terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Classificações e Dualidade


Monge Genshô: Pensem, pela ótica budista, uma criança pequena sendo ensinada a ser um “eu”. Ela nasce e, quando ela começa a balbuciar as primeiras palavras, diz simplesmente que “neném quer”. Neném não é um “eu”, mas nós ensinamos esta criança a assumir uma personalidade. “Você é ‘eu’, é um indivíduo separado! Seu nome é este!”. A criança absorve isso, e assim começamos a criar a dualidade. Aliás, a nossa linguagem tem esta característica, sobretudo quando queremos entender as coisas. É daí que surgem as classificações, que fazemos questão de colocar na nossa “prateleira de conceitos”. “Isto é isso ou é aquilo? Embaixo, ou em cima? Certo ou errado? É direita ou é esquerda?”. Nós queremos entender tudo por classificações, colocando todas as pessoas em escaninhos.

Não é de se admirar que algumas pessoas perguntem: “Em que mês você nasceu? Ah, as pessoas que nasceram em tal mês, do dia tal ao dia tal, são isso...”. E aí colocam você naquele escaninho e dizem “você é assim, assim e assim...”. Isso ocorre porque a nossa maneira de conhecer o mundo é através da classificação.

Nós estamos aqui para ajudar os outros seres, e esquecer-nos de nós mesmos, esta é a essência do budismo. O sofrimento existe da noção de um “eu” separado. Porque eu me acredito separado, então gero sofrimento. E às vezes as pessoas vêm até mim e dizem que têm um grande problema de solidão e normalmente eu recomendo uma coisa: “Saia de você!”. Pare de olhar para o seu umbigo. Se você sofre de solidão, há crianças nos orfanatos e idosos em casas de repouso que adorariam receber visitas. Há muitas pessoas que estão muito necessitadas que alguém vá até elas. E você permanece em casa pensando em sua solidão? Saia daí e vá visitar os verdadeiramente solitários! E se você for visitar os verdadeiramente solitários, você se livrará de sua solidão. Mas, na verdade, as pessoas dificilmente seguem esta receita.

Na verdade, e relativamente falando, nós somos todos sutilmente diferentes, e é daí que também surgem as diferentes correntes religiosas. E a dificuldade de existir um diálogo inter-religioso é exatamente a incapacidade de “abandonarmos os escaninhos”, as classificações que geram separação, distanciamento. Só ao abandonarmos isso é que a partir daí poderemos dizer que todos nós temos similaridades, todos somos seres mergulhados em ilusões. E qual é o efeito da ilusão? É provocar sofrimento, a partir do momento em que eu acredito piamente numa única forma de interpretar o mundo, e tendo a qualquer custo encaixar todas as coisas e respostas nesta visão de mundo.

Se eu não apenas acreditar, mas escolher e apontar um escaninho como o único que é certo, automaticamente eu também estarei admitindo que todos os outros [caminhos] estão errados. Este é o cerne da divisão, baseado no dualismo da verdade/mentira, certo/errado. É daí que surge o conflito. Se nós fôssemos capazes de abandonar estas classificações, automaticamente o conflito desaparece porque a separação desaparece.