sexta-feira, 25 de abril de 2014
Nada está perdido
3) Essa sequência histórica é construída artificialmente ou foi assim mesmo?
Monge Genshô – A sequência histórica de Buda até Bodhidharma é provavelmente uma construção posterior, uma dedução, embora exista um livro chamado “Denkoroku”, que narra os acontecimentos de transmissão desde Buda com suas circunstâncias históricas e biografias. Há vários documentos antigos a respeito, Biografias do Bosque do Tesouro ( Pao-lin tch’uan) de 801 DC, Biografias dos monges eminentes dos T’ang (T’ang kao sêng tchuan) de Tao Hsiuan (Daoxiuan, 597-667) assim como Anais da transmissão da luz da lâmpada (Tch ‘uan-ting lu) de 1004 e Relato da transmissão do Tesouro da Lei (Tchuan fa pao ji) de 721, obra de Tu Fei (651 - 739).
Alguns personagens são rodeados de lendas, como Bodhidharma. Principalmente nas histórias indianas há muito mito, mas a partir da China a história começa a ter um caráter mais límpido. Para nós que recitamos os patriarcas é importante reconhecermos a sequência da transmissão como uma tradição relevante.
4) Com relação ao que o senhor falou na palestra, o absoluto e o relativo, esses momentos que já estão na memória são destruídos e só o que temos de verdade é o momento presente?
Monge Genshô – Temos na física um paralelo bastante interessante. Se observarmos os anéis de Júpiter, eles possuem ondulações e se formos voltando no tempo e reconstruindo o que aconteceu até chegarmos a sua origem, teremos a data em que o cometa Shoemaker-Levy 9 caiu em Júpiter em 2009. Através de um modelo matemático você consegue ter a origem das ondulações. Qualquer coisa que você faça gera um registro de consequências, é como se o universo fosse um gigantesco disco rígido onde tudo fica registrado de maneira que, se você volta no tempo, pode ver o que aconteceu antes, nada está perdido.
Na Escola Yogacara existe o conceito de “Alaya Vijnana”, que é a consciência depósito do universo, onde tudo fica registrado. Uma vez uma pessoa que estava morrendo veio até mim com um sentimento de imenso pesar, pois ela imaginava que com sua morte tudo estaria perdido, o amor de seus filhos, de seu marido e seus familiares, na cabeça dela tudo pelo que havia passado e o amor que havia sentido estaria tudo apagado e sendo assim, nada do que passou e mesmo todo o sofrimento teria sido em vão, tudo estaria perdido com um cérebro que se apaga.
Não é assim, nada está perdido, nosso cérebro se apaga, mas o universo não. Tudo está permanentemente disponível e de alguma forma pode ser recuperado. A lenda conta que Buda quando se iluminou lembrou-se de suas quinhentas vidas. Como pode ser isso? Podemos lembrar-nos de tudo, pois nada está perdido, o que não temos é o “acesso”, mas se você desenvolver o acesso, conseguirá.
Por isso devemos tomar muito cuidado com o que fazemos, falamos e até mesmo pensamos. Só existe carma porque existe continuidade de nossas ações e pensamentos, portanto, também do registro. Em última análise, o registro das causas é sua consequência. Em algum momento esse chá foi quente. Onde foi parar o calor que estava nesse chá? Desapareceu? Não, ele ainda existe dissolvido no ar, só não pode ser acessado facilmente.
Marcadores:
anais,
biografias,
Bodhidharma,
budismo,
China,
consciência,
Denkoroku,
depósito,
histórica,
Índia,
Japão,
lâmpada,
lei,
monges,
relato,
sequência,
T 'ang,
transmissão,
Yogacara,
zen