Os Monges, no tempo de Buda, estavam permanentemente andando, e
apenas paravam no período das monções, no período das chuvas,
durante três meses, fazendo cabanas de palha na floresta, e ficavam
durante esses três meses de chuvas lá. Isso tinha sentido na Índia
tropical, mas não na China. Na China não havia ambiente cultural
para se mendigar, que era uma coisa muito mal vista. Então, os
Monges começaram a cuidar da terra, plantar, cozinhar e então
surgiu uma cozinha vegetariana nos mosteiros. A cozinha shojin ryoki, porque os
monges não podiam matar, e essa regra eles não queriam descumprir, de modo que a saída foi criar uma cozinha em que não se matava.
Isso
teve uma repercussão interessante, que é a tradição dos Monges de
longa vida e lucidez. Essa tradição parece que surgiu do modo de
vida monástico nos quais se inclui uma alimentação frugal. Mas aos
monges nunca foi dito: é proibido você comer carne. A comida vegetariana era a
comida do monastério, mas quando ele saia e alguém lhe oferecia
comida pronta, se viesse uma carne ele não podia recusar, pois essa
é a regra antiga do tempo de Buda. Então, as regras mudaram,
Pai-Chang escreveu novas regras para os Monges, que são as regras
monásticas do Zen até hoje. Têm por volta de 1.200 anos, ou seja,
as regras mudaram no Japão por causa de imposições políticas e
perseguições, os Monges foram obrigados a casar, e o resultado
disso foi que nós temos um outro tipo de monasticismo, que até não
poderíamos chamar de monasticismo. Dizemos “Monge” ainda por
tradição, mas a palavra vem do grego monakhós, que quer dizer
sozinho. Discute-se também se não deveríamos usar a palavra
“reverendo”, mas temos que mudar em todos os países
simultaneamente. Hoje na França é moine, em inglês é monk, nos
outros lugares também é a mesma coisa. Teríamos que mudar para
todas as organizações de origem japonesa essa denominação, mas o
que importa é que na verdade o budismo e o monasticismo vêm se
adaptando à circunstância e às próprias demandas da população.
Nós
não teríamos um único Monge no Brasil se a regra fosse só poder
comer se tiver mendigado. Eu teria morrido de fome muito tempo atrás,
Sodô San também, porque essa regra só é possível de ser
praticada onde existe essa tradição de mendicância. No Japão
existe mendicância ritualizada nos monastérios, creio que fiz isso
cinco vezes na minha vida. Saía com sino, tigela, como pedinte na
rua. Você se veste de uma maneira tradicional para fazer isso.
Pensaríamos que deve ser muito humilhante, mas no Japão não é. Se
você sai vestido de Monge com a tigela na mão, um sininho, está
inserido dentro de uma cultura que vê isso como honroso, e as pessoas
fazem reverências para você e vêm fazer doações na sua tigela. Você recita um Sutra, agradece e continua. Em nenhum momento você
se sente humilhado. Ninguém cospe em você, nem chuta, nem nada.
Então, nós temos que ver todas essas coisas com um olhar da própria
história, das modificações, e entender como elas ocorrem. Olhar a
vida, nossa própria vida, nesse contexto.
[Trecho de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei]