segunda-feira, 30 de junho de 2014
A copa e as identidades
Pergunta – Queria que o Senhor nos orientasse quanto às práticas em casa.
Monge Genshô - A dificuldade das práticas em casa é a determinação. A disciplina. Você precisa pegar o seu zafu, criar um cantinho na sua casa, fazer um pequeno altar, lá acender incenso, e dizer: “eu vou me sentar, 10 minutos, mas eu não vou me levantar antes dos 10 minutos passarem”. Depois vou me sentar 20 minutos, e serão 20 minutos.
Se você fizer assim, criar o hábito e a disciplina, você começa a mudar sua mente, porque essa prática aqui é para aprender, e para sentir o apoio da sangha, mas nós não somos diferentes. Sim, eu sento muitas vezes, e faço muitos retiros, mas não sou eu, são vocês! São vocês que me pedem e eu venho e tenho que sentar de novo. E aí aparecem os efeitos, e depois outro e mais outro e esse é o privilégio de ser monge, porque a sangha força você a praticar. Quando você está sozinho em casa, não tem isso, então você precisa ter disciplina.
O melhor horário é de manhã cedo, porque a casa está em silêncio, e não é o horário que ninguém vai convidar você para sair e tomar chopp, então você senta e faz o zazen, de manhã cedo, à noite é mais difícil. Mas se algum de vocês tiver insônia, levante e sente. Se aconteceu qualquer coisa ruim que agita, levante e sente. Não tome comprimido, sente. Depois de meia hora sentado você estará caindo de sono, levante e deite na cama. Duas vantagens: não tomou o remédio e se livrou do problema, conseguiu colocá-lo na perspectiva correta, lá fora do meu “eu”, esse “eu” que eu acredito e que pode ser ofendido, que pode ser incomodado, que pode ser demitido, que pode ir pro SPC, esse eu todo em que me convenceram a acreditar.
Eu posso jogá-lo fora, porque foi só um jogo que outros criaram para mim. Eu não preciso entrar no jogo dos outros, eu posso jogar meu próprio jogo, que é me libertar de cada penduricalho que eu colocar na minha vida.
Qual é o time aqui? Goiás não é? Então você coloca a bandeira do Goiás e é mais uma fonte de sofrimento. O Goiás perde, você fica infeliz. Então, quanto mais coisas você pendura no seu eu, mais problema. Então, não se agarrem aos jogos e bandeiras que os outros criam. Nós vamos fazer sesshin agora, na época da copa, e quem estiver em retiro não vai saber resultado nenhum de jogo. Estaremos fazendo zazen, nós não entramos no jogo, é outro jogo.
Isso não quer dizer que nós não possamos ir no jogo e achar muito divertido. Mas do ponto de vista budista, como deveria ser? Eu deveria ir, assistir o jogo, apreciar os bons lances de ambos os lados, acabou, ganhamos, perdemos, etc, e acabou. Não tem nada, nada para levar para a rua. Não é?
Eu tive uma experiência fantástica uma vez, em 1998, na copa da França, me convenceram a botar uma camiseta amarela. Nós fomos a um restaurante na Champ´s Elysés, cheio de franceses, e eu cantei o hino deles com eles e depois cantamos o nosso. E nós perdemos o jogo, vocês lembram. E eu estava com a camiseta amarela, minha identidade estava pregada em mim, e eu saí na rua, e os franceses pediam desculpas, muito gentis. Atrás de nós um grupo gritava que nós voltaríamos a pé para a América do Sul, um grupo de argentinos... E como o metrô fechou e a cidade parou, nós tivemos que ir à pé até a Opera onde era nosso hotel, com esses acontecimentos todos sucedendo, eeu vi o que é que é ter uma camiseta amarela no corpo. Uma identidade. E eu não era Monge!
Então, a gente sofre pela identidade que veste, que você assume, é bem assim.
(fragmento de palestra em Goiânia, continua)
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