sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Dukkha não é sofrimento


 (continuação)
Dukkha quer dizer insatisfatório, nunca vou me satisfazer. Mas por que não vou me satisfazer? Vamos analisar a palavra, em sânscrito provém desta raiz – “Duk”. Mas o que significa isso? Duk significa eixo. Então tenho eixo e tenho uma roda.  Mas, se o meu eixo estiver deslocado o que vai acontecer? Como ela funciona? Ela desenha ciclos, ciclos assim. Isso é o que acontece com o eixo fora do lugar. Quando Buda disse – a vida é Dukkha, muitos tradutores traduziram como a vida é sofrimento. Buda nunca pretendeu dizer que a vida é só sofrimento. Buda não disse isso. Buda disse que a vida é Dukkha, que a vida é cíclica, insatisfatória. Ela sobe e desce sem parar. Então ora tenho amor, ora tenho dor de cotovelo ou tristeza. Ora tenho riqueza, ora pobreza. Ora satisfação, ora insatisfação. Sempre. A vida é constituída de coisas muito boas, tem prazeres, tem momentos maravilhosos de felicidades, de euforia. Ela tem isso, quem poderia negar? A vida não é só sofrimento.

Mas todo momento bom tem dentro dele já a semente do momento ruim, não é? Tenho filho, momento maravilho quando nasce. Mas alguém que tem um pouquinho mais de sabedoria diria – filhos criados, trabalhos dobrados. Filho criança é maravilha. Você diz assim – vai lá dormir, vai lá fazer sua aula de violino, agora é hora de fazer a lição e ele vai lá e faz a lição direitinho. Aí quando faz 12, 13 anos a coisa fica diferente. Vai fazer isso agora, “agora não pai! Que é isso, tirania, sei cuidar da minha vida”! Chegou o momento da adolescência, o momento dos 20 anos tem outros problemas. Aí casa e tem dificuldade financeira. Vem e pede – pai, me empresta dinheiro, me ajuda. Depois tem os problemas dele, da vida dele. Sofrimento, separação, os próprios filhos. E você nunca, nunca terá um momento de dizer isto é paz, agora é paz perfeita para sempre, pois a vida é Dukkha, cíclica.

O eixo da vida não está colocado no centro. Se fosse, a vida seria sempre igual, a mesma. Seria uma chatice sem fim. Como sobe e desce, tem momentos alegres e tristes. Mas, só existem os momentos alegres, pois existem os momentos tristes, e só existem os momentos tristes pois existem os momentos alegres. Porque nós vivemos em um mundo dual. É pura dualidade nosso mundo. Ele sempre está variando. A pergunta seria – porque as pessoas procuram o caminho espiritual? O que é o caminho espiritual? Porque Buda levou tanto tempo, 6 anos de estudo e meditação para chegar a uma conclusão tão simples como essa? Pois prometeram a perfeição, a felicidade, o atingimento de um estado perfeito e ele descobriu que não, que a vida tem em si mesma tanto alto e baixo, que jamais você poderá dizer que conseguiu uma vida estável. A vida é por sua natureza insatisfatória. Como é que posso viver nesse mundo instável e ser ao mesmo tempo equilibrado, feliz como Buda?

Aí temos que estudar a palavra Buda. Afinal de contas, aquele que foi para a floresta era Buda? Não, não era Buda. Aquele que foi para a floresta era Sidharta, um jovem rapaz cheio de angústia. Quem pode dizer qual era a maior angústia de Sidharta? Ele tinha uma angústia existencial. Ele viu com clareza que toda vida dá em velhice, doença e morte. (Ando pensando nisso todo dia não é, porque cada dia que vou na frente do espelho para fazer a barba vejo o trabalho da morte funcionando – Opa, mais uma ruga.) Doença, velhice e morte. Ele viu isto e aí perguntou qual era o sentido disso, do que adianta tudo o que estou fazendo, toda a glória, reino, meu pai, meu filho, minha esposa, se tudo isso dá nisso, sem fim. Se sentiu desacorçoado, entristecido, sem sentido na vida. E quando ele sentiu isso, achou que não podia continuar naquela vida sem achar uma solução para isso. Como achar solução para doença, velhice e morte se ninguém pode escapar disso? Tem alguém nessa sala que vai escapar disso? Não, nenhum! Então, nós também temos o problema de Buda.  (continua)