quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Sei como foi sua vida na manifestação passada



Pergunta – Se cada pessoa que morre e não se ilumina gera uma nova manifestação, como pode a população mundial aumentar, não deveria se manter estável, ou até mesmo diminuir, considerando que alguns se iluminem e se extinguem?

Monge Genshô – Existe muita vida na Terra. A oportunidade de nascer como ser humano é rara e existe muito carma tentando se manifestar como ser humano. Se observarmos, existem muitas pessoas que são não muito diferentes de animais e agem criminosamente e por instinto. No Budismo Tibetano há uma história de uma argola flutuando no oceano, de cem em cem anos uma tartaruga sobe à superfície para respirar. A oportunidade de nascimento humano é a mesma de que em uma das vezes que ela suba para respirar enfie a cabeça na argola. Não é obviamente uma questão de uma alma procurando um corpo pois, se assim fosse, poderia surgir a pergunta “onde está a fábrica de almas”? No catolicismo existe um Deus que faz uma alma para cada ser que nasce. Para o Budismo tudo é manifestação cármica.

Pergunta – Não sei se é assim que se fala no Budismo, mas dependendo da pessoa e de sua missão, a alma poderia se fragmentar?

Monge Genshô – Poderia haver manifestação múltipla, mas o conceito de missão não existe no Budismo tampouco o de alma.

Pergunta – Mas todo o carma que ela tem que cumprir na Terra, por exemplo...

Monge Genshô – Não existe um carma a ser cumprido. Somos apenas consequência. As coisas apenas sucedem naturalmente e todos os efeitos têm causa. Não é objeto de estudo do Budismo esse tipo de especulação sobre almas, o que veio antes, o que virá depois ou se existe uma missão ou não. Nada disso é verificável e o Budismo não perde tempo explicando coisas que não podem ser comprovadas. O que interessa ao Budismo? Que temos mente e sofremos e que existiu uma causa pregressa. Qual foi exatamente?  Não sabemos e não temos como verificar logo não interessa. Toda religião que tenta dar respostas à esse tipo de perguntas acaba criando dogmas e essa não é a postura do Budismo. Mas eu sei como foi sua vida anterior e posso lhe revelar se você quiser saber.

Pergunta – Como foi?

Monge Genshô – Muito parecida com a vida que você tem agora. Você veio com os mesmos impulsos, mesmos desejos e apegos de que não se livrou em sua manifestação anterior.

Nenhum todo com o qual se unir



Pergunta – Se formos levar ao pé da letra o termo “Shikantaza” (apenas sentar-se), de onde viria a motivação para sentar em meditação?

Monge Genshô – No início você senta por causa do sofrimento, porque tem alguma angústia existencial ou está a procura de algo, esse é o primeiro movimento das pessoas, quase todas vem com uma mentalidade aquisitiva. Shikantaza é apenas sentar sem tentar adquirir nada, adquirir algo da meditação é materialismo espiritual. Muitos chegam aqui com desejos de serenidade, paz, calma ou felicidade, isso é um desejo de adquirir algo e é um impeditivo para o despertar, pois você trouxe a mentalidade aquisitiva para a prática espiritual. A verdadeira prática espiritual é uma desistência. É muito bom quando o aluno diz que não sabe mais porque senta, mas isso é muito sutil, pois as pessoas normalmente praticam para obter algo, algum mérito. 

Pergunta – Seria porque o ato de adquirir sugere trazer algo de fora para dentro? E isso não é adequado, pois não há a necessidade de se trazer nada?

Monge Genshô – Por ser um ato egóico. Até poderia ser visto sob esse aspecto, mas não é por isso. O ponto principal é que o “eu” é uma ilusão e a partir do momento que você deseja adquirir coisas para ele, você está apenas reforçando essa ilusão. O desejo de adquirir coisas espirituais também é para seu “eu”. “Eu quero ser santo”, “Eu quero ser puro”, “Eu quero ser uma pessoa respeitada e admirada”, todas essas coisas que são para o “eu” são materialismo espiritual. Esse não é o verdadeiro sentimento elevado, a vida espiritual é morrer para si mesmo, é esquecer-se de si mesmo. 

Pergunta – Esquecer-se de si mesmo no sentido de se juntar ao Todo, se sentir o Todo?

Monge Genshô – Não há um todo com o qual se unir. Se você pensa “eu sou o Todo” ainda está pensando em um “Eu”.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Vencer os outros


Pergunta – Hoje está chovendo e muitas pessoas dizem que é um tempo feio. Isso simboliza mais ou menos o que o senhor estava dizendo, pois muitas vezes em nossas vidas as coisas não acontecem como se espera. Aceitar as coisas como realmente são é aceitar a imperfeição?

Monge Genshô – Essa noção de perfeito e imperfeito, bonito ou feio, certo ou errado, do ponto de vista do Zen não acontece. Só percebemos o bonito porque existe o feio. Eles são interdependentes e não estão separados. As coisas tais como são, são integradas. Dividir as coisas em certo e errado, bom e ruim, perfeito e imperfeito, implica em uma mente dualista.

Pergunta – Se tenho a intenção de fazer algo bem feito, mas não consigo realizar desta maneira, qual o julgamento disto?

Monge Genshô – O perfeito depende do imperfeito, não podemos pensar em perfeito, pois o perfeito tem dentro de si o imperfeito. É como o jardim bem varrido. A perfeição do jardim bem varrido está no fato de existirem algumas folhas caídas. É como alguém que não quer ter um gramado porque ele está sempre crescendo, tem que cortar a grama mensalmente, tem formigas, ervas daninhas, então para resolver esse problema ele manda cimentar o pátio, desta forma ele tem realmente um pátio perfeito. Horrível, mas perfeito.

Pergunta – Eu entendo que passa a ser totalmente mecânico, por exemplo, uma busca por marcas em nível de competições, como fica esse aspecto da imperfeição numa competição?

Monge Genshô – Esse aspecto de competição esconde algo muito ruim, que é um grande ego, um desejo de ser melhor e de destaque. Isso como temos visto, pode levar a uma grande doença. Vejam as olimpíadas que começando como atividade essencialmente amadora tornou-se uma competição de tal nível que os atletas desde crianças são preparados sob um treinamento rigoroso que beira uma verdadeira tortura para chegarem aos primeiros lugares. Drogas são ilegalmente usadas para melhorar desempenho. Então, o que começou como disputa totalmente amadora tornou-se uma disputa egóica entre países e pessoas. Muitas pessoas perderam suas vidas,  como acontecia na Alemanha Oriental onde as atletas eram submetidas a tratamento com hormônios masculinos, transformando totalmente e de forma definitiva seus organismos. O ganhar, o vencer os outros, tem dentro de si uma doença. É uma manifestação doentia do egoísmo. Esta não é uma busca de perfeição desejável, pois leva a uma loucura. Tudo tem um limite. O que todos deveriam estar fazendo é se perguntado o que é a felicidade? Como é ter uma vida feliz? Mas mesmo isso tem um limite. A busca da iluminação é algo desejável, mas sentar-se no zafu até que suas pernas percam as funções e você ficar paralítico é loucura. Desejar tornar-se uma pessoa perfeita também é loucura. Não estamos atrás de um jardim cimentado. Estamos atrás de algo belo, uma expressão da vida e isso inclui perfeição e imperfeição. Para o zazen é necessário uma postura firme e ereta, mas se alguém cansa e se curva, dorme ou troca de posição, não devemos falar nada. Somos seres humanos e desta forma devemos nos expressar, isso significa que somos imperfeitos e essa imperfeição é muito bonita.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Bia Jikihô: vou ser monja

                     Bia Jikihô escreveu por ela e por Chudô San, vamos ajuda-los?  Genshô.

Querida Sangha,

É com muita alegria que informamos que Chūdō san (Ápio RIcci) e Jikihō (Bia Gonzaga) ganharam bolsas para treinar em mosteiros no Japão no próximo ano. Ele, já ordenado, segue para Sojiji-soin, na Península Noto, zona costeira da Província de Ishikawa, com vista para o Mar do Japão. Jikiho san, ainda postulante, será ordenada monja noviça em 21 de dezembro. Seu treinamento será no templo Kasuisai, situado na bela e virente zona rural de Fukuroi, no Oeste da Prefeitura de Shizuoka.

O treinamento monástico é um importante período de desenvolvimento espiritual e pessoal, mas é, ou deve ser, principalmente, um período de tempo e esforço dedicados à sangha*. Com os estudos, eles poderão servir ao desenvolvimento das nossas comunidades e do budismo no Brasil.

A sangha*, amigos e familiares podem participar desse momento, com o exercício de generosidade e gratidão, pela prática de Dana** (Generosidade, Doação, Apoio). Para tanto, pedimos a todos ajuda financeira para a viagem. O valor necessário ultrapassa R$10.000,00 para passagens áereas e terrestres de ida até os templos e a estadia em Tóquio, onde ficarão por alguns dias para a compra dos itens necessários não encontrados no Brasil. O tempo de estadia e estudo nos mosteiros será custeado pela Soto Shu. Unindo-nos no esforço da doação é possível que consigamos arrecadar o montante. Qualquer valor é bem-vindo; cada um sabe com quanto pode contribuir, de acordo com suas condições, sendo que as doações podem ser anônimas. Abaixo seguem as contas disponíveis e também o link para doações que podem ser parcelados no cartão de crédito. Também podem ser feitas doações em espécie, dentro de envelopes, na CZBF.

Doações anônimas:
Titular: Gabriela Gonzaga Santos
Banco: 033 - Santander
Agência: 4287
C/C: 10018171
CPF: 006.916.569-67

Doações feitas através da conta da Sangha podem ser feitas, mas precisam ser identificadas com o envio de email para centrozenfloripa@gmail.com informando o valor e a data do depósito.
Instituto Educacional Todatsu
CNPJ 04.189.002/0001-21
Banco do Brasil (001)
AG 4550-0
CC 5709-6

Clicando AQUI você pode fazer doações com boleto bancário, cartões de débito ou crédito parcelado em até 12X.

*Reunião de praticantes e/ou monges
** O exercício de Dana (Generosidade, Doação, Apoio), na tradição buddhista, representa essencialmente a ação consciente e atenta de ajuda e contribuição (seja material, de tempo ou outras) para que o Dharma possa ser estudado e exercido sob condições úteis e abrangentes a todos. Em Dana temos não somente a ação de ajuda e proteção (física, psicológica ou social) a pessoas em necessidade, mas também a ação justa e honesta para que o Dharma seja divulgado sob as bases tradicionais da ética buddhista, na forma e apoio às instituições e seu corpo monástico ou dos centros e espaços de prática. (Colegiado Budista Brasileiro)

Desde já agradecemos ao apoio, ao incentivo e ao companherismo de todos. Se não fosse pela prática de vocês, pela força de nossa sangha, nada disso estaria acontecendo. Que todos possam se beneficiar. /\

No Dharma,

Gassho /\

Monge Genshō, Chūdō e Jikihō

IMPERFEIÇÃO


Temos um símbolo que é constantemente usado no Zen, que é o Enso, um círculo traçado em um único movimento. Este símbolo representa Shunya, o vazio.   O Enso além de representar o vazio é usado também para expressar uma intensa realização num determinado momento. Você deve pegar o pincel e em um movimento único traçar um círculo perfeito. Em algumas representações este círculo não está completo, ou seja, ainda está aberto, mas aberto à que? Aberto à tudo. Bankei, um grande calígrafo, usando da liberdade artística, costumava fazer o círculo em dois movimentos, fechando desta forma, completamente o circulo. Este símbolo é muito usado para representar a perfeição, força, realização, iluminação e a elegância. Em um único movimento ele abrange o todo e ao mesmo tempo nos faz compreender que o todo é vazio em si mesmo, mas nesse todo tudo pode se manifestar.

 Mas por que o tema de nossa conversa hoje é imperfeição? Porque realizamos coisas na nossa vida que para serem belas não podem ser absolutamente exatas e perfeitas. Buscamos o tempo todo a perfeição. Alguns de vocês talvez já tenham ouvido uma música tocada por um computador. Uma partitura, que é um processo matemático, é inserida no banco de dados de um computador. A partitura tem acordes com proporções matemáticas exatas e ao ser perfeitamente executada pelo computador, sem qualquer tipo de erro, ela perde seu espírito e fica uma totalmente sem graça. Algo tocado mecanicamente sem sentimento e interpretação. Perdeu sua beleza. A verdadeira música não é exata, ela possui pequenas nuances que fazem parte da interpretação de um grande musico.

Outro exemplo bem interessante sobre a imperfeição pode ser encontrado nas historias Zen. Um mestre chamou seu discípulo e lhe pediu que varresse o jardim. Obedecendo a seu mestre o discípulo deixou o jardim imaculadamente limpo e nem um pequeno ramo sequer podia ser encontrado. Ao ver o jardim daquela maneira o mestre disse, “que feio, nunca vi um jardim tão mal varrido”. Olhando o jardim por alguns instantes o discípulo entendeu a que o mestre se referia e dirigindo-se à uma árvore balançou seus galhos para que algumas folhas caíssem. Ao olhar novamente para o jardim o mestre exclamou, “Isso que é um jardim bem varrido!”. Sob o ponto de vista artístico isso é extremamente importante. A arte tem esse aspecto de imperfeição justamente porque é feita por um ser humano e não por uma máquina. Uma vez na sangha foram feitas umas camisetas com um círculo perfeito, ao ver a camiseta minha primeira impressão foi de que não tinha nada a ver com o Zen.  Nossas vidas também são como o Enso e não podem ser absolutamente perfeitas. Devem haver pequenos enganos, hesitações, adiamentos, e quando apresentam esses aspectos tornam-se vidas verdadeiras e não vidas mecânicas. Nossas vidas são para serem vividas como obras de arte e não como o tic-tac de um relógio.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Não acreditem em mim, testem.


4) Qual a função da meditação?

Monge Genshô – Nós vivemos numa grande turbulência. Como um copo d’agua com areia que está sendo constantemente mexido e a areia deixa a água turva, porque não paramos em nenhum momento. As pessoas tomam banho todos os dias porque suam, e aí começam a cheirar mal. Então adquirimos o hábito de tomar banho todos os dias. Nos lugares onde as pessoas não podem tomar banho todos os dias, o cheiro torna-se rapidamente muito forte.

Mas as pessoas deixam que suas mentes sejam sujas todos os dias. Secretam maus pensamentos, más atitudes, se perturbam, se preocupam com memórias, se preocupam com o futuro. Ninguém pára para limpar sua mente, muitas pessoas deitam na cama para dormir e começam a pensar - Amanhã, semana que vem, etc - e não conseguem dormir direito. O sono já tem a função de deletar muitos arquivos. Arquivos temporários que estão atravancando a mente. Mas ele não é suficiente, tanto que vemos muitas pessoas ansiosas ou com depressão. Se nós sentarmos em zazen, começamos a mudar nossa mente. E se começarmos a ter experiências de despertar cada vez maiores, nosso cérebro torna-se cada vez mais feliz. Há uma mudança verdadeira verificável por ressonância magnética. De vez em quando a gente vê uma noticia assim, “Os médicos examinaram tal Monge Budista que pratica meditação e ele é o homem mais feliz do mundo”. Então já tivemos o homem mais feliz do mundo da India, o homem mais feliz do mundo do Butão, o homem mais feliz do mundo da França, etc. isso é bobagem, basta você praticar meditação e você se torna uma pessoa mais feliz por natureza, porque você começa a descartar essas coisas, começa a aprender, ouvindo o Dharma, praticando o treinamento da mente, usando o zazen para estabilizar a mente e ganhar força psíquica. Isso é mero treinamento, não existe nada de milagroso, não existem milagres no Zen. Não existem poderes sobrenaturais que vêm de fora, não existem bençãos sobrenaturais que um monge pode dar. As imagens são só para nos lembrar.

Manjushri, discípulo de Buda, está sentado tranquilamente sobre um leão, está colocado na sala de meditação porque vocês sentam nos “leões turbulentos” de suas mentes. É só isso, na realidade é apenas pedra sabão. Mas fazemos reverências. Fazemos reverências para quem? Não para pedras, mas para “idéias”. Para treinar a nós mesmos, porque corpo e mente estão ligados e porque corpo e mente estão ligados, adotamos posturas corretas. Dessa forma, nossa mente começa a se corrigir, a ser disciplinada. Usamos roupas também para isso. Tudo são métodos de treinamento. Podem ser outros métodos, não importa, não há nada de “o verdadeiro” ou “o certo” no Zen. Não se trata disso, trata-se só de método de treinamento. Que é um método bastante interessante, tem uma certa tradição, são 2.600 anos mais ou menos de prática, então ele já foi bastante aperfeiçoado, não tente aperfeiçoá-lo apressadamente. Depois que você praticar uns trinta anos, então pode começar dar alguns palpites. Ficou bem claro para que serve o zazen? Treinamento, limpeza, felicidade, despertar. Aqueles que despertaram estão livres. O dedo do Budismo aponta para a liberdade. O Budismo não é nenhuma prisão e não depende de nenhuma crença, só de experiência. A única coisa que você precisa é acreditar que vale a pena treinar, que você desconfia que dá certo. E pronto. Buda mesmo disse - “Não acreditem em mim, testem”. Eu como Monge Zen digo a mesma coisa para vocês – “Não acreditem em mim, testem”.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O barco vazio



3) Como diminuir o ego?

Monge Genshô – A Sangha é uma grande oportunidade, a comunidade onde trabalhamos. Nós devemos nos perguntar a cada momento: “Quem é que? Quem é que dentro de mim ficou com raiva? Quem é que dentro de mim se impacientou? Quem é que não aceita? Quem é que não tolera os outros”? A cada momento você pode perguntar – “Quem é que”? E quando você se der conta, meu ego, meu “eu”, ele enfraquecerá. Quem é que dentro de mim, sente ou pensa? Que carrega tal ou qual sentimento? Quem é esse? E você diga a você mesmo - É meu engano. Eu me engano. Eu estou dirigindo na rua e alguém buzina atrás de mim, impaciente. Você deveria pensar, é como a chuva, ou como o vento, nada é comigo. São simplesmente as emoções daquele ser, nada é comigo porque não tem ninguém aqui para se incomodar. Então, se você tiver essa postura, não haverá perturbação nenhuma. Se você não consegue isso, pelo menos não faça nada, não diga nenhuma palavra, não reaja, não comente com os outros e depois não comente com você mesmo, não pense nada, simplesmente aceite que lá também não tem um “eu”.

Você está num barco em um lago e tem um grande nevoeiro. Outro barco vem e bate no seu, você se irrita porque o outro não está prestando suficiente atenção. Tem nevoeiro, tem que prestar mais atenção. Então você olha dentro do outro barco e não tem ninguém. É um barco vazio que o vento empurrou. Imediatamente sua raiva passa. Porque lá não tem um “eu”. Pense – “Não há eu em ninguém, também não há eu em mim, isso é só ilusão”. Esse é o primeiro passo. É uma boa estratégia. Quando conseguirem não se importar com ninguém, então poderemos passar para o segundo passo.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Muito além da santidade


1) O que é o Dharma?

