China impõe seu conceito de "felicidade" aos monges tibetanos
Pergunta – Esse “eu” a que o senhor está se referindo é, digamos, quem produz nossa personalidade humana, a parte humana material que existe dentro da gente, uma vez que ainda não atingimos a parte espiritual...
Monge Gensho – Esse “eu” é tudo isso. Tudo isso são atributos deste “eu”. Mas não existe um “eu” para atingir algo. Quando afirmamos: “Meu ‘eu’ vai atingir a espiritualidade”, também isso é um engano. É justamente por acreditar no meu “eu”, que não me tornarei espiritualizado. Esse é um erro até econômico, como vimos no século vinte, onde grandes ideologias surgiram tentando levar o homem a uma espécie de felicidade.
Inevitavelmente, todas as tentativas de criar felicidade através de um sistema ou de uma ideologia, fracassaram. Porque o que sempre vimos foi que quando um pequeno grupo de pessoas conseguia o poder e acumulava privilégios, ficando em melhor situação que os outros, este grupo começava a ter coisas que os outros não tinham. Essa é a historia dos nossos últimos cem anos. Esses grupos que tomavam o poder sempre degeneraram no uso de todos os artifícios possíveis para conservarem seu privilegiado status quo. Essa é a história dos sistemas de felicidade, não importando serem de direita ou de esquerda, ou de qualquer outra ideologia; não existe exceção. Só o que houve foi a criação de nomenclaturas, aristocracias, partidos únicos, partidos dominantes e ditadores cruéis, todos querendo manter o poder para seu grupo a qualquer custo, mesmo de corrupção. Essa é nossa história, porque os “eus” e o egoísmo superaram sempre todas as ideologias e sonhos. O budismo diz há dois mil e seiscentos anos que “a solução para a felicidade começa dentro do homem, e não fora dele”. Na verdade, qualquer sistema funcionaria maravilhosamente bem se não fosse o egoísmo.
A esse respeito, me foi enviada uma notícia muito interessante que falava de um grupo de idosos japoneses que se ofereceu para limpar Fukushima, que está radioativa. Como a radiação provocará câncer e morte em vinte anos, eles se ofereceram para limpar a cidade, pois morrerão, muito provavelmente, antes disso. Tenho dito desde aquele acontecimento do tsunami, que a influência do budismo no Japão transparece nos valores da sociedade. Foi essa larga influência que criou um comportamento diverso. Pessoas em fila, em ordem, sem tumultos, todos aceitando sua cota, sem saques ou roubos. Ao invés dos preços aumentarem nos mercados, os donos decidiram baixá-los para que todos pudessem adquirir alimentos e bens essenciais. Essa é a confirmação de que uma sociedade com menos egoísmo funciona melhor. Não importa qual seja o sistema, importam as atitudes individuais. Em outros países em que já aconteceram desastres semelhantes, a primeira coisa que ocorre são os saques, pessoas correndo com televisores nas costas, arrebentando vitrines e carregando o que podem. Ainda levaremos bastante tempo para educar estes povos.