Monge
Genshô: Pensem, pela ótica budista, uma criança pequena sendo ensinada a ser um
“eu”. Ela nasce e, quando ela começa a balbuciar as primeiras palavras, diz
simplesmente que “neném quer”. Neném não é um “eu”, mas nós ensinamos esta
criança a assumir uma personalidade. “Você é ‘eu’, é um indivíduo separado! Seu
nome é este!”. A criança absorve isso, e assim começamos a criar a
dualidade. Aliás, a nossa linguagem tem esta característica, sobretudo quando
queremos entender as coisas. É daí que surgem as classificações, que fazemos
questão de colocar na nossa “prateleira de conceitos”. “Isto é isso ou é
aquilo? Embaixo, ou em cima? Certo ou errado? É direita ou é esquerda?”. Nós
queremos entender tudo por classificações, colocando todas as pessoas em escaninhos.
Não é de se admirar que algumas
pessoas perguntem: “Em que mês você nasceu? Ah, as pessoas que nasceram em tal
mês, do dia tal ao dia tal, são isso...”. E aí colocam você naquele escaninho e
dizem “você é assim, assim e assim...”. Isso ocorre porque a nossa maneira de
conhecer o mundo é através da classificação.
Nós
estamos aqui para ajudar os outros seres, e esquecer-nos de nós mesmos, esta é
a essência do budismo. O sofrimento existe da noção de um “eu” separado. Porque
eu me acredito separado, então gero sofrimento. E às vezes as pessoas vêm até
mim e dizem que têm um grande problema de solidão e normalmente eu recomendo uma coisa: “Saia de você!”. Pare de
olhar para o seu umbigo. Se você sofre de solidão, há crianças nos orfanatos e
idosos em casas de repouso que adorariam receber visitas. Há muitas pessoas que
estão muito necessitadas que alguém vá até elas. E você permanece em casa
pensando em sua solidão? Saia daí e vá visitar os verdadeiramente solitários! E
se você for visitar os verdadeiramente solitários, você se livrará de sua
solidão. Mas, na verdade, as pessoas dificilmente seguem esta receita.
Na
verdade, e relativamente falando, nós somos todos sutilmente diferentes, e é
daí que também surgem as diferentes correntes religiosas. E a dificuldade de
existir um diálogo inter-religioso é exatamente a incapacidade de “abandonarmos
os escaninhos”, as classificações que geram separação, distanciamento. Só ao
abandonarmos isso é que a partir daí poderemos dizer que todos nós temos
similaridades, todos somos seres mergulhados em ilusões. E qual é o efeito da
ilusão? É provocar sofrimento, a partir do momento em que eu acredito piamente
numa única forma de interpretar o mundo, e tendo a qualquer custo encaixar
todas as coisas e respostas nesta visão de mundo.
Se
eu não apenas acreditar, mas escolher e apontar um escaninho como o único que é
certo, automaticamente eu também estarei admitindo que todos os outros
[caminhos] estão errados. Este é o cerne da divisão, baseado no dualismo da
verdade/mentira, certo/errado. É daí que surge o conflito. Se nós fôssemos
capazes de abandonar estas classificações, automaticamente o conflito
desaparece porque a separação desaparece.