Monge Genshô – O Dharma é a lei, a sabedoria. A sabedoria em si, não o conhecimento. Nós dizemos que existem os “Portais do Dharma”. Você os abre como se fossem portas e os atravessa e, através desse ato, de atravessar um portal, você descobre um novo mundo de compreensão. Mas os Portais do Dharma são incontáveis e cada vez que abrimos um, há outro na nossa frente para ser aberto, então de insight em insight, de despertar em despertar, nós caminhamos em direção a um despertar mais amplo.

2) Quais são os sinais desse despertar, como a pessoa pode perceber que está despertando?

Monge Genshô – Todas as pessoas têm pequenos momentos de despertar. Um dia você abre uma janela numa manhã, o dia está brilhante, glorioso. Você sente um perfume no ar, você não lembra nada de ontem e nem de amanhã, só mergulhado naquele pequeno momento você se sente maravilhada e uma grande sensação de felicidade lhe invade – “Ah, maravilhoso, tudo maravilhoso” – Um segundo depois você lembra que tem que tomar café, tem que lavar o rosto ou tem que fazer qualquer outra coisa e aquele momento se esvai.

Despertar é ter uma experiência muito mais profunda do que essa, mas da mesma natureza. Não é nada fantástico ou sobrenatural, é simplesmente assim. Kensho é como chamamos a experiência mística mais profunda. Você a tem e ela pode durar não alguns segundos, mas horas. Mas também você cai de volta na vida. Aqueles que fazem retiros ou sesshin e praticam meditação muitas horas seguidas, ficam muito sensíveis e várias dessas experiências um pouco maiores podem acontecer. Talvez experiências não de cinco segundos, mas de trinta segundos. À medida que acumulamos experiências como essas, nós podemos caminhar para um estado que se chama Satori.

Satori é o despertar. Imaginem estar permanentemente assim, ou pelo menos ter a habilidade de a qualquer momento chamar essa percepção agora e pronto, está ali, então você é dono do despertar. Essa é a diferença entre o Kensho e o Satori. Kenshô você tem quando menos espera, Satori pertence a você. Então aquele que despertou, ele tem a oportunidade de experimentar isso muito mais vezes. Mas mesmo no despertar existem diferentes estágios. As descrições variam de quatro a dez estágios cada vez mais profundos.

O primeiro e mais básico é quando você realmente sabe, nenhuma pergunta é estranha, você sabe. O último é diferente do primeiro porque no primeiro, você sabe as respostas, mas na sua vida você é freqüentemente arrastado pelas suas paixões e não aparece em todos seus atos e todas suas palavras, porque você, apesar de haver despertado, não incorporou tudo aquilo. O último estágio é quando cada ato e palavra sua são iluminadas. É um estado muito difícil, mas se atingido, é um estado perfeito muito além da santidade. O Zen não procura fazer santos, mas “despertos”.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Procurem a paz e a harmonia


Na foto mestres zen de todo o mundo ladeiam Saikawa Roshi (de branco ao centro) no cinquentenário do Templo Busshinji em SP



Respostas do Grande Mestre do Zen Saikawa Roshi em uma palestra em Florianópolis:

1) Se a dor, como o Senhor falou, é um caminho para que a gente veja a inexistência do ego, esse vazio não abraçado não faria essa própria dor não existir?

Saikawa Roshi – Mesmo que a dor exista, sua raiz pode ser cortada. Com a aceitação de vida e morte, vida existe e morte também existe. Se você realmente vê isso, pode ir além, poderá ir além da raiz e o sofrimento poderá ser cortado.

2) Essa sensação de incompletude, que parece ser inerente à vida humana, tem como origem nossa visão das coisas de forma dual?

Saikawa Roshi – É muito bom ter este sentimento, pois pode impulsionar sua prática. Nos sentimos incompletos na nossa vida diária e este sentimento é que nos dá energia para praticarmos, mas durante o Zazen você pode ir além de sentir-se completo ou incompleto, você pode ir além da dualidade. Nesse sentido podemos sentir nossa completude praticando zazen. Somos cem por cento iguais a Shakyamuni Buda. Quando ele sentia sede, sentia sede exatamente como nós, sentia fome da mesma forma que nós. A diferença é que ele realmente viu dentro de si mesmo e tornou-se como um espelho vazio, um com todo o universo. Ele foi além da dualidade e pôde aproveitar sua vida. Sofria quando o sofrimento vinha e sorria com a alegria.

3) Se viemos de uma dimensão única e não dual, qual o objetivo de nossa dualidade? Porque temos que passar por essa experiência?

Saikawa Roshi – Não podemos ver os dois lados da moeda ao mesmo tempo. Um lado é não dual, perfeitamente vazio, mas o outro lado é cem por cento dualismo como nossa vida diária. Mesmo neste dualismo da vida diária, nós podemos tentar ver a situação ideal. Nós pensamos quando uma criança nasce, que ela realmente nasceu; mas na verdade a vida é uma continuidade, por isso, na verdade ela não nasceu. “Eu nasci em tal ano” é simplesmente uma expressão. Conforme vamos crescendo as pessoas vão nos ensinando o mundo da dualidade, você é Genshô, esses são seus pais e seus irmãos, esse é um dos lados da moeda. Desta forma, sem perceber a criança vai aprendendo a dualidade. Precisamos aprender a ver o outro lado da moeda através do shikantaza, o zazen. Se você vir o dualismo poderá cortar a raiz de todo sofrimento. Em um lado da moeda estou aqui tentando falar sobre o Dharma para livrar as pessoas do sofrimento.

4) Em minha mente, não existir bom ou ruim é muito difícil de entender. Qual o principal objetivo então, destruir a dualidade ou compreendê-la e saber de sua existência?

Saikawa Roshi – Nossa mente precisa de dualidade para entender as coisas. Para entender sua vida diária você precisa de sua mente dual. Sem usar a dualidade você não conseguiria operar nesse mundo, você precisa julgar certo ou errado, bom ou ruim. Para tentar explicar eu usei a metáfora do transplante, mas para realmente entender você vai precisar de uma experiência e é por isso que fazemos Zazen.

5) Como posso cortar a raiz do sofrimento se ela não é minha?

Saikawa Roshi – Na nossa vida diária dizemos “meu corpo, meu sangue, meu rim, minha mente e minha opinião”. Você precisa ver verdadeiramente a raiz dentro de você porque você diz “meu sofrimento”. Estamos tão tenazmente agarrados ao nosso “eu” que não percebemos que se temos um sofrimento, este é só do ”eu”.

De qualquer maneira estamos sentados e podemos apreciar o zazen, mesmo que sentados não hajam julgamentos do tipo “gosto e não gosto”, podemos simplesmente apreciar o zazen. O zazen nos ensina. Por favor, participem dos retiros, façam zazen. A gentileza das pessoas que frequentam as Sanghas é muito importante porque faz com que outras pessoas que venham à Sangha encontrem um lugar de paz e harmonia. Para criar paz e harmonia, pratiquem zazen e tentem ser um com os outros. Essa atmosfera de paz e harmonia vindas de cada um de vocês é muito importante para a Sangha. Por favor, aproveitem cada momento de suas vidas. Muito obrigado

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Uma palestra de Saikawa Roshi



 Saikawa Roshi é o Sookan (Superior Geral da SotoShu para a América do Sul) uma das maiores autoridades do zen em todo o mundo, nos seus 45 anos de atividade monástica formou já seis sucessores em 3 continentes diferentes. Uma preciosidade poder ouvi-lo:

Muito obrigado por terem vindo sentar junto conosco. Estou surpreso por ver tantas pessoas virem sentar em um sábado à noite. Como vocês sabem, o caminho de Buda é para salvar a nós mesmos por nós mesmos. Se vocês salvarem a si mesmos, poderão apreciar suas vidas.

Quando sentados em “shikantaza”, que é a técnica do zazen, qualquer coisa que surja em suas mentes vocês devem deixá-las ir da mesma forma que vieram, sem tocá-las, compará-las ou julgá-las como boas ou ruins, certas ou erradas.  Não toquem em nada. Com essa técnica estamos criando em nossa mente a não dualidade.

Na vida diária temos 100% de dualismo, bom ou ruim, eu e os outros, ganho ou perda, grande ou pequeno, vida ou morte e iluminação e delusão. Em todo o tempo, nessa dualidade, estamos checando e continuando com nossos pensamentos, mas a dualidade é um excelente instrumento para resolver problemas e nos comunicarmos com outras pessoas, assim, nossa mente cria a dualidade.

Toda a ciência e filosofia estão baseadas no dualismo, por isso a dualidade é uma grande ferramenta, mas também é capaz de criar grande sofrimento para a humanidade. Se vocês vão realmente fundo dentro de vocês, conseguirão ver que nós mesmos e todo o mundo não somos duais. Se vocês realmente virem esta verdade, poderão perceber que também a verdade é não dual. A base do mundo é não dual. Vendo essa verdade vocês poderão salvar a si mesmos e ir além de bem ou mal, poderão ir além de ganho ou perda, poderão ir além de vida ou morte, poderão ir além de iluminação e delusão.

Temos a tendência de usar nossa mente e dessa forma é muito difícil de entender um ser não dual. Na vida diária esse som (bate no chão) é um objeto e eu sou sujeito. Mas esse som (bate no chão) está além de sujeito e objeto. Na vida diária nós usamos eu, meu e minha ou seu e sua, por exemplo, dizemos esse é meu corpo, minha pele, meu sangue, meu rim e meus olhos, mas se vocês forem fundo dentro de vocês mesmos, verão que isso é apenas uma expressão. Se eu dôo meu rim pra Genshô, ele passa a ser o rim de Genshô. Se Genshô der esse rim para Tokushi, esse rim passará a ser de Tokushi, então, na verdade, esse rim não é meu. Se for assim com todas as partes do meu corpo, então esse “meu” não existe. Nós pensamos “minha mente”, “minha opinião”, mas mesmo essa opinião veio dos outros e não desse corpo. Minha mente e minha opinião também não existem. Tudo bem você dizer “meu sangue” na sua vida diária, mas sob o ponto de vista absoluto, “meu sangue” não existe. Isso que chamamos meu corpo e minha mente, é vazio.

