segunda-feira, 5 de maio de 2014
Uma gota que se acha especial
Pergunta – Vazio é fácil de entender, assim superficialmente. Mas a forma, eu pensava em “redondo, quadrado”, uma visão limitada. Agora o senhor fala em forma para além da palavra.
Monge Genshô – Isso, entendemos forma como manifestações. O vazio também não é uma “coisa”. Vazio é tudo, pois tudo que existe é interdependente e interconectado. Nada existe por si mesmo. Aquela porta ali, ela não existe por si mesma. Nós a chamamos porta, porque tem dobradiças, é retangular, tem uma fechadura. Mas na realidade, a porta é constituída de carbono, ferro, etc… O carbono, por sua vez, também é uma substância, que não nasceu junto com a terra. Tampouco o ferro. Também não nasceram com o Sol. Nosso Sol é muito jovem e não produziu ferro nem carbono ainda. Aquela porta ali é constituída de átomos que foram produzidos em uma geração de estrelas anteriores ao sol.
Quando uma supernova explode, no fim da vida, ela colapsa e produz átomos mais pesados. Destes átomos mais pesados, o primeiro é o carbono, o último é o ferro. Então, esta porta são restos de uma estrela de bilhões de anos atrás. E todo nosso planeta é assim, e vocês também são assim: restos de antigas estrelas, ou seja, lixo estelar. Nós estamos aqui em volta de uma estrela novinha, o sol, com 5 bilhões de anos. Mais 5 bilhões e ela começa a morrer. E este planeta Terra, esses átomos, serão espalhados.
Somos compostos de uma quantidade incrível de átomos, de fato neste momento estamos respirando muitos átomos. Alguns dos átomos que podemos respirar podem ter sido do corpo de Buda, de Cristo, de César, de Faraós, de todos os seres que viveram tempo suficiente antes de nós. Nós partilhamos os mesmos átomos com eles. Isto é cálculo matemático, podemos fazer com uma calculadora, e com isso ainda pensamos que somos independentes, pensamos que somos separados, mas não, somos misturados com este universo inteiro. Então nosso grande engano é pensar “eu sou”. Todas as coisas são vazias de um eu. Este eu é que um grande engano. Eu Genshô, eu Márcia. Este eu é ilusório. Nós não somos isso. Mas nós somos o próprio universo. É tão tolo pensarmos que nascemos e morremos quanto olharmos para uma nuvem e pensarmos que a nuvem nasce e morre, ou uma gota d´água. Ela chove, entra em uma aquífero, depois é extraída, flui para o mar, chove, etc Sempre em um fluxo. Ela está sempre aqui. A água do nosso chá esteve sempre aqui, já foi urina de camelos. E nós estamos tomando-a aqui. Nós não enxergamos esta unicidade. É como uma gota que se ache especial. E ver isto é acordar.
Buda quer dizer “desperto”, não quer dizer Deus, profeta, salvador, nada disso. Buda foi um homem, como nós. Nós pensamos que existe algo sobrenatural, mas isto que estamos vivendo aqui é sobrenatural. 12 pessoas, sentadas em uma sala, falando sobre o Dharma, pisando no chão, bebendo chá, partilhando átomos de estrelas. Cada um com a sensação de uma persona, isto é tremendamente sobrenatural. As pessoas é que procuram algo mais sobrenatural que isto, mas isso é muito mágico. Nós não vemos essa magia, e esta é uma grande cegueira. Budismo é isso, nada de especial, mas tudo muito diferente.