Bom,
a pergunta que origina essa palestra é se existe um observador dentro de mim
que testemunha a minha existência. Não, não existe um observador dentro de você
que testemunha a sua existência. Você pensa, e por isso tem a sensação de existir
como um ser separado. Perguntaríamos o que seria então a lucidez? Porque toda a
outra construção, toda a construção que nós conhecemos é a de termos uma
identidade, e queremos que essa identidade permaneça para sempre. Somos
agarrados a essa identidade. Por isso eu quero ter uma alma que sobreviva à
minha morte, e que continue para sempre.
O
budismo chega com uma proposta filosófica que destrói toda essa construção: não,
não existe esse ser imutável dentro de vocês.
O que existe é um fluxo contínuo de energia que gera identidades. Um
fluxo energético que tem em si uma coesão, e por isso nós podemos dizer que uma
vida é continuação de outra. Mas não existe algo que vocês possam dizer “isto
sou eu”. Todo “eu” é construído por meio de uma concepção. E grande parte dele por
meio de concepções que estão em volta de nós e que nos designam. E essa
concepção está fundamentada num edifício de memória que suporta essa
identidade. Porque você tem uma memória, você tem uma certa solidez da noção de
seu eu.
Se
eu tiro a memória, a pessoa está completamente perdida. E é isso que acontece
na amnésia: eu perdi toda a memória. Então você pergunta a alguém com amnésia: “quem
é você?”. “Não sei”. Qual é seu nome, seu pai, sua mãe, de onde você veio? Eu
não sei, não sei nada. Então não existe identidade alguma dentro de você, além
desta que é suportada pela memória. Ora, isso não é muito fácil de encarar,
porque o que o “eu” quer? O “eu” quer, acima de tudo, sobreviver.