Está escrito no Sutra do Coração que por ver a vacuidade você salva a si mesmo, mas isso é apenas a metade. Para usarmos uma metáfora, a vacuidade é como um espelho e um espelho está sempre vazio, mas ao mesmo tempo, todo o mundo está dentro dele. Para o caminho Budista ter nada é ter tudo, essa é a verdade sobre nós mesmos. Se vocês realmente entenderem isso indo profundamente dentro de vocês mesmos, poderão ir além, uma vez que ganho e perda, vida e morte não representarão nada, pois vocês serão um com o universo. Não haverá divisão entre eu e os outros, entre sujeito e objeto. Se vocês realmente virem isso, poderão apreciar suas vidas. Digo até que poderão apreciar seus sofrimentos, pois a raiz do sofrimento pode ser cortada e cortar a raiz é importante, pois só assim poderão aceitar todas as coisas, inclusive a morte. Morte e vida, ganho e perda, eu e os outros são apenas uma idéia dentro da mente e o verdadeiro “eu”, está além desses conceitos em nossas mentes.

Muitas pessoas me perguntam se Budismo é compaixão. Posso dizer que isso seja verdade, mas só se vocês virem que não há divisão entre vocês e os outros, só assim poderão cuidar dos outros como cuidariam de vocês mesmos. Sem essa verdadeira experiência, a compaixão será apenas um entendimento intelectual, mas o Zen não é uma compreensão mental e sim é ter uma verdadeira experiência. Para alcançar esse entendimento usamos o zazen e através dele poderemos ter a verdadeira apreciação da vida. Quer vocês entendam ou não, poderão sentir a base da unidade.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Estudar ou praticar, os dois evidentemente.

             Principiantes praticando meditação, Sanghas de Londrina e Maringá

Pergunta: Suponhamos que a pessoa deseje aprofundar-se na prática. Além de sentar, o que mais pode ser feito? Me lembro de quando comecei a frequentar a Sangha e o Senhor dizia que ao ler muito corria-se o risco de ficar muito teórico, qual é uma boa opção para quem deseje aprofundar-se?

Monge Genshô – O melhor sem dúvidas é trilhar o caminho do meio.

Aluno - Mas para mim não ficou muito claro se devo ou não seguir algumas leituras, ou nenhuma, ou as descobertas vem com a experiência de sentar.

Monge Genshô – Você deve estudar, mas não deve pensar que no zen o estudo é todo o caminho. É um auxiliar muito interessante, pois quanto mais você ouve e entende o Dharma, melhor fica, mas se você estudar demais e se focar muito na teoria e suas múltiplas escolas filosóficas dentro do Budismo, acabará se perdendo em discussões sem sentido com seus colegas sobre as várias opiniões dos mais variados mestres. Esse é um erro, eu prefiro a pessoa que só senta e pratica mas é evidente que o melhor é o equilíbrio entre estudo e prática.

É possível atingir a iluminação sendo um ignorante sobre as teorias Budistas, desde que se sente para praticar. O contrário não ocorre, um erudito que não use uma prática não atingirá a iluminação.

Existem histórias de Mestres inteligentes e cultos que levaram muito tempo para se iluminar, pois eram muito instruídos, era muita coisa dentro da cabeça para pensar. No “Tripitaka”, que são as escrituras básicas do Budismo, o que se chama “Abhidharma”, são comentários muito complexos de Mestres Budistas sobre os Sutras e uma vez comentando com Saikawa Roshi sobre isso, ele me dizia que desgostava o Abhidharma, justamente pelo motivo de que leva as pessoas a discussões muito filosóficas.

Um aluno uma vez disse que deveria haver uma inteligência subjacente no universo, porque tudo é tão complexo. Realmente tudo é muito complexo, parece que a matéria inorgânica tende a se organizar na forma de vida, tanto que existem extremófilos, que são formas de vida que sobrevivem e até mesmo parece que necessitam de condições geoquímicas extremas, normalmente prejudiciais às demais formas de vida. Dos bilhões e bilhões de formas de vida que surgiram na Terra, apenas uma formou uma civilização. Se você afirmar que existe uma inteligência por trás disso terá que aceitar que esta mesma inteligência criou o mosquito da dengue, vírus da AIDS, etc., uma inteligência um tanto estranha.

O surgimento da vida parece aleatório e experimental em que algumas formas sobrevivem e outras não. Qual a utilidade de você saber e raciocinar sobre isso? Nenhuma. Se você pensa muito, não consegue enxergar a simplicidade das coisas. Existe um princípio chamado “Navalha de Ockham”, do filosofo e frade inglês Willian Ockham, que diz basicamente que as explicações mais simples provavelmente são as verdadeiras. No nosso mundo, as pessoas querem sempre explicações mais complexas e complicadas. O que é mais provável na morte de John Lennon? Um fã perturbado pela manhã lhe pediu um autógrafo e a tarde o matou com três tiros, isso é o mais provável, ou seja, esquizofrenia. O menos provável é que ele foi assassinado porque um ser lá em cima no céu estava indignado, pois ele havia dito que os Beatles eram mais importantes que Jesus Cristo ou uma religião qualquer.

Eu posso dizer que a matéria atrai matéria na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distancias, e é por isso que vocês estão sentados nos bancos, porque são atraídos pela massa do centro da Terra. A explicação menos provável é que existam anjos com fios prendendo vocês e os puxando para o centro da Terra habitado por seres incríveis etc. Algumas pessoas procuram o Zen por causa de coisas maravilhosas e espetaculares, no Zen não há nada sobrenatural, é tudo muito simples, nada é especial. O Zen é o local para quem não deseja ilusões.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Quem é este que não é mais enganado pelo eu?


P: O senhor acredita que tenha essa habilidade de chegar ao Satori?

Monge Genshô – A resposta padrão é negar de plano, pois quem é este que teria deixado de se enganar pelo seu eu? Mas mostrando outro ponto: só meu mestre pode lhe responder a essa pergunta. É uma pergunta injusta. Se eu respondo que sim é uma resposta duvidosa, pois não há como você verificar. Qualquer pessoa poderia mentir e se você não tem a capacidade de verificar poderá acreditar, e a resposta verdadeira da de um impostor é indestinguível. Se você acredita que tenha tido um insight, deve ir até o professor e contar sua experiência e perguntar se é uma experiência legítima ou uma ilusão. Só ele pode lhe responder, pois somente quem teve uma experiência pode verificar a autenticidade de uma experiência alheia.

P: Na história das culturas temos uma série de relatos de utilização de substâncias psicoativas dentro de rituais religiosos, podemos dizer que também sejam métodos para atingir um kenshô?

Monge Genshô - Essa pergunta é bem complexa. Aldous Huxley escreveu um livro chamado “As Portas da Percepção”, onde ele relatava suas experiências com esse tipo de substâncias. Para o Budismo, há dois mil e seiscentos anos, a resposta é que não existe nenhum caminho fácil para o esclarecimento. A única virtude dessas experiências é colocar na mente das pessoas uma dúvida: existem coisas diferentes na mente. O problema é que estas experiências são falsas e não permitem um “Satori”, pois você jamais poderá controlar, será sempre dependente de uma substância para obter uma sensação. A grande virtude foi quebrar a crença de uma mente completamente racional.

A resposta do Budismo é taxativa: nenhuma substância que altere a consciência deverá ser usada por um praticante Budista. Deixando as coisas bem claras: se um aluno desejar fazer experiências deste tipo, por favor, deixe a nossa Sangha, pois não o quero como meu aluno. Ele deseja o caminho mais fácil.

Uma vez um de meus filhos resolveu pintar o cabelo de azul, então eu lhe disse que era um tolo e estava envergonhando a família. “Você está tentando chamar a atenção de uma maneira muito fácil, mas se você quiser meu respeito e chamar minha atenção de uma forma relevante, aprenda a tocar piano”. Para tocar piano bem, são só dez anos de esforço com oito ou dez horas por dia de estudo. Esse sim é um valor real que chama a atenção. As drogas são assim, um caminho fácil para uma experiência psíquica que você não domina, que não tem um valor intrínseco e que só serve para mostrar que é possível distorcer a percepção. Você não é dono da experiência. Eu nunca vi um drogado iluminado, muito pelo contrário, só vejo drogados mergulhados em mundos infernais. Na minha opinião, Buda tinha razão em proibir enfaticamente esse tipo de experiências. Temos uma excelente experiência para mudar a mente - sentar na almofada. Sente na almofada por dez mil horas e poderá ganhar o mesmo domínio que o pianista tem sobre o teclado.


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O caminho da luz


P:  Me parece que a respiração tem uma ligação com o despertar. Até que ponto  ela influencia?

