Aluna: Eu gostaria de entender... É que uma amiga minha de
adolescência, ela foi assassinada de um jeito que ninguém entendeu ainda
direito, mas é... Se eu posso fazer alguma coisa por ela, do jeito que eu
aprendi a rezar; dentro do budismo não é por aí, mas eu fico pensando: “não
posso fazer nada por ela”, mas também fico querendo entender o que eu posso
fazer por mim, porque está difícil de deglutir…
Monge Genshô: Na realidade, rezar não está fora das práticas
budistas. O sutra chamado Daihi Shin Darani - Mantra da Grande Mente de Compaixão -, é um longo mantra que se usa exatamente para isso, e
depois de recitá-lo dedica-se a alguém que morreu, desejando que haja uma boa continuidade no Budha-Dharma. Para quem faz bem isso?
Para nós.
Aluna: E isso sempre é carma, mesmo quando é desse jeito?
Monge Genshô: Tudo o que acontece é, de certa maneira, carma, mas não
é necessariamente ruim: pode ser uma grande oportunidade. Nagarjuna foi um grande mestre hindu, e durante a sua juventude
ele teve uma vida desregrada, era um “conquistador”, foi perseguido, e depois
de tudo isso ele se tornou monge. Ele era inteligentíssimo e é considerado hoje
um segundo Buda, um filósofo, porque ele que codificou a filosofia do Caminho
do Meio, Madhyamika. Ele fez uma obra, em forma de poesia, que era como se fazia
naquele tempo, que repercutiu em todo o budismo.
Nagarjuna morreu assassinado, esfaquearam-no, e os discípulos acharam-no sangrando, morrendo, e perguntaram: “quem
que fez isso?”. Ele disse: “fui eu mesmo”. Os discípulos replicaram: “Nós sabemos que o senhor não fez
isso!”. E ele, então, disse: “Não, esse é meu carma. Em algum momento da minha vida ou das minhas
vidas passadas eu fiz coisas que ocasionaram esse retorno cármico agora. Então
vem alguém me esfaquear e me mata. Mas, se eu disser quem foi, vocês o odiarão e
o perseguirão, e essa história não terá fim. Então, guardem isso - fui eu mesmo.
Fui eu quem fez isso.”. E morreu sem revelar. Ninguém sabe quem matou
Nagarjuna. Mas para isso é necessária uma certa compreensão do que aconteceu, de
como acontece… [continua]
[N.E.: texto transcrito de Palestra realizada por Monge Meihô Genshô em Florianópolis, 26/09/2016]