sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O FIM DO MUNDO

Texto de Claudio Kômyô, ordenado dia 19/12 monge noviço na Comunidade Zen de Florianópolis e já conhecido professor do Dharma e líder budista. Ele e Chudô San, Sensei de Aikidô, também ordenado no mesmo dia por Saikawa Roshi me dão a honra de orienta-los no Caminho de Buddha. É o texto certo para o dia de hoje.



                              A Síndrome do Armageddon

Claudio Miklos (Monge Kômyô) – Dezembro, 20, 2012

O mundo não acabou em 2012. E não acabaria, pois o fundamento desta nova delusão de morte nunca de fato existiu; não havia vaticínio Maya para o fim de seu calendário, para o fim do ciclo maior de sua bela tradição. Mas mesmo não terminando, muitos se perderam nesta onda virtual de informações confusas e manipulações esotéricas. Contudo, não me sinto feliz em apresentar estas conclusões. Pois sei muito bem que para milhões de pessoas, tolas ou ingênuas, ou apenas carentes e ignorantes, a compreensão clara e definitiva do fato de terem sido levadas a uma bizarra série de ideias mistificadoras não alcançou suas consciências – para elas, os fatos pesam menos do que as palavras bonitas, as afirmações abstrusas de personagens etéreos, criados por uma legião de pretensos profetas da Nova Era. E assim, estas pessoas continuarão se iludindo e sendo iludidas.

Tais pessoas não compreendem a delusão em que acreditam, não alcançam a nulidade pueril dos conceitos “intergalácticos”, “celestiais” ou “ascensionados” criados por pessoas tão deludidas quanto as primeiras, mas com a arrogância um tanto ridícula de pretender decifrar segredos de seres ou civilizações inventados.

Mas, à parte minha tristeza por mais uma vez constatar o quanto a humanidade sofre da endemia mental de ignorância perceptiva que priva a maioria de buscar uma verdadeira prática amadurecida em sabedoria, consciência e compreensão da vida, o que mais me deixa perplexo é perceber o impulso estranhamente recorrente que move os seres humanos para a ânsia (quase um desejo carnal) na destruição, no fim, nos fantásticos sonhos do Armageddon. Por que tantos anseiam pelo fim da Vida? Por que tantos anseiam por uma mudança externa, convenientemente fora do âmbito de suas responsabilidades pessoais de se esforçar para transformar e curar a si mesmos de forma madura, sóbria e corajosamente alerta? Por que, para que o mundo se torne “melhor”, tudo precisa acabar e todos aqueles que desprezo ou considero maus devem ser eliminados, excluídos de uma ascensão apoteótica aos céus, ou à nave espacial, ou a um novo mundo magicamente surgindo no espaço para substituir esta Terra, suja, poluída, degradada, desprezível? Tudo muito fácil, limpo e mágico.

Ou então (talvez ainda mais absurdo), por que tantos sonham com uma transformação imperceptível, inalcançável, inefável e vergonhosamente elitista dos “eleitos” aqui mesmo neste planeta, uma salvação dos que fazem parte de um estranho “clube espiritual”, que consegue enxergar uma mudança estranha e completamente incoerente de portais, eras, tempos, mentes ou – pasmem – de DNAs?

O que move a delusão espiritual? Talvez a profunda decepção com a realidade difícil e plena de sofrimentos faça com que as massas humanas busquem por qualquer um que as induzam sentirem-se especiais, mais elevadas, mais iluminadas – e finalmente, salvas de si mesmas.

É grave a ilusão que move a humanidade, e ela se torna ainda mais grave porque agora as loucuras delusórias de poucos auto-eleitos são transmitidas viroticamente e á velocidade da luz para muitos pelos tortuosos caminhos virtuais e informativos humanos. Isso torna a insanidade minúscula de pessoas perdidas em suas fantasias em uma assustadora insanidade de milhões, presas fáceis das manipulações dos programas sensacionalistas da TV, dos livros anunciadores do cataclismo universal, dos pulsos virtuais dos blogueiros esotéricos perdidos nas redes sociais. O Armageddon mais uma vez é anunciado, e mais uma vez não significa coisa alguma. A humanidade mais uma vez espera o fim do mundo, e mais uma vez ele persevera, completamente indiferente às loucuras destes primatas estranhos, que se acham capazes de entender as inumanas vozes do Universo.

Talvez, afinal, seja essa a resposta: nós seres humanos não aguentamos aceitar que a linguagem do universo nos escape, que a linguagem da própria Vida não depende de nossos vaticínios. A Vida prevalece, haja ou não humanidade.

E neste sentido, por que não celebramos a existência ao invés de recorrentemente esperarmos que ela seja destruída? Por que não anunciar bem alto e bom som: AMANHÃ A VIDA CONTINUA! Sem seres ascensionados, sem anjos ou demônios, sem alienígenas ou deuses para nos dizer o que fazer e o que irá acontecer. A Vida continua, e o mundo não vive uma Nova Era; a novidade da Vida já se apresentava e continua a se apresentar no AGORA, todo o tempo. Não é preciso consciências celestiais, anjos de luz, sábios de Shangri-la para anunciá-la.

Sejamos conscientes sem a necessidade das hordas esotéricas. Sejamos conscientes com nossos filhos e filhas, com nossos maridos e esposas, com nossos vizinhos e amigos. Sejamos conscientes com todos os seres vivos e com todas as coisas como elas são. Não é preciso construir um mundo místico para que sonhemos a Felicidade. A Felicidade precisa apenas de uma dose de alegria por viver simplesmente e em paz para que se manifeste. Sejamos felizes simplesmente existindo, sem esperar que estrelas caiam, novos tempos ocorram, mundos sejam destruídos.

Vamos simplesmente viver, sem ilusões.