Monge Genshô – A respiração faz parte do método e é uma atividade corporal que tem dois aspectos. Ela é automática, mesmo que você não preste atenção você respira e por outro lado você tem controle sobre ela, podendo variar seu ritmo da forma que desejar. Desta maneira, esse controle permite que você interfira no funcionamento da mente, por exemplo, se você está invadido por pensamentos que não cessam, pode interromper por alguns segundos a respiração, esse ato quebra o ciclo do pensamento invasivo. Você pode seguir fazendo isso cada vez que um pensamento invadir sua mente, passando a ter um mecanismo que lhe permita interferir na sua mente que parece incontrolável e corre como um cavalo desembestado, mas que através desse exercício, você pode colocar-lhe rédeas. Ser senhor de sua mente é extremamente importante. As pessoas costumam dizer que não conseguem parar determinados sentimentos como raiva ou rancor e não conseguem parar a agitação, mas isso não é verdade, sua mente pode ser controlada e o mais acessível mecanismo é a respiração. Depois que você aprende a controlar sua mente no Zazen, pode vir a controlar também na vida diária e isso é muito importante. No Zazen quieto olhando para a parede é mais fácil, embora percebamos ser muito difícil. Mas, mesmo assim, ainda é mais fácil que na vida diária.
 A dificuldade dessas experiências é que elas não são transmissíveis com palavras, são pequenos insights que surgem à medida que vamos praticando e que vão abrindo condições para novos insights. Criar condições para ter insights é muito importante, pois existem pessoas que nunca têm insights de nenhum tipo, desta forma, elas não aprendem coisas que estão disponíveis na vida, que são perceptíveis. 

P: O Satori é um estado sempre presente e nós é que não conseguimos acessá-lo?

Monge Genshô – Está sempre disponível. Depende de você e poderia existir, no entanto, não é nem um pouco fácil ganhar esta habilidade. Na verdade é uma habilidade de voltar ao kenshô quando se deseja. Se você tiver vários insights vai chegar o dia em que terá um “kenshô”, então terá vários “kenshôs” cada vez mais longos e mais profundos. Se você conseguir treinar desta forma e atingir um estado de estar em Zazen em torno de 40% realmente presente, estará amadurecendo a mente de tal modo que o Satori torna-se possível.

Isso não é um milagre e mesmo que atingido esse estágio não significa que a pessoa tornou-se alguém especial e sim que ela conseguiu enxergar algo, mas ela pode se comportar ainda de maneira bem errada. Ela tem a habilidade, mas para que a habilidade penetre na sua vida completamente, ainda leva muito tempo de treinamento. O que normalmente se diz para essa pessoa é que o caminho começa agora e que ela necessita praticar mais e de forma mais intensa. Ter o insight não significa ter terminado o caminho e sim tê-lo iniciado.

Funciona mais ou menos da seguinte maneira: você nunca teve nenhum insight e tê-lo parece ser maravilhoso. Quando você tem o primeiro, não parece mais tão maravilhoso, pois ainda falta muita coisa, então você tem mais e mais insights e cada vez que você olha para trás percebe que tudo que você teve não era nada. Quando consegue um esclarecimento ou despertar, percebe que ainda se sente decepcionado consigo mesmo, pois você não é nada daquilo que pensava que deveria ser. Mas você continua praticando e tentando chegar mais fundo e esse caminho é praticamente infindável.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A grande experiência


Um aluno me perguntou se a iluminação existe, se não é mais uma ilusão da mente. Minha resposta foi de que a iluminação existe e as pessoas tem como perceber isso, pois têm experiências iluminadas em suas vidas, mesmo que muito breves.

O que acontece é que em um belo momento vemos o mundo como maravilhoso e sentimos uma grande e profunda felicidade onde parece que tudo está certo e é perfeito, mas ao primeiro pensamento e à primeira consideração, essa percepção se esvanece. O que seria, então, a iluminação? Não é um acontecimento extraordinário e especial, mas ao mesmo tempo é extraordinário e especial. Talvez algumas pessoas, tão envolvidas estão com problemas, preocupações, insegurança, raivas e sentimentos menores, jamais tenham uma experiência iluminada em sua vida. Essa turbulência sentimental os afasta da percepção pura mas, no entanto, esta percepção está a qualquer momento disponível, o que acontece é que as pessoas não chegam a percebê-la com facilidade e ela muitas vezes surge em momentos e paz e quietude interna.

Quando surge um momento como este um sentimento de profunda felicidade pode nos invadir. Esse sentimento de felicidade invasiva é semelhante a quando uma pessoa se apaixona e sabe que é correspondida, no exato momento desta percepção, uma euforia invade a pessoa e ela sente-se profundamente feliz, até que surjam as primeiras perspectivas de problemas, medos ou inseguranças que irão destruir essa sensação.

A iluminação não é assim, ela tem esse aspecto de felicidade e plenitude, mas não há um objeto da qual seja dependente, trata-se de uma mudança interna. Como você mudou por dentro todo o mundo lhe parece diferente. O que sucede é o que chamamos de “Kenshô”, é vermos nossa verdadeira natureza por um breve momento e essa experiência é uma experiência iluminada. Às vezes as pessoas têm essa experiência não exatamente por estarem praticando meditação, mas em qualquer tipo de prática religiosa e a abertura de uma porta mística permite a pessoa sentir ou perceber como se tivesse levantado a ponta de um véu que lhe permitisse ver que do outro lado existe luminosidade.

No entanto esta experiência se perde com grande facilidade e qualquer pequeno incidente faz com que ela desapareça. Por isso fazemos uma distinção entre o “kenshô” que é fugaz e a iluminação verdadeira que chamamos “Satori”. “Satori” é ter atingido um estado tal em que esta experiência está disponível sempre. Você pode chamar quando quiser e ela irá lhe invadir. Não que isso seja algo sobrenatural, apenas você aprendeu como fazer a sua mente se comportar daquela forma e quando você faz isso, se dissolvem as distâncias entre sujeito e objeto, entre “eu” e os outros ou entre mim e as coisas. Passa a existir uma identidade entre o “eu” e todas as coisas e é como se o “eu” tivesse desaparecido e essa sensação de totalidade e plenitude é profundamente feliz.

Essa sensação possui algumas características interessantes, como por exemplo, ao atingir esse estágio nenhuma pergunta fica sem resposta, não existem dúvidas, dissolvem-se as divisões sectárias entre religiões ou crenças onde todas parecem ter um aspecto apreciável e compreensível e por isso surge grande paciência, tolerância e compreensão. Nós praticamos zazen porque é a prática de nossa linhagem, que é focada na iluminação. Já falei algumas vezes que mesmo em nossa escola essa prática não é a mais comum, pois algumas pessoas estão focadas nas cerimônias e demais práticas formais, julgando ser isso o verdadeiro Zen. As práticas formais são apenas técnicas ou métodos para despertar um espírito que facilite o surgimento desta percepção, mas esta exige um treinamento da mente e por isso treinamos uma forma de meditação que pode até ser desconfortável para o corpo, mas o despertar não virá sem este acesso. Não se trata de fé ou crença e sim de experiência, portanto tudo que posso lhes dizer é que testem e experimentem e, se vocês tiverem uma pequena experiência, saberão que a grande experiência é possível. Nosso foco é a grande experiência.

OS DOIS TIPOS DE RENÚNCIA


Nós vamos comentar hoje o texto “OS DOIS TIPOS DE RENÚNCIA” de Keisan Jôkin.

“Quando Upagupta raspou a sua cabeça com a idade de 17 anos, Shanavasa perguntou a ele: “Você está deixando o lar em corpo ou mente”? No Buddhismo, há basicamente dois tipos de [renúncia, isto é, de] deixar o lar – a do corpo e a da mente”. (Texto)

Isto é relativamente fácil de entender, temos a célebre história de um homem que foi procurar um mestre e disse - “eu quero treinar consigo” e o mestre disse – “volte quando você tiver matado em seu coração o seu pai, sua mãe, sua esposa, os seus irmãos e os seus filhos”.

A renúncia também tem uma coisa dentro dela - para renunciar precisa-se ter uma grande angústia que nos faça querer deixar todas as coisas. Nós temos também o caminho Mahayana em que você permanece no mundo, trabalha com os seres e ele é muito tratado no Sutra de Vilamarkiti. O Sutra fala de um grande comerciante do tempo de Buda, que era um discípulo excepcional e, nesse Sutra, este personagem aparece derrotando cada um dos principais discípulos de Buda em debate. Ele é um Sutra Mahayana, provavelmente escrito depois do século I, d.C., ou seja, posterior uns quinhentos anos a morte de Buda.

Ele representa uma grande revolução no Budismo que é abrir o caminho para os leigos e permitir que o Dharma saia de dentro dos mosteiros e se espalhe no mundo e, a nossa ordem, a nossa escola, a Escola Soto é hoje muito marcada por este comportamento, noventa por cento dos Monges hoje são casados, têm família e trabalham no mundo, isto aumenta enormemente as possibilidades.

Este caminho é o caminho do Bodisathva, aquele que se dedica aos outros seres por compaixão. Então este Sutra marca o nosso caminho, o caminho de uma Sangha como a nossa, de pessoas leigas e isso é o grande caminho Mahayana. “Maha” de grande realmente, e “Yana” veículo, então é um “grande veículo”, é como um ônibus que leva muita gente, enquanto que um pequeno caminho, o caminho individual daquele que se retira e pratica sozinho da sociedade é como uma bicicleta - leva ele sozinho e é um pequeno caminho.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Quando você vê cara não vê coroa


Pergunta – Existe uma sabedoria primordial? Se eu tirar essas personalidades, o que vou encontrar?

Monge Genshô – O vazio se manifesta como forma e a forma nada mais é que o próprio vazio. Estou falando sobre o movimento. Tirando o movimento do mar não há ondas, só um espelho.

Nossa vida é 100% dualidade, é como uma moeda, que tem dois lados - de um lado 100% problemas e dualidade, do outro lado há o absoluto e nada disso tem sentido. É a mesma moeda? Sim. Tem dois lados? Tem. Dá pra separá-los? Não. A moeda é cara e coroa, qualquer um dos dois que você tire, a moeda deixa de existir.

Pergunta – Isso é uma consciência? Um fluxo? Mesmo sendo um vazio...?

