quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Os Monges


Os Monges, no tempo de Buda, estavam permanentemente andando, e apenas paravam no período das monções, no período das chuvas, durante três meses, fazendo cabanas de palha na floresta, e ficavam durante esses três meses de chuvas lá. Isso tinha sentido na Índia tropical, mas não na China. Na China não havia ambiente cultural para se mendigar, que era uma coisa muito mal vista. Então, os Monges começaram a cuidar da terra, plantar, cozinhar e então surgiu uma cozinha vegetariana nos mosteiros. A cozinha shojin ryoki, porque os monges não podiam matar, e essa regra eles não queriam descumprir, de modo que a saída foi criar uma cozinha em que não se matava.

Isso teve uma repercussão interessante, que é a tradição dos Monges de longa vida e lucidez. Essa tradição parece que surgiu do modo de vida monástico nos quais se inclui uma alimentação frugal. Mas aos monges nunca foi dito: é proibido você comer carne. A comida vegetariana era a comida do monastério, mas quando ele saia e alguém lhe oferecia comida pronta, se viesse uma carne ele não podia recusar, pois essa é a regra antiga do tempo de Buda. Então, as regras mudaram, Pai-Chang escreveu novas regras para os Monges, que são as regras monásticas do Zen até hoje. Têm por volta de 1.200 anos, ou seja, as regras mudaram no Japão por causa de imposições políticas e perseguições, os Monges foram obrigados a casar, e o resultado disso foi que nós temos um outro tipo de monasticismo, que até não poderíamos chamar de monasticismo. Dizemos “Monge” ainda por tradição, mas a palavra vem do grego monakhós, que quer dizer sozinho. Discute-se também se não deveríamos usar a palavra “reverendo”, mas temos que mudar em todos os países simultaneamente. Hoje na França é moine, em inglês é monk, nos outros lugares também é a mesma coisa. Teríamos que mudar para todas as organizações de origem japonesa essa denominação, mas o que importa é que na verdade o budismo e o monasticismo vêm se adaptando à circunstância e às próprias demandas da população.

Nós não teríamos um único Monge no Brasil se a regra fosse só poder comer se tiver mendigado. Eu teria morrido de fome muito tempo atrás, Sodô San também, porque essa regra só é possível de ser praticada onde existe essa tradição de mendicância. No Japão existe mendicância ritualizada nos monastérios, creio que fiz isso cinco vezes na minha vida. Saía com sino, tigela, como pedinte na rua. Você se veste de uma maneira tradicional para fazer isso. Pensaríamos que deve ser muito humilhante, mas no Japão não é. Se você sai vestido de Monge com a tigela na mão, um sininho, está inserido dentro de uma cultura que vê isso como honroso, e as pessoas fazem reverências para você e vêm fazer doações na sua tigela. Você recita um Sutra, agradece e continua. Em nenhum momento você se sente humilhado. Ninguém cospe em você, nem chuta, nem nada. Então, nós temos que ver todas essas coisas com um olhar da própria história, das modificações, e entender como elas ocorrem. Olhar a vida, nossa própria vida, nesse contexto.

[Trecho de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei]