É possível fazer uma comparação do ensinamento budista com o célebre exemplo da caverna de Platão?
Uma analogia é algo limitado, útil somente até determinado ponto.
Na analogia da caverna, Platão imagina seres que estão ao fundo de uma caverna e interpretam o mundo atrávés das sombras que a luz externa projeta na parede. Nenhum deles jamais saiu de lá.
O mundo do samsara, o mundo das ilusões em que vivemos, é assim: um mundo de sombras que interpretamos e nas quais vemos relações. Lá fora existe uma luminosidade pura que permite que tudo surja por meio de sombras.
Mas a luminosidade não são as sombras e as sombras não são a luminosidade. No entanto, estão tão ligadas que, sem a luminosidade, as sombras não existem, e sabemos que há luminosidade porque há sombras.
A vacuidade, o Vazio (o não manifesto, o incondicionado, o além de características) é, nesta analogia, a luminosidade. As sombras, as nossas
percepções, as palavras os símbolos com que tentamos entender a luminosidade, através das interpretações que fazemos das sombras.
Não admira que seja tão difícil duas pessoas se entenderem, quando um quer que surja a lógica através dos raciocínios que faz com palavras (semiótico) a respeito das sombras e dos relatos sobre estas relações, e o outro, por sua vez, deseja falar sobre a luminosidade, também usando símbolos criados através do estudo das sombras para explicar que a luminosidade está "além" de qualquer sombra.
No Zen, diríamos de imediato que: "As sombras e a luminosidade não são um e também não são dois"
Ou seja, a luminosidade externa é não definível pelas sombras, as sombras,embora manifestação que só surja se existe luminosidade, estão num nível inferior de complexidade que não permite que, com elas, analisemos o nível superior. Assim como as pedras e sua ciência não esclarecem a biologia, como a fisiologia do cérebro não esclarece a consciência: podem, no máximo, dar uma sombra da manifestação mais complexa.
Se é útil este ensinamento baseado nas sombras? Com certeza, a maior parte dos ensinamentos budistas são assim. Deve-se falar no "além" disso? Com certeza, sob pena de nos recusarmos a virar e sair da caverna. Iluminação seria isto? De certa forma sim. Samsara (as sombras) e nirvana (fora da caverna) são o mesmo? Sim e não, os dois não são um, mas também não são dois, e os bodisatvas são os que retornam para dentro da caverna e falam sobre a luminosidade, porém não podem iluminar ninguém, podem apenas dizer:saia, saia, vire-se, isto aqui são só as sombras, você mesmo é sombra!
Porém, sem ver a luminosidade não é possível entender. Nessa analogia (limitada, lembre-se), iluminação é mergulhar na luminosidade. O mundo das sombras, assim, fica paupérrimo.
Nirvana é, vendo isto, livrar-se de todas as relações entre sombras, ficar sem "ventos" internos. Pode-se estar no Nirvana e não ser um bodisatva. Parinirvana é dissolver-se em pura luminosidade.
Assim sendo, com o vocabulário e as técnicas úteis dentro de um âmbito, não podemos entender o outro. É preciso sempre abandonar a caverna para, mergulhados na luminosidade, compreender que aquele mundo é inexprimível para o expectador da face de pedra interna.