quarta-feira, 13 de junho de 2012

Talidade



Talidade é uma palavra nova em português, um neologismo. Ele pretende traduzir a expressão inglesa suchness. Poderíamos explicar isso como as coisas tais como realmente são. Em primeiro lugar nós devemos compreender que não vemos ou percebemos nenhuma coisa no universo senão através dos nossos sentidos. Podemos tomar o nosso sentido mais aguçado nos seres humanos, o sentido da visão. A nossa visão vê as tábuas, desse assoalho. Mas nós vemos o que realmente são as tábuas quando estamos olhando? Não.O que nós estamos vendo é um dos aspectos perceptíveis sobre as tábuas deste assoalho. Ou seja, as nuvens de átomos que formam a madeira predominantemente carbono, agrupadas de uma determinada forma, através de uma concentração de energia imensa, que é a matéria, reflete alguns dos raios do espectro eletromagnético na faixa da luz visível. E estes reflexos destes fótons batendo na madeira chegam até o nosso olho, entrando no olho, batem na retina. Este pequeno aspecto de todo espectro eletro-magnético, bem estreito no espectro total, impressiona nossa retina e é transformado em sinais nervosos através do nervo ótico. Vão até o nosso cérebro, ao centro da visão, aonde são interpretados por um software específico  que se traduz numa determinada impressão nos nossos neurônios a qual é julgada de acordo com as nossas impressões anteriores de visão e , interpretada, nos dá uma sensação de que estamos vendo madeira no assoalho.
Então, existe aqui, nesta descrição, uma imensa variedade de filtros que leva até esta impressão do assoalho que nós estamos vendo. Daquilo que o assoalho reflete vemos apenas uma parte minúscula e mesmo assim esta parte minúscula é filtrada através de um mecanismo de visão, de transformação em impulsos neuroquímicos e elétricos que no nosso cérebro se transformam nessa sensação.
Isso sempre foi um assunto importante para o budismo.O que é o contato, o que é sensação, o que é percepção, o que é consciência. Então tomamos consciência da existência dessa madeira. Mas, pelo que vocês podem deduzir desta descrição, aquilo que nós vemos da madeira não é mais do que uma sombra, uma interpretação da madeira e muito menos do que a madeira realmente é. Podemos interpretar o fundo do mar através de um sonar refletindo ondas sonoras e ver como é que é o fundo do mar. É outra maneira de perceber uma coisa. A outra, ouvindo o seu som.(neste momento Monge Genshô bate no assoalho)O som dessa madeira, o que é? Vibrações no ar, sonoras, que chegam até os nossos ouvidos, vibram nossos tímpanos, são transmitidas através do ouvido médio até o ouvido interno, vibram cordas sonoras no caracol do ouvido interno e são transformadas de novo em sinais nervosos pelo nervo auditivo e são transformadas dentro do cérebro em interpretação. Através desses filtros de impressões diferentes tomamos conhecimento do que o mundo aparenta ser. Mas, onde quero chegar é: não vemos as coisas tais como elas são, mas apenas temos impressões parciais interpretadas de tudo.
Nada é verdadeiramente aquilo que parece ser para nós. Então nós como seres humanos, vivendo no universo, usamos o nosso corpo para perceber o universo em volta, temos uma sensação de que conhecemos uma realidade, os outros, as coisas, os objetos, nós temos a sensação de que conhecemos essa realidade. Na realidade vemos apenas sombras que os objetos projetam. Não sabemos o que eles realmente são e é impossível saber o que eles realmente são através desses nossos órgãos de percepção. Sabemos que as outras pessoas percebem de forma muito semelhante a nós, por isto podemos conversar a respeito das coisas. E quando descrevemos um sentimento, mesmo sutil, através de uma poesia ou quando fazemos música e vemos que os outros se emocionam com a mesma coisa que nós, percebemos que eles têm o mesmo tipo de aparelho de percepção e por isto podemos conversar a respeito desses sentimentos que nos desperta o mundo em volta.
Todos nós achamos as flores lindas e o perfume das rosas delicioso. Então essas nossas percepções são semelhantes. Mas de novo,  nós não sabemos o que as coisas realmente são. Por quê? Porque elas são percebidas através de  filtros. A pergunta é: é possível a talidade? É possível percebermos as coisas tais como são? A resposta é sim, é possível. É possível perceber as coisas tais como realmente são, mas não através das interpretações da nossa mente. Só é possível perceber as coisas como realmente são através de uma percepção não elaborada, pensada, ou julgada.
Portanto, a talidade é perceptível por nós? Sim, mas não com os nossos olhos normais e sim retirando os olhos do nosso rosto e colocando outros olhos, os olhos de Buda , com eles podem se ver as coisas tais como são porque estão completamente isentos de qualquer julgamento, de certo ou errado, bom ou ruim, dos opostos, das dualidades e das interpretações do nosso software mental.
(continua)