sexta-feira, 13 de junho de 2014
Baldes de água gelada
(continuação)
Pergunta - Na sua palestra o Senhor descreveu a sequência de causas e efeitos do ponto de vista budista, eu queria saber se, no budismo, há um mundo que é fora desse universo, um mundo espiritual ou outro tipo de mundo e como ele interage com essa realidade lógica.
Monge Genshô - No início não adianta eu falar sobre isso, você tem que sentar e praticar meditação. Se você senta e pratica meditação e faz práticas espirituais, pode ser que você atinja outros estágios de percepção. Mas esses outros estágios de percepção você vai discutir com o seu professor. Deixe contar uma história.
Um dos meus Professores, Moryama Roshi, veio ao templo praticar zazen, começou a praticar, estava sentado e viu uma flor brotar no tatame na frente dele. Brotou uma flor e floresceu na frente dele. Ele levantou entusiasmado e foi correndo até a sala do mestre, achando que estava iluminado, pois havia visto uma flor nascendo do tatame. O Mestre gritou com ele e disse: “Makyo! Ilusão, seu idiota! Volte para lá, não existe flor nenhuma”. Este é o Zen.
Uma vez um monge estava sentado em meditação e começou a ver os discípulos de Buda, que como fantasmas o rodeavam, os grandes discípulos de Buda, porque Buda teve dez grandes discípulos, um deles foi seu filho, e eles giravam em volta dele, e ele sentado ali e aqueles fantasmas em volta. E ele foi até o mestre e o Mestre mandou jogar nele alguns baldes de água gelada, os fantasmas desapareceram.
Não estou negando a existência de outras dimensões espirituais mas aqui e agora, não é o tempo de falar sobre essas coisas, porque para isso exige-se grande maturidade. Aqui e agora é o tempo de destruir as ilusões, e essa é a primeira tarefa do professor do Zen, tirar tudo em que as pessoas se apoiam. Na verdade, muitas pessoas acham isso terrível, e não consolador. Eu sei. Se você não suporta isso, não é aqui seu lugar. Um monge Zen não tem o que lhe dar.
Um aluno chegou a um Mestre Zen e lhe disse: “Eu queria que o Senhor me desse alguma coisa no Dharma”. E o Mestre do Zen disse: “Eu gostaria muito de te dar alguma coisa, muito, mas eu só tenho uma bola de ferro incandescente para ser engolida”.
As pessoas querem ouvir sobre esperança, sobre paraísos, sobre salvação, sobre mundos melhores. Mas a primeira coisa que as pessoas precisam se dar conta, é que essa é uma platéia de condenados à morte. Ninguém aqui vai sobreviver a essa doença terminal chamada vida. Talvez eu vá primeiro... Estou com 66 anos e estão começando a acontecer coisas. Então, isso não tem muita importância. Eu estava falando com meu mestre sobre isso e disse: “Mestre, estou com medo da sua saúde, o senhor qualquer dia morre”! Ele disse: “Eu posso morrer, eu já dei a transmissão para você, você é que não pode morrer, não deu a transmissão da luz para ninguém”!
Pergunta – Se não há eu, não há nascimento e morte?
Monge Genshô - Não, não há nascimento e morte. Nascimento e morte, num bom exemplo é assim: você entra numa floresta e caminha, vê folhas caídas no chão, apodrecendo. A floresta está morrendo ou está nascendo? Nenhuma das duas, a floresta está viva! Nascimentos e mortes dentro da floresta são eventos da vida. Seu nascimento e sua morte são eventos da vida. Mais nada que isso. Você que pensa que é importante como fagulha nesse instante, mas na realidade, você é só parte da vida. “Não somos nós que vivemos a vida, a vida é que nos vive”!
(continua)
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