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sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O Jogo da Vida


Aos olhos de Buda muitas coisas que nós enxergamos na nossa vida são vistas de forma completamente diversa. Nós vamos assistir a um jogo e torcemos para um ganhador, valorizamos o que ganha e desprezamos o que perde. Mas, aos olhos de Buda, ganhadores e perdedores são absolutamente iguais: eles participam de um jogo. O jogo em si, esses ganhos e perdas, não são mais que fantasias de regras que nós criamos, uma espécie de redoma de realidade que envolve aquelas regras que nós assumimos e acreditamos, e daí elas se tornam reais. 

Você pega um tabuleiro de xadrez, você tem 64 casas, oito de cada lado, dezesseis peças. Cada peça tem um movimento diferente: as torres são diferentes dos bispos, os bispos diferentes dos cavalos, os bispos até andam no mesmo tabuleiro, mas de forma completamente diferente - alguns andam só nas casas pretas e outros só nas casas brancas. Então, eles jamais se encontram, andam em espaços diferentes, embora estejam no mesmo lugar. Nós olhamos o tabuleiro e assumimos essas regras, e assim se desenvolve um jogo. E alguns ficam tristes por perder e outros alegres por ganhar. 

Enormes discussões foram feitas, muitos livros foram escritos nos últimos séculos sobre o jogo de xadrez, que é considerado um dos mais antigos. Há um tratado espanhol de 500 anos atrás, e já é considerado um tratado do xadrez moderno. Mas o que é interessante é nós percebermos que é uma bolha de realidade. Foi criada uma bolha por causa das regras que foram assumidas pelos jogadores em cima de um tabuleiro que é todo feito de convenções. A regra dos bispos, por exemplo, é uma convenção. Uma criança que pegue um tabuleiro e não saiba as regras vai brincar com as peças completamente fora delas. 

O que nos interessa nessa analogia é que a vida é construída assim. Nós assumimos as regras do nosso sistema educacional, dos diplomas, das formaturas, chamamos as pessoas de doutor, ou de engenheiro, ou de advogado, de acordo com um determinado número de regras que ele cumpriu. Quando trabalhamos nas empresas, seguimos determinadas regras que foram estabelecidas, por exemplo, por legisladores no Congresso Nacional, e pagamos impostos seguindo essas regras, e ficamos apavorados se não conseguimos pagar uma conta, porque podemos cair na regra do SPC, e ele vai nos listar como maus pagadores, e daí outras pessoas, por causa daquela regra, não te darão crédito, e assim por diante. 

Tudo foi criado com a mesma realidade da regra do tabuleiro de xadrez. O nível de realidade é o mesmo, você assumiu convenções. A pergunta é: isto é realidade ou não? A convenção e as regras se tornaram a nova realidade que se sobrepõe à verdadeira realidade?

[Trecho de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei]

quarta-feira, 23 de maio de 2018

A Continuidade da Vida



Você pode olhar para trás e pensar: “como eu era com 20 anos?”, “eu faria as mesmas coisas que fiz antes com a cabeça de hoje?”, de jeito nenhum, porque você mudou. Sua próxima manifestação vai de alguma forma procurar a família, o país e as condições que repetem aquilo que você já é. Nós vivemos presos num processo de repetição. Não tem porque você ter medo da morte, porque vai acontecer simplesmente a continuação. É muito importante o momento em que você morre, porque ele determina a próxima manifestação, então você tem que estar preparado. O bom mesmo para mim seria morrer no sesshin (retiro), com essa mente, então me manifestaria num mundo propício para continuar essa mente.

Há uma história de um Monge, que não é da nossa escola, mas que era professor de Karatê. Ele perdeu a esposa, voltou para o Japão e se tornou Monge. Voltou para o Brasil, estava em Brasília e de manhã foi tocar o sino do templo. A dinâmica é: toca-se o sino, você faz prostração, dois minutos depois se levanta, toca novamente e faz outra prostração. Enquanto ele fazia uma das prostrações ele morreu e o acharam ali, naquela posição da prostração. O que vocês acham dessa morte? Boa, não é verdade? Então, uma boa morte para vocês.


