terça-feira, 3 de junho de 2008

CARTA ABERTA DO COLEGIADO BUDDHISTA BRASILEIRO AO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL

Rio de Janeiro, 12 de Maio de 2008. Ao Exmo. Sr. Embaixador Celso Amorim Ministro das Relações Exteriores.
[Com Cópia Protocolar ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República]
CARTA ABERTA DO COLEGIADO BUDDHISTA BRASILEIRO AO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL
Exmo. Sr. Embaixador Celso Amorim,
O Colegiado Buddhista Brasileiro, instituição sem fins lucrativos e representativa das múltiplas manifestações do budismo no Brasil, vem, por meio desta, resumir o resultado do Debate Público sobre a Questão Tibetana, realizado a seu pedido e por intermédio da Vereadora Aspásia Camargo (Partido Verde), no Plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, no último dia 12 de maio de 2008. Nesta ocasião ficou clara e unânime a posição da comunidade budista brasileira a respeito da questão tibetana e transparente o constrangimento desta em relação à posição tímida e conivente do Itamaraty para com a incontestável violação dos Direitos Humanos ocorrida naquela nação, infringida pela ditadura chinesa.
Os membros do Colegiado Buddhista Brasileiro, infra-assinados, expressam nesta Carta Aberta sua decepção para com o atual Governo Brasileiro que, sendo formado por muitos indivíduos que sofreram as infrações de uma ditadura e que foram eleitos sob as bases de sua luta em prol de uma sociedade pluralista e tolerante, e por seu compromisso para com a democracia e o respeito aos direitos humanos, hoje se subordina a interesses comerciais internacionais e fecha os olhos para o triste genocídio étnico e cultural há mais de 50 anos imposto ao Tibet.
Cabe-nos ressaltar que se o Itamaraty, em nota oficial, expressa seu respeito à suposta integridade do território chinês sem manifestar-se diante dos atos ditatoriais daquele país sobre o povo tibetano, faz recair sobre todo o povo brasileiro uma co-responsabilidade para com o sofrimento deste povo, responsabilidade essa que a comunidade budista brasileira não reconhece e quer publicamente renegar. Ao afirmar seu apoio à pretensão chinesa em anexar, de forma arbitrária e violenta, o território tibetano, o governo brasileiro revela seu despreparo em agir como legislador dos conflitos mundiais (como expresso em sua determinação para fazer parte do Conselho de Segurança da ONU), demonstra seu total desconhecimento da extrema riqueza étnica, religiosa e cultural daquela região, torna implícita sua aceitação às políticas de exceção, e põe em dúvida sua relevância no cenário internacional.
O Colegiado Buddhista Brasileiro, em nome da comunidade budista, manifesta claramente aqui seu repúdio à posição omissa do governo brasileiro, que neste ponto não a representa perante a comunidade mundial. Lamentamos observar que a atitude de nosso atual Governo destrói sua legitimidade na luta histórica de um posicionamento contra as ditaduras.
Em comunhão com o senso de oportunidade de milhões de manifestantes em todo o mundo, aproveitamos a ocasião das Olimpíadas de Pequim para colocar o foco sobre a China: suas grandezas e seus desafios ao integrar a comunidade internacional. Em primeiro lugar, cabe-nos relembrar alguns fatos históricos ampla e internacionalmente reconhecidos e exaustivamente documentados por inúmeras fontes idôneas e independentes, para que não prevaleça a versão doutrinária da propaganda chinesa, mais uma vez difundida pela embaixada chinesa no Brasil, nas palavras do Cônsul Geral da China, Sr. Li Baojun, que compareceu ao “Debate Público sobre a Questão Tibetana” à convite do Colegiado Buddhista Brasileiro e realizou uma vergonhosa manifestação da idéia fascista de que uma mentira, muitas vezes repetida, pode tornar-se uma verdade. Estamos certos de que o Itamaraty
tem conhecimento dos fatos e não se deixa ludibriar pela versão da propaganda de uma ditadura que cerceia as liberdades fundamentais, nomeadamente o direito à informação e ao livre pensamento – é uma versão baseada em informações dúbias e que distorcem fatos históricos, que buscam desmerecer os dados sobre as perdas étnicas, religiosas e ecológicas sofridas segundo os relatórios publicamente divulgados pelo Escritório Oficial da Administração Central Tibetana em Dharamsala, Índia.
Que fique claro que o Colegiado Buddhista Brasileiro tem enorme respeito pelo povo chinês, por suas inúmeras contribuições à história mundial, pela posição que representa no mundo moderno, por sua sabedoria milenar. O que se repudia veementemente aqui é a política de um governo não-eleito, que mantém na ignorância o seu próprio povo, a quem também consideramos vítima – assim como consideramos vítima deste regime o Sr. Cônsul Geral da China, Li Baojun que, não sendo um homem livre, mas submetido a um regime opressor, não tem opção senão se mancomunar com as ordens de seu Governo.
Definitivamente, não estaria de acordo com a ética budista e humanista que pregamos imaginar que a injustiça e a insensibilidade são dos chineses, pois também eles compartilham sofrimentos e frustrações (neste momento, também o povo chinês está vivendo a dor das perdas de vidas devido ao terremoto ocorrido no dia 12 de Maio, com a qual nos solidarizamos); tal erro não pode ser imputado a toda uma nação ou àqueles que compõem um grupo social, uma instituição religiosa ou política, ou simplesmente um gênero sexual ou cor de pele. Um equívoco terrível ocorre quando imaginamos que todo um povo, toda uma classe, todo um grupo humano, é responsável pelas insanidades de seus governantes ou controladores. De fato, a problemática está na incapacidade daqueles que são presas da motivação fanática, da visão egoísta e diferenciadora no mundo, em superar sua pobreza de percepção. Alinhado com a posição de Sua Santidade o Dalai Lama, o Colegiado Buddhista Brasileiro não vem aqui manifestar exigências à independência do Tibet, mas exigir ao seu próprio governo, o governo brasileiro, que, em suas relações internacionais, defenda a preservação dos Direitos Humanos, cujos instrumentos jurídicos é signatário. Que faça valer esta sua assinatura, que tenha coragem e manifeste pública e internacionalmente seu repúdio às versões inverídicas propagadas pelo governo chinês a respeito da sua ocupação alegadamente pacífica do Tibet, às perseguições políticas e religiosas, torturas, exílios, seqüestros, execuções e destruições do patrimônio cultural e ambiental do Tibet, parte integrante da nossa história mundial.
Queremos ainda, neste documento, ressaltar que a ética budista que defendemos busca os meios hábeis para superar em nós mesmos esta ignorância destruidora, esta convicção espúria baseada em erros crassos de interpretação e entendimento, e que muitas vezes vemos com mais facilidade apenas nos outros; devemos praticar todos os dias a coragem de não desistir da paz, do cuidado no diálogo, e da meta maior e definitiva, capaz de curar e transformar a humanidade: o amadurecimento de nossa consciência, de nossa sabedoria, de nosso dom de resistir à falta de compaixão correta.
Porém, a atitude compassiva e coerente com a qual os budistas são comumente identificados não é uma atitude ingênua e condescendente. Quem é capaz de agir com correta compreensão do outro, o faz por força de seu discernimento e não sob a premissa de passiva aceitação. Reafirmamos, portanto, o nosso compromisso em agir com cuidado e empenho a favor da prática de compreensão e diálogo no mundo. Estamos convictos de que mesmo através de torturas, terror e assassínios, apesar do empenho implacável em difundir delusórias interpretações dos fatos, os homens e mulheres alienados em profundo egoísmo, os poderes controladores e intolerantes, os governos insalubres, as facções terroristas e os movimentos fanáticos jamais prevalecem. Ao final, seus nomes serão apagados na memória da Vida, seus atos cruéis e injustificados serão expostos ao tempo e à história com terrível clareza, e as entranhas insalubres de suas convicções jogadas à margem da grandeza humana. Paralelamente a este documento, informamos o Ministério das Relações Exteriores do Brasil que o Colegiado Buddhista Brasileiro apóia publicamente as seguintes propostas de ações positivas apresentadas no Debate Público sobre a Questão do Tibet, assim como todas as ações que tenham por objetivo preservar o Tibet, sua inestimável riqueza cultural e ambiental, e os direitos de seus habitantes:
- Criação de um Centro de Preservação da Cultura Tibetana no Rio de Janeiro, proposta pelo Deputado Federal Fernando Gabeira;
- Indicação do nome de Sua Santidade o Dalai Lama como Cidadão Honorário da cidade do Rio de Janeiro, à exemplo da cidade de Paris, França, proposta pela Vereadora Aspásia Camargo;
- Nominação de espaços públicos brasileiros, a começar pela cidade do Rio de Janeiro, em homenagem ao Tibet;
- Proposição de que o Itamaraty postule perante os fóruns internacionais, notadamente o Tribunal Internacional de Justiça, em Haya, Holanda, a reavaliação da questão tibetana nos seus âmbitos político, social e cultural, e o julgamento das infrações cometidas contra os Direitos Humanos no Tibet.
Concluindo, o Colegiado Buddhista Brasileiro, considerando não haver nem de longe um grave precedente dessa natureza, a de um Líder Religioso e parte significativa de seus compatriotas terem passado mais de 50 anos em exílio, entende que é chegado o momento de Sua Santidade o XIV Dalai Lama e o seu povo retornarem livres à sua própria terra, levando consigo a paz e o bem, assim como, efetivamente, a solidariedade da comunidade internacional, valores tão caros à Humanidade e inafastáveis, ainda por mais tempo, in casu. Por fim, mas não menos importante, que se considere a viabilidade de tornar o Tibet Patrimônio Histórico da Humanidade, com o devido amparo da UNESCO e da festejada Organização das Nações Unidas.
Assina o Sr. Presidente do Colegiado Buddhista Brasileiro,
Prof. Shaku Hondaku (Maurício Ghigonetto)
Assinam os membros da Diretoria Fundadora do Colegiado Buddhista Brasileiro,
Rev. Shaku Haku-Shin (Wagner Bronzeri)
Monge Meihô Genshô (Petrúcio Chalegre)
Dhammacariya Dhanapala (Ricardo Sasaki)
Prof. Tam Huyen Van (Claudio Miklos)
Assinam os membros-colaboradores do Colegiado Buddhista Brasileiro,
Monja Isshin
Monge Shaku Shoshin
Dra. Cerys Tramontini
Prof. Flávio Marcondes Velloso
Sarve Bhavantu Mangalam - Que Todos os Seres Sejam Felizes