sexta-feira, 23 de maio de 2014

Um bom mestre pode ter alunos ruins, um mau não


Pergunta – Existem coisas que eu fazia, até por conta da minha profissão, mas que já não as faço mais. Em que isso pesa no meu carma?

Monge Genshô – Eu penso às vezes em coisas que fiz no passado e chego à conclusão de que é um carma muito ruim, nem sei quantas vidas vão levar para que esses meus atos e palavras se resolvam. As coisas ficam voltando, às vezes são ruins, outras vezes são boas. A primeira vez que vim à Florianópolis dar uma palestra eu falei que havia sido um jovem ignorante. Nessa palestra havia uma pessoa que levantou o braço e disse que me conheceu quando eu tinha 15 anos, tinha sido meu colega de escola e disse que eu estava sendo duro comigo mesmo, pois tinha muito boa lembrança de mim, e ali estava por causa disso. O carma fica repercutindo e se você fizer coisas boas isso retorna, assim como as más.

Pergunta – O senhor fala em fazer coisas boas, mas algumas pessoas fazem isso esperando algo em troca.

Monge Genshô – Mesmo que você faça algo bom esperando um retorno, isso trará bons resultados. Mas se não for desta forma, é melhor, pois você não terá feito com uma mente aquisitiva, uma mente que procura recompensa. Mas não fique pensando no passado e sentindo-se culpada, o melhor que você faz agora é cultivar bons pensamentos, boas ações e boas palavras. Tudo começa por um bom pensamento.

Um problema que acontece com frequência nas sanghas é a convivência com outras pessoas. Costuma-se falar que a sangha é como um pilão com grãos de arroz e conforme vamos socando o pilão e os grãos vão se esfregando, vão perdendo suas cascas. É através do atrito de um grão com o outro que eles vão perdendo seus defeitos. Todas as pessoas os têm, mas muitas vezes observamos somente o outro e o criticamos. Essa é a ignorância básica, não vemos que o outro somos nós mesmos. Enquanto olhamos para o outro e o vemos como errado, o vemos como separado de nós, não observamos que isso é nosso ego. Meu “eu” é quem observa e critica os atos e palavras do outro. Meu “eu” é quem vê as coisas separadas.

Há uma história de um mestre que tinha um aluno muito ruim e que roubava da sangha. Os outros alunos foram até o mestre e pediram que expulsasse o ladrão. O mestre então mandou que todos fossem embora e disse que ficaria somente com ele como aluno. Os alunos não entenderam a decisão do mestre e, inconformados, perguntaram o porquê de sua decisão. “Ora, vocês são bons e perfeitos, não precisam de mim, ele sim precisa”.

Em outra história semelhante um mestre possui também um aluno problemático e resolve escolher justamente ele para seu sucessor e diante do espanto dos outros alunos ele explica, “Sim, ele é cheio de problemas e defeitos, mas ele eu o conheço bem, vocês disfarçam e escondem os seus, eu não os conheço o suficiente”.

Pergunta – O que podemos fazer para entender um mestre, por exemplo, quem já viveu muitas situações às vezes olha e pensa: “Como esse mestre escolheu essa situação?” Será que realmente nossos olhos que só vêem o errado ou aquela pessoa é mesmo errada e só o mestre que não percebe?

Monge Genshô – Esses mestres que eu citei, foram grandes mestres, não é o meu caso, por isso eu perco facilmente a paciência. Um grande mestre pode ter alunos ruins, como eu não pertenço a esse grupo, preciso de alunos bons.