Monge Genshô – O vazio não é algo. O vazio é vazio de qualquer algo. Por isso é chamado vazio. Dizer que o vazio é algo, seria reificar a vacuidade. O vazio significa que todas as coisas são vazias de um “eu”, ele não é algo que se manifesta como forma, quando você tira a forma, não resta nenhum vazio. Vazio e forma são idênticos, relativo e absoluto são a mesma coisa, os dois estão aqui - aqui é Samsara e aqui é Nirvana. No exemplo da moeda existe cara e coroa, mas quando você vê cara não vê coroa e vice-e-versa. Porém, cara e coroa são a mesma coisa.

Pergunta – É a mesma moeda porém com faces distintas, depende o lado que estou olhando?

Monge Genshô – Exato, aqui é sansara, mas se você coloca olhos de Buddha o aqui se transforma em nirvana. Não se trata de um ponto geográfico.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Explicando o conto Taro


A Folha de São Paulo publicou um conto infantil de Saikawa Roshi que conta a história de um peixe, “Taro”, que acredita numa lenda marinha que fala da “Água da Vida” e que quem bebe desta água torna-se eterno.

Taro passa então a percorrer todos os mares em busca da “Água da Vida”. Para qualquer peixe que perguntasse, ninguém sabia lhe responder onde ficava a “Água da Vida”. Decepcionado, Taro finalmente desistiu e tomou o rumo de volta ao seu mar de origem. Mas algo aconteceu quando ele se aproximou de sua casa. Taro chegou a um lugar no qual o solo arenoso começou a subir. Mesmo longe da praia, a água ficava mais rasa. Repentinamente, uma onda enorme ergueu-se e lançou Taro para fora da água. Metade do corpo de Taro ficou fora do mar. Foi então que ele avistou um mundo diferente de tudo que já vira antes. Nesse momento, ele perdeu o fôlego e não conseguia mais respirar. Foi então que compreendeu tudo muito claramente.

Agora ele percebia que estivera dentro da "Água da Vida" desde seu nascimento. Ele então tenta explicar para os outros peixes que a “Água da Vida” é a agua que está em volta deles. Mas os outros peixes não o entendiam. “Vocês estão mergulhados na “Água da Vida”, essa é a “Água da Vida” ele dizia, mas não o entendiam. Em razão de sua descoberta Taro muda seu temperamento, seu comportamento e sua maneira de ver a vida, transforma-se num peixe feliz e sempre sorridente conquistando o coração de todos a sua volta. No momento de sua morte todos o rodeiam e ele lhes fala, “A verdade é que todos nós somos a Água da Vida”.

Através desta história, Saikawa Roshi está falando de nós mesmos e está tentando atingir as crianças. A história da iluminação está nesse conto, todos estamos mergulhados na própria condição da iluminação. Temos todas as condições para o despertar, mas não conseguimos enxergar e aqueles que enxergam não conseguem explicar para os outros.

Esse tipo de história é bem comum no Budismo. Há a história de uma rã que vivia dentro de um poço, um dia ela consegue sair e vê o mundo e suas maravilhas. Quando retorna ao poço tenta explicar para as outras rãs sobre o que havia visto, mas ninguém acredita, porque por mais que ela descreva, a imagem desse mundo é inalcançável para quem só vivia dentro do poço. História semelhante ao mito da Caverna de Platão em que os homens dentro da caverna só viam as sombras na parede e pensavam que aquilo era o mundo e só aquilo existia, quando um deles sai e conhece o mundo e volta para lhes mostrar, ninguém entende ou acredita.

Quem não despertou não entende do que se está falando. O Budismo é estritamente experiencial, por isso o foco na meditação, pois só através da prática do zazen seremos capazes de acordar e ter vislumbres do mundo lá fora. No conto de Saikawa Roshi há ainda outro elemento que é estarmos rodeados pela “Água da Vida”, mas como não a percebemos, ela não existe para nós. Mas aquele que percebe é transformado por esta descoberta.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Choro porque quero


Pergunta – E quem gosta de sofrer? Existem as coisas boas também...

Monge Genshô - Eu penso que a resposta esteja dentro da pergunta, nós gostamos de sofrer, por isso estamos aqui. Vem coisas boas e ruins juntas, nós queremos amores, mas sabemos que os amores terminam, nos metemos nos amores e sabemos que eles terminam. Junto com a aquisição do amor vem o sofrimento da perda. Qualquer coisa que nós guardemos. Eu sempre gostei muito de livros, mas os livros velhos que tenho estão se desfazendo. As folhas vão ficando amarelas, existe uma acidez no papel que o vai destruindo. Para conservar seria necessário um ambiente climatizado, uma bibliotecária cuidando. Esses dias vi um livro com uma dedicatória escrita por meu pai, há cinqüenta e tantos anos, quando eu tinha dez anos, se desfazendo e a escrita vai se desfazendo junto com o papel, e me vem a sensação de que as coisas que a gente dá valor se desfazem. Junto com o presente vem a deterioração do presente. Então junto com todo o prazer, junto com todas as coisas boas, vem as perdas e o sofrimento. Estão inextrincavelmente ligados. A vida não é só sofrimento. A vida é alegria, prazer e sofrimento. Uma bela garrafa de bebida e amigos dando risada, no outro dia, ressaca, dor de cabeça, vem tudo junto, não tem como escapar. A gente não consegue separar uma coisa da outra. Um filho nasce, você o ama, um dia ele vai embora e você fica sozinho. Um dia ele casa com uma nora que você não gosta e a nora não quer que ele venha na sua casa. Com o filho vem junto a nora. Está tudo conectado. Junto com a saúde vem a doença. Tem um corpo forte um atleta, um dia, a velhice, juntas que não funcionam, artrite, decadência física.

Pergunta - O senhor começou sua palestra falando sobre aproveitar sua vida, seja feliz pelo momento e fiquei pensando, não tem como não sofrer, até o mestre iluminado se a mãe dele morrer ele irá chorar. Então seria assim, eu aproveito minha vida, não significa deixar de viver para não sofrer, então vou aproveitar ao máximo minha vida, vou amar, mas eu sei que o sofrimento vem junto. Na verdade amar e sofrer seriam duas coisas iguais?

Monge Genshô – Sim, é verdade, estão dentro uma da outra. E aproveite sua vida já que você tem uma vida. Quando tiver sofrimento, sofra. Morre sua mãe, o que você faz? Chora, não há mais nada para ser feito.

Pergunta – Mas se compreender, não chora. Porque a compreensão de a vida é assim, cresce, adoece e morre. É da natureza.

Monge Genshô - Seria assim, nós poderíamos dizer assim – Ah, meu filho morreu, é como uma folha que caiu – mas isso não é realista. Na verdade você sofre e sofre mesmo, entregue-se ao sofrimento e sofra de verdade, porque faz parte da vida.

Observação - Me veio à mente a imagem do filme de Dogen, que quando ele morre todos os monges caem em pranto. Naquele momento eles choram compulsivamente e sofreram e muitos já estariam até iluminados. Já teriam uma compreensão, já sabiam que iria morrer e mesmo assim sofreram.

Monge Genshô - A resposta é sempre essa, no momento de sofrer, sofra sinceramente.

Pergunta - Mas Buda falou em não sofrer, que foi essa a solução que ele foi buscar. Nós sofremos porque temos apego excessivo mas se você não tiver apego, você chora sem sofrer?

Monge Genshô - A melhor história para isso, talvez, seja a do mestre que recebe uma carta com o comunicado de uma morte na família. Ele senta-se numa pedra e começa a chorar. Um discípulo vai até ele e faz esse discurso - Mas como, o senhor nos ensinou sobre apego e agora o senhor recebe uma carta sobre a morte de alguém da família e agora o senhor esta aí chorando - o mestre dobra a carta olha para ele diz – Escuta aqui seu idiota, estou chorando porque quero – vira-se para o outro lado e volta a chorar. Esse é o zen.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

O tempo de viver e o tempo de morrer


Pergunta - O budismo não deixa de ser também uma das religiões que buscam uma resposta para a morte, porque se alguma forma que seja, mesmo que sem as bengalas, ele busca uma resposta. O que seria não buscar resposta nenhuma?

Monge Genshô - Quando Buda sai na sua busca, ele sai na mesma angústia de todos. Por que nascemos, envelhecemos, adoecemos e morremos? Porque me sinto angustiado com isso? Ele quer a solução desse problema. Só que em vez de colocar a solução numa crença ele põe tudo em termos de raciocínio e treinamento. Então o budismo é treinamento da mente, libertação do homem e recusa as soluções fáceis, as crenças. E toda essa questão do eu é puramente lógica.

Pergunta - Nesse caso entra a filosofia e o pensamento e entra a mente e o eu. Então fica a questão de como quebrar o eu e ao mesmo tempo pensar filosoficamente, sendo que a filosofia tem o eu dentro...

Monge Genshô - Primeiro há raciocínios, é ensinamento provisório que se chama. Primeiro raciocinamos. Basta observar para ver que você nem precisa morrer para perder seu eu, basta ficar doente, perder a memória, por exemplo, e não saber mais quem é, como tantas vezes já foi explicado. A solução final de Buda não é baseada no raciocínio, mas em uma experiência mística. Então ele senta para meditar e enxerga. Na prática o que o budismo diz é que aquilo que Buda fez, sentar-se para meditar e perceber com clareza a verdade e dizer para o eu “você não me enganará mais”, essa experiência é acessível por todos, só precisam fazer a mesma coisa, sentar, meditar e acordar. Quando acordam, então subitamente, grande felicidade e todos os problemas da vida parecem bobagem, podem se evaporar como fumaça. Inclusive o grande problema, a morte. Para aquele que enxergou, a morte não existe. O medo da morte desaparece por mágica. Não tem mais importância. Por isso aquela história de um general que invade uma cidade, chega à um templo budista, encontra um mestre e fica indignado porque o mestre não tem medo e com sua espada suja de sangue lhe diz – Você não vê que posso lhe matar em um instante? – e o mestre lhe diz – E você não vê que eu posso morrer em um instante?

