ou desapareço e não sobra nada. Não é verdade. Sobra carma, tem continuidade, você pertence ao universo e nós continuamos, assim com as gotas d´agua continuam no oceano. É que na realidade nós não somos gotas separadas, nós somos “O” oceano. Por não enxergar que você é o oceano você sofre, por saber que seu estado de gota vai desaparecer, você vai se transformar, vai virar vapor por exemplo, se é nuvem vai virar chuva, se é agua no solo vai virar folha ou vai estar dentro do corpo de alguém, mas não é niilismo. Portanto, a palavra niilismo que você usou está errada, correto? Então o budismo é o caminho do meio, “Madhyama Pratipad”, em sânscrito, é isso que que dizer, nem niilismo, nem eternalismo.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

A Interdependência



Aluno: Os conceitos de vazio e o conceito de interdependência eles têm relação (são a mesma coisa)?

Monge Genshô: Não. (Não são a mesma coisa) O conceito de vazio está muito ligado a “anatta”, a negação de um eu. O conceito de interdependência, interconexão, está ligado exatamente ao fato de que nenhuma coisa é independente, todas são ligadas, dependentes. Nada existe isolado. Essa coisa existe porque aquela existe, porque aquela existe. Nós somos seres constituídos de átomos muito antigos, átomos de ferro que andam no nosso sangue, que enferrujam no pulmão, e levam oxigênio para as células e trazem dióxido de carbono, etc e tal. Esses átomos são velhíssimos, muito, muito velhos. Eles são anteriores à existência da Terra.

Nós somos dependentes desse universo. Completamente. Nosso funcionamento, como vida na Terra, é dependente das plantas, dos outros animais, uma coisa está amarrada na outra, e se não fosse uma, a outra não sobreviveria. A Terra parece, na verdade, um acidentalismo cósmico raríssimo. Ela parece isso, parece uma coisa muito rara, nós olhamos em volta e não vemos nenhum lugar onde a vida possa se tornar complexa. Embora nós tenhamos a esperança de encontrar vidas em outros planetas, provavelmente será vida primitiva. Vida sofisticada parece tão rara no universo e tão afastada de nós, que é difícil de encontrar.

Isto o budismo sempre disse, que a oportunidade de nascer como ser humano é raríssima. Se nós olharmos a quantidade de espécies que já surgiram na Terra, há uma estimativa de mais ou menos 30 bilhões de espécies diferentes. Algumas são muito mais abundantes que a nossa, pra cada um de nós, tem um milhão e meio de formigas por exemplo. Mas desses 30 bilhões de espécies diferentes, cada espécie de formiga é uma espécie, e os homens só têm uma espécie que sobreviveu, então, de 30 bilhões só há uma que chegou a esse ponto de se reunir, sentar e perguntar: “Quem eu sou? Sou eterno ou não? Como é que é o fim das coisas?”. Só essa espécie desenvolveu essa angústia existencial, só essa conseguiu olhar para si e dizer isso.

Seria muito interessante encontrar outros. Mesmo sendo a Terra pequena, em geral, as pessoas não sabem nada do budismo. O budismo parece uma coisa muito estranha e completamente fora da vertente das religiões, porque ele diz o contrário, ao invés dele dar apoio, porque as pessoas vêm procurar apoio nas religiões, o que o budismo, especialmente o Zen faz? Tira, tira o apoio. “Ai eu queria tanto continuar, queria tanto que você me dissesse que eu vou continuar”. E ai você vêm e diz: “Mas por que você acha que vai continuar se você não sobrevive nem mesmo a uma doença?”. Só pode continuar alguma outra coisa, seus impulsos e seus atos,  mas SE continuarmos, você vai se manifestar de novo como criança e vai dizer assim: “Quem eu sou?”, e sua mãe vai dizer: “Você é Sofia”, e você: “Ah, sou Sofia, meu nome é Sofia”. Qual é seu nome? “Sofia”. Agora você vai ser Sofia, mas antes disso estava completamente esquecida.

Você se lembra da sua vida anterior? Há algumas especulações sobre o fato de que crianças pequenas (tem um livro especulativo, embora seja ligado a pessoas da medicina) têm memórias. Então listam 60 casos de crianças narrando histórias: “na minha vida pregressa eu estava em tal lugar, era assim”. Vão a tais lugares e elas descrevem esses lugares, ou até localizam pessoas que conheceram, etc. Mas, mesmo com esse tipo de relato nós não temos uma evidência concreta para verificar. Eu “tendo” a achar que faz sentido. Pelo menos dentro do budismo faz sentido. Mas com certeza, aos quatro anos, o cérebro sofre uma espécie de reprogramação, onde a memória dos quatro primeiros anos é apagada e começa de novo. Parece que todos passam por isso. Em todo caso, eu não conheço pessoas adultas que relatam sua vida anterior com alguns laivos de verossimilhança. Normalmente encontramos pessoas que dizem que fizeram regressão ou hipnose e era “Cleópatra”. Já devo ter conhecido umas quatro ou cinco. Eu contei para vocês, esses dias um rapaz escreveu dizendo que ele era o “Rei Ricardo, Coração de Leão”. É bastante interessante, eu estou aguardando um que vai me escrever dizendo que era uma criminoso sem vergonha, fui executado, torturado. Sempre eram reis ou rainhas.

