terça-feira, 5 de novembro de 2013
O zen ocidental
Ainda hoje no extremo oriente existe uma distinção entre Monges e leigos. Na China, o Chan não é como o Zen que conhecemos, eles têm, por exemplo, práticas devocionais para os leigos que recitam orações para Buda e o zazen é somente para os monges. No Japão surgiu uma prática leiga e até existiram professores respeitados do Zen que eram leigos. A grande mudança aconteceu no ocidente e Shunryu Suzuki disse que no ocidente os Monges são um pouco leigos e os leigos são um pouco Monges, como é o meu caso, Monge Zen e tenho uma profissão fora da Sangha.
No Japão, normalmente, os leigos não fazem sesshin. Aqui no ocidente os leigos recebem orientação teórica sobre a doutrina Budista em um nível que mesmo os Monges no oriente não recebem. Os que estudam o Zen são os que vão para a universidade. Aqui os leigos escutam o que os Mestres diziam para os Monges, porque antigamente os leigos eram poupados dos terríveis ensinamentos do Zen que sacodem e derrubam as estruturas nas quais as pessoas se agarram. Essa é a característica que está tomando o Zen ocidental. Nós que vivemos dessa forma não percebemos o quão excepcional é esse Zen. Por esse motivo eu vejo todos como praticantes admiráveis, mas os patriarcas dedicavam sua vida ao Dharma de forma integral.
O ensinamento era passado de um a um, essa era a transmissão e a forma de dizer que o aluno tinha a mente do Mestre. Com o ato de entregar o manto e a tigela, o Mestre reconhecia a compreensão do aluno como igual à sua. “Hui Neng”, que foi um grande Mestre chinês, deu a transmissão para cinco discípulos e somos descendentes de um desses alunos, “Seigen Gyoshi”. Quando andamos para trás nos apoiamos em nomes de grandes Mestres fundadores que dedicaram sua vida inteira ao ensino do Dharma e conseguiram passar a transmissão para algum aluno. Quando um Mestre não consegue passar a transmissão, sua linhagem morre.
Dos alunos de “Hui Neng” somente duas linhagens sobreviveram. Isso mostra como de certa maneira o Dharma é frágil. Um exemplo bem claro disso é a linhagem feminina que foi totalmente extinta, obrigando as mulheres Monjas de hoje a tomarem refúgio em linhagens masculinas. Não existe uma linhagem feminina que se possa recuar até Prajna Pati, a primeira Monja histórica, que era tia de Buda. Se eu não conseguir dar a transmissão para nenhum aluno, minha linhagem morrerá.
Quando recitamos os nomes de Shakyamuni até Saikawa Roshi, estamos dizendo que reverenciamos esse difícil trabalho de transmitir o Dharma. O Budismo poderá desaparecer quando não houver transmissão, a transmissão for falsa ou baseada na forma e em rituais. Um antigo Sutra fala disso, dos três estágios do Dharma. No primeiro a iluminação, a forma e o ensinamento estão presentes. No segundo, com o passar dos séculos o ensinamento, a forma e os rituais estão presentes, mas a iluminação não, a experiência mística desapareceu. No terceiro estágio ainda existem os Monges e a instituição, que ainda sabem os rituais, mas o ensinamento e a iluminação estão perdidos e nessa fase de decadência chamada “Mappô”, o Dharma morre.
Dizemos no Zen que isso é didático e que a iluminação é possível agora, pois temos todos os elementos e o Dharma está vivo. O único sentido de praticarmos é o de procurarmos esse despertar dos sonhos. Se despertarmos dos sonhos das ilusões, todas as raízes do sofrimento são cortadas. Se virmos os aspectos ilusórios da vida, a raiz do medo de morrer desparece, pois eu vejo que o meu “eu” é uma construção ilusória. Essa é a essência do Dharma.
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