[Trecho de palestra proferida por Monge Genshô Sensei]

quarta-feira, 14 de março de 2018

A Grande Ilusão




Pergunta: Mas a gente também não dá nome às folhas que caem na floresta, ou às ondas do mar.

Monge Genshô: E por que damos nomes aos homens? Nós não somos nós. Não é você. Se eu pergunto: quem é você, qual é a resposta?

Pergunta: Posso dizer que sou eu?

Monge Genshô: Pode, mas ainda será uma ilusão, porque você construiu esse eu, essa noção de um eu separado. Você construiu, atribuiu um nome a si e diz “eu sou eu”. Na verdade, se retirarmos sua memória, você não saberá mais quem é. Porque você depende da memória para sustentar essa ideia. Então você depende do passado para sustentar a sua noção de eu. Na verdade, todos os nossos eus são sem sentido, assim como seria sem sentido darmos nomes às ondas. Se você desse nomes para ondas ou para as folhas, não seria porque a folha chama Joana que você iria chorar quando ela caísse no chão.

Pergunta: Mas a gente precisa se alimentar, trabalhar, etc., como o senhor falou, e tudo isso gera um sentido de que tudo é tão concreto e real.

Monge Genshô: Tudo é tão nítido que você sofre por ele. Por isso a maior ilusão é a nossa crença num eu pessoal. Essa é a sua maior falha. Você acredita em você e por isso você vai morrer. O eu não vai sobreviver a uma morte. Se não sobrevive a uma amnésia, vai sobreviver ao apodrecimento de seu cérebro? Vai sobreviver aos vermes saindo pelos seus olhos?

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A Vida Humana




O ser humano tem uma condição especial, que é a condição de, em sendo ser humano, experimentar coisas boas e coisas ruins, de ter a capacidade de aprender, experimentar, de ter mais clareza. Os animais vivem em um mundo mais obscuro, em que as coisas são mais difíceis, mais instintivas. E, mesmo entre eles, há muitas graduações. Existe muita diferença entre uma ameba e um cão. Há cães compassivos, bondosos, que a gente olha e diz: “parece gente”. E tem pessoas que a gente olha e diz: “mas é um animal” . Obscuro, completamente perdido, vivendo instintivamente. 

As fronteiras de crescimento espiritual entre homens e animais tem um ponto em que tais fronteiras começam a coincidir. Tem animal que em uma próxima manifestação pode vir a ser um ser humano, e este ser humano aqui pode regredir a ponto de ser um animal. Ele manifestar-se-á em uma condição muito pior do que a que estava. Para o budismo não existe a ideia de progresso eterno. No budismo, você tanto pode andar para frente quanto para trás. Isso depende de você.  E não é muito difícil andar para trás.

Pergunta: Nesta linha de raciocínio, o ser humano seria o último dos seres?

Monge Genshô: Na Terra, a manifestação humana é a manifestação mais privilegiada. E a tradição diz que conseguir uma manifestação humana já é um grande privilégio, porque ela é rara, é difícil.

Pergunta: Por ser mais evoluída?


Monge Genshô: Por ser mais rara e por ter mais clareza, linguagem complexa etc... É muito mais fácil ser uma bactéria. É muito mais fácil você ser uma formiga. Há muito mais condição por ser uma questão de números. Conseguir se manifestar como ser humano é um privilégio, em termos de número. Uma antiga lenda, antiga história budista, diz assim: uma tartaruga sobe do fundo do mar de 100 em 100 anos; em cima do oceano há uma argola de madeira, flutuando; a chance dela subir e colocar a cabeça exatamente dentro daquela argola flutuando é a mesma que você tem de nascer como ser humano. É um grande privilégio. É uma grande vantagem, comparada com a quantidade de seres que existem, de manifestações possíveis. 

[Trecho extraído de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei]