terça-feira, 26 de novembro de 2013

O homem e sua circunstância


No primeiro dia de retiro, quando sentamos, muitas coisas vêm à nossa mente. Mas do primeiro para o último zazen do dia já possível observar uma mudança na mente. No início a agitação é bem maior e vêm mais coisas à mente, mas como elas se repetem no decorrer do dia, é possível perceber que há uma mudança e o que se apresenta nos últimos zazens é um pouco diverso. Mesmo quando sentamos e pensamos que fizemos um mau zazen, esses efeitos podem ser percebidos.  Não existem bons ou maus zazens, você fez o zazen possível com a mente que você tinha naquele momento. O grande desafio do sesshin é mudar a mente, mudar seu conteúdo. As imagens que surgem são a fotografia do nosso estado mental. Você deve olhar e dizer sem engano: “esse sou eu”. Sentado de frente à parede não há ninguém para enganar. Irão surgir os pensamentos que são predominantes neste momento e isso é muito importante, pois são os conteúdos importantes de hoje, aquilo que você vive agora, pode ser que semana passada você fosse outra pessoa e pode ser que amanhã seja outra diferente, com outra mente. Vai depender do que você alimentou sua mente, as notícias que recebeu e os estímulos.

Temos a tendência de pensar que o “eu” é estável e sólido, mas não é. Ele é constantemente alterado pelas circunstâncias e acontecimentos. Ortega y Gasset, um famoso filósofo moderno disse que “O homem é o homem e sua circunstância”, a circunstância de agora me altera. Como você pode lidar com a vida tal como ela se apresenta? Você não pode alterá-la, só a sua perspectiva com relação à vida pode ser alterada. Tem uma pessoa à quem tenho que ligar amanhã, apesar de estar em retiro eu assumi um compromisso com ela, pois seu filho está com câncer e amanhã começa a quimioterapia. Ela me disse: “amanhã começa a quimio, vai ser uma coisa muito pesada”. Então eu lhe disse: “não, amanhã começa a cura”. A situação é a mesma, mas você pode mudar a maneira como a vê. É sim uma coisa difícil que começa, mas é também a cura.

Quando eu era criança, leucemia era uma sentença de morte, mas hoje existem 85% de possibilidade de cura. A vida toda é assim, você pode olhar para ela e vê-la de forma diferente, alterar a maneira como a vê. Veja a sangha, por exemplo, você pode pensar que ela é obrigada a aceitar a sua maneira de ver as coisas e pode ser que a comunidade não aceite sua opinião. O que você faz, aceita ou luta? Você é a sangha. Você deve aceitar. À medida que vamos vivendo vamos elaborando a vida e a transformando, mudando os óculos que colocamos para ver o que sucede. Se uma pessoa não gosta da minha maneira de agir eu posso ter dois óculos, com um eu a verei como errada e eu como certo, e com outro eu me veria como errado. Quem sabe eu não saiba como atingir os objetivos, mais ainda, quem sabe eu nem deveria ter objetivos?