quarta-feira, 18 de junho de 2014

Sem grandes igrejas centrais


 (continuação de palestra)
O budismo não se desenvolveu como as grandes igrejas centralizadas, grandes poderes centrais. Mas ele se espalhou através do ensinamento e os mestres, tipicamente no Zen, instalavam mosteiros e ensinavam, e os alunos que queriam o ensinamento daquele mestre específico, subiam a montanha para ir ao mosteiro falar e estudar com ele. Então se diz: “Mestre fulano de tal, tão importante, teve tantos discípulos”. Este é o significado dessa história. Ele estava subordinado a uma instituição? Não. Não era assim. Havia um grande movimento, que chamamos de “Movimento do Zen” e esses mestres eram discípulos de uma determinada corrente de ensinamentos de um mestre do passado, e a isso chamávamos de escolas. Eram escolas de ensinamento, e não estruturas de poder e os mestres zen, defenderam ferozmente a sua independência. Cada um ensinando a sua linhagem, da maneira como ele achava que devia ensinar. Quem quer, aprende com aquele mestre, quem não quer, vá embora por favor, e treine em outro lugar. E esta é a tradição até hoje com grande fragilidade institucional com muitas dissidências.

Então nós temos aqui hoje mais de 30 pessoas. Isso aqui para o Zen é multidão. Porque isso não é normal. Normal é sentar em zazen, sofrer, doer e não voltar mais. Quem volta tem alguma coisa na cabeça, uma angústia existencial que diz: “eu quero descobrir o que tem por trás disso, eu quero continuar”. Esta pessoa que continua depois desse sofrimento, é a pessoa que nos interessa.
Uma vez, eu tinha uma academia de karatê, há muitos anos atrás, e meu primeiro professor foi fazer uma palestra, e eu convidei os alunos de karatê para sentar na sala, e disse: “temos um Mestre Zen aqui, vocês têm a oportunidade de ouvir a filosofia que está por trás das artes marciais”. Aí foram 30 alunos pra sala. Ele olhou todo mundo, pegou um sino e disse: “por favor, ajoelhados de frente para a parede”. Aí todos se ajoelharam no tatame, pensando que ficariam 2 ou 3 minutos ali em concentração. E ele deixou todo mundo ajoelhado 20 minutos.  4 pessoas levantaram e saíram pela porta. Ele tocou o sino, todos se voltaram para o centro, ele falou: “de frente para parede, por favor, mais 20 minutos”. E bateu o sino. Foi todo mundo embora, ficaram 4 pessoas, eu, um professor de judô, um de karatê e um aluno. Aí ele fez uma palestra sobre o Zen e disse: “Eu não queria falar para aqueles que vieram aqui só por curiosidade”.

Então, na nossa tradição, se você quer ouvir uma palestra, primeiro temos zazen, depois temos palestra, porque quem não fez zazen, e não sofreu ali sentado, não esperou o sino tocar, não ficou com sono, não ficou com dor na perna, quem não fez isso, não merece ouvir uma palestra do Zen. O resultado, é que não fica muita gente. Então parabéns a vocês, que ninguém foi embora!
(continua)