Por outro lado, apesar de conceitos separados, interdependência e vacuidade tem entre si o fato de que os fenômenos não existem por si mesmos, dependem um do outro, não são isolados como disse há pouco, desta forma podemos dizer que é condição da vacuidade de um eu o fato de que todas as coisas são ligadas entre si, respondo "não" para que não se pense que estes conceitos são uma mesma é única coisa.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O vazio



Aluno: O eterno é só o vazio mesmo?
Monge Genshô: O que é o vazio?

Aluno: Na verdade é mais fácil perguntar o que não é o vazio, o universo, nós somos todos manifestações do vazio, certo?
Monge Genshô: Não, nós não somos manifestações do vazio.

Aluno: Da forma que o vazio tomou...
Monge Genshô: O vazio não tomou uma forma, ele não é uma coisa.

Aluno: É difícil explicar.
Monge Genshô: Nós usamos o termo “vazio”, que vem de “shunya”. Esse é um erro constante, de nós transformarmos o vazio em algo. O que eu disse foi: o armário é vazio de um “eu armário”. Na realidade ele é um conjunto de agregados, quando nós dizemos “armário”, eu estou atribuindo um “eu” a ele. Neste momento, um estado, mas quando eu digo “Zuleica”, estou atribuindo a ela uma identidade, mas na realidade Zuleica é vazia de um “eu”, assim como o armário também é vazio de um eu. Todas as coisas são vazias de um “eu” inerente. Esse “eu” é só um atributo que nós damos para poder lidar com as coisas, para poder entender.

Um carro anda, funciona, ronrona, faz som, consome gasolina, não é? Sai da fábrica, nasce, morre, enferruja, é transformado. Damos até um nome pro carro, não damos? Tem gente que fica triste quando o carro estraga, mas na verdade o carro é uma soma de agregados, de peças às quais, juntas, arrumadas de determinada forma, nós chamamos de carro. Mas um carro é vazio de um "eu". Nós damos um número a ele, colocamos um chassi, registramos, damos documento pra ele, não é? A certidão do carro. Mas ele é vazio de um eu, assim como nós também somos vazios de um eu. Mas usamos um eu para andar no mundo.

Então, todas essas formas são vazias de um eu. Isso é que é o vazio. Então o vazio são as próprias formas e as formas são todas vazias. De que? De um “EU”. Assim, o vazio não é uma coisa, nada brota de uma coisa chamada vazio. Vazio não é a descrição de uma divindade ou coisa assim. Aliás, no budismo, como nós sabemos, não existem divindades. Vocês podem achar textos que dizem “os deuses”, mas os deuses o que são? Manifestações cármicas de um nível melhor, mas também decaem e morrem. Alguns são tão poderosos, sábios etc e tal, tão orgulhosos, que acreditam que criaram o mundo.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Apenas Caminhe


(continuação)
Pergunta – Pela forma como o senhor expôs “O pico da montanha”, me parece que os objetivos não têm tanta importância, que eles são de certa forma um guia, mas a escalada é que conta mais?

Monge Genshô – A vida se mostra a cada passo. Então, à medida que nós vamos indo num caminho, se nós ficarmos presos num objetivo, isso vai ser ruim. É bom ter um objetivo, uma meta, porque isso nos cria uma certa direção, isso a gente faz constantemente nas empresas e criamos planos, é frequente pra mim. Mas as pessoas se reúnem, acontece algo inesperado e aí, o que vamos fazer? Vamos fazer de acordo com o inesperado, não adianta nos lamentarmos muito.

Eu gosto muito da história de Thomas Edison quando o laboratório Menlo Park pegou fogo, ele chamou toda a família pra assistir, e disse: “venham, venham, vocês nunca vão ver um incêndio como esse!”, cheio de produtos químicos de laboratório, um tremendo de um incêndio. E ele naquela alegria, e era o laboratório dele, era a vida dele, tudo o que ele tinha construído até então. E a mulher perguntou: “mas você não está chateado que está pegando fogo em tudo o que você fez até agora?”, e ele respondeu: “estou pensando no laboratório que eu vou fazer agora, um novo, vou fazer tudo melhor, os erros que tinham nesse não vão existir mais”. Ele já estava planejando na cabeça dele que iria fazer um muito mais espetacular do que o laboratório anterior. Então essa é a cabeça de Thomas Edison, por isso ele registrou milhares de patentes, porque estava sempre pensando em uma nova solução. Essa era a mente dele. Não estava preso num objetivo anterior ou no que ele tinha anteriormente, mas estava pronto a mudar de ideia. Pegou fogo? Ah, que oportunidade, o que nós vamos fazer agora?

Isso diz muito sobre o caminho, o caminho é assim. Quando você caminha na vida é assim, que bom que tem mudança. Quando nós nos agarramos demais e ficamos a lamentar aquilo que acabou, nós não estamos vendo as grandes oportunidades que estão aparecendo. Por isso o pico da montanha é aqui e agora.