 Existem tantas histórias de mestres budistas que simplesmente morrem com simplicidade – Eu chamei vocês aqui hoje porque irei morrer – então senta em zazen e morre. Esse mestre tibetano que morreu no RGS, Chagdud Rinpoche, fez de forma interessante também. Ele estava doente, isso foi há alguns anos. Ele chamou os alunos e disse - Eu vou dar um curso sobre como morrer – foram então umas duzentas pessoas ter o curso com ele. O curso estava marcado para terminar as 18:00h, mas ele continuou ensinando e falando sem parar até as 22:00h, então levantou-se e disse – Bem, agora eu vou embora. Foi para seu quarto, sentou em zazen e morreu. O corpo dele continuou sentado em zazen e os tibetanos acham que não se pode mexer em um mestre que morreu assim enquanto o corpo não cair. E quando veio a secretaria da saúde brasileira eles tiveram que convencer os médicos que apesar de ele estar morto, o corpo não poderia ser tocado, era um sinal de respeito. Os médicos compreenderam e ficaram esperando. Após seis dias o corpo empalideceu e caiu. Foi então retirado para cremação.

 Há uma história Ch’an muito interessante sobre um mestre que era muito brincalhão, chamou seus discípulos e perguntou-lhes – Vocês já viram alguém morrer deitado? – e todos responderam que sim, e – Já viram alguém morrer sentado? – E a resposta foi a mesma, - Mas e de cabeça para baixo? – e os monges responderam que nunca haviam visto alguém morrer nesta posição. Então ele fez uma postura de ioga de cabeça para baixo e morreu. E o corpo dele não caia, então como os discípulos não queriam mexer no corpo mandaram chamar uma irmã dele. Quando ela entrou no quarto disse – Você a vida inteira fazendo palhaçada e agora ainda morre de cabeça para baixo, saia logo dessa posição! – só então ele caiu e puderam enterrá-lo. Essas histórias tem algo de mítico evidentemente, mas elas tem uma intenção ao serem contadas. É que nós levamos tudo muito a sério, e parece na realidade, que no zen, nunca se levou muito a sério essa questão. Como dizia Dogen – O tempo de viver é só o tempo de viver, o tempo de morrer é só o tempo de morrer.

Por favor, sentem-se em zazen, não se levem muito a sério, tentem se livrar de vocês mesmos, é nossa chance. Sesshin é uma grande oportunidade de ter uma experiência mais profunda. Por isso fazemos um zazen atrás do outro. Não desperdicem o zazen. Essa aventura de despertar é a aventura principal. Só ela pode nos livrar dessa prisão de eternos retornos, de manifestações humanas. Sempre começando. As vezes fico imaginando, não estou preparado para ser um Buda e penso que não estarei, de forma que sei que vou voltar. Fico imaginando, a gente vive e morre, depois, sem memória nenhuma do que aconteceu no passado, só guardando nossos impulsos, e meus impulsos não são lá essas coisas, tenho maus impulsos, então de repente, só carregando isso, me ver de novo como um bebê, tomando mamadeira sem nenhum guia, só meus impulsos. Então temos que trabalhar nossos impulsos, nossa maneira de ser, nosso caráter, porque nós só conservamos isso. O carma só leva impulsos, não leva o eu. De forma que pela tradição nos manifestamos de novo carregando impulsos, por isso cada pessoa que nasce é diferente, pois carrega seus impulsos, só temos eles e mais nada. Não dá para dizer, eu sei que isso não dá certo e vou tentar evitar. A gente tem os mesmo impulsos. E aqueles que tem egos, apegos, desejos, por causa disso, sofrem. Nós sofremos, nós desejamos coisas. Desejamos segurança, filhos, amores, uma boa família e quando as coisas não funcionam como desejaríamos, nós sofremos. Essa é a raiz do sofrimento, aquilo que desejamos e esperamos. Se não tivéssemos nenhum desejo ou esperança não existiria nenhuma expectativa para ser frustrada. Nós sofremos por expectativas frustradas.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O dedo do budismo aponta para a liberdade


Pergunta - Então porque a vida inventou o pensamento?

Monge Genshô – A vida não inventou o pensamento. O pensamento é só uma função da vida. Porque as plantas fazem fotossíntese? É uma função das plantas fazerem fotossíntese. Porque nós temos sentidos, os nossos sentidos nos dão informações, eu toco e percebo, esse contato produz uma sensação, essa sensação viaja pelos meus nervos até meu cérebro e assim eu tenho um percepção – Ah, o braço da cadeira – essa percepção junto com outras percepções faz as formações mentais, porque eu tenho percepções mentais eu crio uma consciência que diz – Eu sinto o braço da cadeira – preciso do eu para sentir o braço da cadeira, não é que o eu seja uma coisa inútil, eu preciso dele para viver. Senão nem posso falar, me movimentar, fazer as coisas. Só que confundo o eu com minha verdadeira natureza. Minha verdadeira natureza não é o eu. Minha verdadeira natureza é a unidade de toda a vida. A minha verdadeira natureza não é sensação, contato, percepção, sensação, formação mental, consciência. O eu é construído com esses sentidos, agora, se eu tirar isso, o que resta? É por isso que os homens inventaram as religiões, porque eles ficam apavorados com essa sensação, “meu eu irá desaparecer, eu sou o meu eu!” Quem eu sou se tirar o eu? Então surge a angustia da morte, porque todos percebem que os corpos se desfazem, a gente morre, e gente quer que o eu continue. Por isso criamos as historias de paraísos, reencarnações, almas eternas.

Nós queremos uma solução para todas as coisas da vida. Então as religiões mais bem sucedidas são as que apresentam uma solução mais bem acabada, mais fácil para a impermanência. Imaginem, a religião mais popular no nosso meio que é o cristianismo, ela nos trouxe um conceito explorado principalmente por Paulo, a idéia de um Deus que veio à terra, é um Salvador  que carrega os pecados do mundo. Isso resolve todo problema cármico porque eu não pago mais pelos meus pecados, há um salvador que paga para mim se eu fiz algo errado. Eu matei, mas me arrependo, vem um salvador paga pelos meus pecados e eu não preciso pagar as conseqüências, então eu retiro o carma pois há um salvador para pagar por mim. Então isso retirou dos homens a culpa, porque o pecado tem perdão, tem um salvador, tem um redentor. Vejam que isso é uma solução muito bem sucedida, pois você com isso, liberto de todas as conseqüências de todos os seus pecados vai para o paraíso para ser feliz para sempre, para toda a eternidade. Nunca mais nenhuma morte, para sempre, pela eternidade sem fim, sempre com um eu, minha alma pessoal junto da divindade. É a solução, tudo resolvido.

 Uma solução dessas torna-se muito popular, é muito mais bem sucedida que as religiões que a antecederam que não tinham soluções assim. Havia os Deuses do império romano ou dos gregos, que eram seres que maltratavam homens e as pessoas ficavam submetidas aos desejos desses deuses que eram não racionais ou não bondosos, você era joguete dos deuses, era uma solução falha. E o cristianismo tem todo o mérito de vir com uma solução assim que tudo resolve. Mas o budismo não tem essas soluções. A idéia do Zen budismo é, vou tirar todos os tapetes e bengalas nos quais você se apóia. Não há nenhum salvador e não há perdão, o que você fez tem conseqüências e essas conseqüências são inescapáveis, não há ninguém lá fora para socorrer você. O budismo diz que você está enganado quando pensa que você é um eu. Você é muito mais que isso, se você sair desse enredamento você se liberta. O dedo do budismo aponta para liberdade, para o despertar. Mas ele exige grande esforço, nada virá de graça, através de uma concessão divina ou intervenção de alguém, então você tem que trabalhar para se libertar. É o que a gente faz no sesshin. Não existe um caminho fácil no zen budismo, todo ele tem esforço. E não existe nenhuma promessa de fé ou qualquer coisa assim, não existe mágica no zen.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A vida é que nos vive


Pergunta – Esse abandono do eu e do ego e a vontade da vida, isso fica um pouco confuso...

Monge Genshô - É porque pensamos que o eu é que vive. Mas não é o eu que vive a vida. A vida é que nos vive. Nós somos a própria vida. Não é um eu que esta vivendo a vida. Não é uma folha numa árvore lá fora que está vivendo a floresta, é a floresta que produz folhas. Nós somos a própria floresta, não somos folhas. As folhas nascem e morrem. Seria muito tolo que uma folha se sentisse muito infeliz porque amarelece e cai, nós diríamos que a folha é tola, pois torna-se húmus, nasce de novo, ela é a própria vida, não há nenhuma tristeza nas folhas que caem das árvores. Ninguém chora as folhas que caem no outono, pois nós sabemos que a vida produz primavera, mas quando olhamos para nós mesmos, confundimos o eu com a vida, nós pensamos que é o eu que vive a vida, e não é isso. A vida é que nos vive. Somos a própria vida. É por isso, porque a vida está sempre continuando, que nascimento e morte também são ilusões. Não há como você ir embora daqui, você é a vida. Então desse seu eu temporário é só um evento extemporâneo da vida como um todo. É como o quebrar das ondas do mar, como as folhas que caem e viram húmus, é como as nuvens que chovem. Se uma nuvem vira água e chove ninguém diz – Coitadinha da nuvem, virou chuva - nós sabemos que a chuva cai, que as plantas crescem por causa disso, que nós vivemos por causa disso, um dia ela evapora e volta a ser nuvem. Não damos nomes às nuvens e dizemos que elas tem identidades e não dizemos – Lá vai a nuvem Joana, coitada, vai morrer hoje pois esfriou e ela vai chover até se acabar – mas fazemos isso conosco e isso mostra nossa cegueira.

Pergunta - Por que?
Monge Gensho - Porque o eu é muito nítido, muito forte, você abre os olhos e vê os outros. Você tem ouvidos e ouve sons. E você pensa “Ah, isso sou eu!” Isso não é você, isso são sons, é a visão, são cheiros. Por que você pensa que é o que ouve, o que vê, o que cheira, o que prova? Nós pensamos que nossa mente somos nós mesmos, essa conformação mental é nossa consciência. Esse que pensa como Descartes “Penso, logo existo”. Eu penso, logo eu existo. Não é isso. Eu penso, por isso penso que existo. Esse pensar não fez um eu. Assim como a chuva que cai não faz nada, não faz um eu. Nós pensamos, só pensamos. Esse pensar nos atrapalha, cria a ilusão de um eu. Por isso sentamos e tentamos fazer com que nossa mente se acalme. Porque quanto mais ela cogita, mais ela se agarra à sua identidade e tem medo que sua identidade desapareça. Tem tanto medo que a identidade desapareça que cria fantasias religiosas. Eu vou continuar para sempre, eu tenho uma alma eterna. Quem morre não sou eu, é só o corpo, eu continuo depois. Vemos isso nos desenhos animados. Tom o gato morre e a alma dele vai saindo do corpo, e ele consegue agarrar pelo rabo e puxa de volta. Nós criamos essas fantasias, mas não existe uma alma eterna. Nós somos movimento da vida. Nós somos eternidade. Nós temos continuidade sim, há continuidade, não há com ir embora. A morte é que é uma ilusão.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Quem realmente nos engana


(continuação)
Mas nós adultos também nos perdemos, não vemos a vida com clareza porque não percebemos que a morte ilumina a vida. Se nós colocássemos as coisas numa perspectiva de que “vou morrer em uma semana”, o que é relevante agora? O que eu realmente faria, o que seria importante? Aí as coisas ganhariam uma perspectiva diferente. Percebemos que pessoas que passam por experiências mais radicais de vida, como o anuncio de uma doença grave, podem passar a ver a vida com mais clareza depois, porque ela se esvazia das coisas minúsculas, das coisas que não tinham importância.

Quando as pessoas estão no leito de morte, perdoam todo mundo. É frequente estar lá e não ter mais importância a briga que eu tive com meu irmão por causa de um terreno ou de uma herança, aquilo não tem mais importância, porque o que eu quero, morrendo, é me reconciliar com meu irmão. É comum ouvir um médico dizer que ele vê no leito de morte as pessoas se importarem com isso, com as reconciliações e não mais com as coisas, porque eles não levarão as coisas. É claro que haverão aqueles que estão morrendo e pensarão que vão levar e ficam desesperados em como fazer para levar as suas coisas.

Li um conto uma vez de um homem que era muito rico e pediu para ser jogado no mar, então ele mesmo preparou seu caixão. Ninguém sabia o que ele havia feito da sua fortuna. E no conto eles decifram o que ele fez. Pegou todo seu dinheiro e comprou platina, que é mais caro que ouro, e fez seu caixão de platina. Sem que ninguém soubesse do que era feito o caixão, ele foi jogado ao mar com todo seu dinheiro. Isso pode acontecer. Mas isso conduz a um renascimento com o mesmo tipo de angústia, mas sem a platina. Vai ter que acumular e procurar de novo e pode repetir isso mil vidas sem nunca se libertar. Então, o que é o acordar? O que é a iluminação? A iluminação é o despertar de um sonho. Nós estamos mergulhados em um sonho, o sonho de nossa identidade. Eu acho que sou “eu”, estou me importando com as coisas de “eu” aqui e agora. Não estou enxergando a unidade de todas as coisas, a interconexão, o fato de que todas as coisas e eu somos um. Como não enxergo isso, então estou sonhando e esse sonho do “eu” que tanto amamos, da nossa identidade pessoal, é nossa perdição. Por isso que quando Buda se ilumina ele diz para o vulto dele mesmo “tu não me enganas mais”! Porque quem nos engana somos nós mesmos.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Quando como como


Existe um diálogo bem famoso, perguntaram à um mestre – Mestre como é a iluminação? - e ele respondeu - Quando sinto fome, como, quando sinto sono, durmo – e o discípulo disse - Mas isso é o que todo mundo faz - e ele disse – Não, não é. As pessoas sentam para comer pensando em outra coisa, em suas perdas passadas, se terão comida amanhã, ganhos futuros, dificuldades, ou até na unha encravada que dói e não aproveitam, não comem realmente. As pessoas que vão dormir, deitam e pensam em qualquer coisa e não dormem bem, demoram para dormir porque estão ansiosas, preocupadas, realmente não dormem. Eu quando sinto fome, como. Quando sinto sono, durmo. Podemos estender isso para qualquer atividade da vida. Para tomar banho, fazer amor, pegar uma criança no colo, abraçar um amigo. Se você estiver completamente dentro daquilo que você está fazendo, você está vivendo de verdade, está vivo, os outros não estão vivos realmente, não estão acordados, estão dormindo um sonho qualquer de depressão, de ansiedade, angustia ou de tristeza e até o desejo de que a vida fosse diferente do que é nesse momento.

Mas essa é a vida que você tem e esse momento é tudo o que você realmente tem. Nós nos perdemos nos sonhos do ego, em todas as coisas que estão anexadas ao nosso eu, nossos impulsos e desejos, nosso carma que nos trouxe para cá. Nossos desejos de reconhecimento, nossos desejos de cargos, desejos de glória e fama. “Kodo Sawaki Roshi” disse que “o pior vício do ser humano é o desejo de fama”, então, há poder e coisas que nem são materiais, mas pelas quais os homens estão dispostos a fazer tudo.

Para conservar o poder, ditadores podem jogar fora o dinheiro que acumularam ou roubaram de seus povos, matar pessoas, mandar bombardear, fazer qualquer coisa, como podemos ver nesse mundo de hoje. Esse desejo de poder e fama é um desejo terrível. Às vezes nos perdemos com desejos de “coisas” somente, e ficamos infelizes atrás de uma casa nova, um carro, ou qualquer outra coisa. Esse “estar perdido” é frequente quando olhamos as crianças pequenas que ainda não aprenderam a esperar, se você disser – Não, agora não, chocolate agora não, depois do almoço, daqui a vinte minutos, depois que você comer eu lhe dou essa barra de chocolate – então elas começam a chorar desesperadas, muito infelizes, pois elas querem o chocolate agora, não conseguem esperar um instante. Isso é uma falta de clareza da percepção de como o tempo transcorre.(a transcrição da palestra continua)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Viver integralmente


Então, entre o primeiro despertar e uma iluminação completa, vai uma distância bastante grande. Mas nós que viemos ao sesshin (retiro) e nos sentamos para fazer zazen, viemos com um propósito: nós nos sentamos em zazen para que nossa mente seja limpa. Sesshin quer dizer “consertar a mente” ou “reunir a mente que está dispersa”. Nós viemos para praticar de uma forma dura o suficiente para criar alguma experiência dentro de nós. Então essa prática está cheia de silêncio para que nós não sejamos arrastados por ventos, por isso é tão importante não falar, não conversar, porque tudo vai nos mobilizar. Nós podemos gostar de uma palavra que alguém diz e podemos não gostar de uma palavra, de uma atitude, de qualquer coisa, e isso vai atrapalhar nosso sesshin. Então o sesshin deve ser profundamente solitário e silencioso. Fazemos toda a prática, sentamos e, cada vez que estamos no zendo, tentamos nos livrar de todo passado e futuro, tentamos ficar ali, só tem uma coisa que realmente existe, esse vento movendo as árvores, ou o ruído do regato, ou pássaros que cantam, mas assim que isso acontece, deixa de acontecer e vamos avante, são sons com muito poucas marcas que nos mobilizam, diferente das palavras e das expressões dos outros que podem nos mobilizar.

A iluminação ou o despertar não significa nos desligarmos da vida, em absoluto. Significa mergulharmos mais profundamente na vida, na realidade da vida, não significa nos abandonarmos ou abandonarmos tudo que fazemos. Ontem alguém me disse que se abandonássemos nosso “eu” não realizaríamos coisas. Eu apontei o fato de que os mestres e monges trabalham e tentam fazer coisas no mundo e modificam o mundo, portanto estão muito empenhados, estão inseridos no mundo.

Uma das frases preferidas de Saikawa Roshi é “enjoy your life”, aproveite sua vida. Usufrua de sua vida, goste de sua vida. “Joy” em inglês, tem alegria dentro - usufrua de sua vida com alegria. O amor que você tem, os filhos, as pessoas a quem você ama. Quando sentar para comer coma com alegria e aproveite cada bocado completamente. Durma com prazer, sente no zazen com prazer. Aproveite cada pequeno som que você ouve. Essa vida é preciosa, insubstituível, é para ser aproveitada com intensidade. Na realidade o que o zen diz é que quando nós estamos sonhando, pensando, viajando, não conseguimos aproveitar a vida como ela é. Sentamos para comer e não conseguimos sentir o gosto da comida porque estamos pensando em outra coisa. Deveríamos fazer as coisas completa e dedicadamente, muito envolvidos naquilo que estamos fazendo. A vida é preciosa e maravilhosa, devemos saber vivê-la completamente.(continua..)