Há
um conto maravilhoso, que recomendo a todos vocês, de Eça de Queiroz, que
se chama O Mandarim. Ele recebe a
visita de um homem (ele é um amanuense, um funcionariozinho que vive em uma
espécie de república, sem dinheiro para casar nem nada) que diz “se você tocar
esta campainha morrerá um mandarim na China, e ele é muito muito rico e você
vai receber todo o dinheiro dele; a única coisa que você precisa fazer é tocar
a campainha.”.
Então o nosso personagem, que era magrinho, pobre, toca a
campainha. Alguns dias depois ele recebe a visita de um funcionário de um banco
dizendo que ele recebeu uma fortuna inimaginável. Que ele é herdeiro de um
potentado chinês. E depositam no banco para ele aquela fortuna imensa que ele
não tem nem como pensar em gastar. Ele começa a fazer coisas, e o conto mostra
todas as coisas que o dinheiro dá, as mulheres lindas que ele conquista e o palacete
que ele constrói, etc.
Logo depois, o conto narra a angústia que ele sente porque não é feliz,
porque matou aquele homem lá na China, e a família do falecido com
dificuldades. Ele vai até a China tentar consertar o que fez, tentar gastar o
dinheiro dele lá, mas vai dando tudo errado. Até que, no fim, ele quer devolver
o dinheiro, quer voltar a ser quem era. E encontra na rua o personagem que lhe
permitiu tocar a campainha, e o personagem diz que é impossível retroceder. No final do
conto ele interroga: o que você (leitor)
faria se pudesse tocar uma campainha e receber 20 mega-senas pela morte de um
mandarim lá na China? Ele diz que tem certeza que vocês tocariam: “ó meus amigos e irmãos, vocês são como eu”.
Então
a renúncia de Buda tem todo o sentido, a renúncia simbólica, cortar o cabelo
para cortar todas as ilusões, raspar toda a ignorância que está sempre
nascendo. O monge faz isso, toda semana, vai lá e raspa a cabeça. Ele raspa a
cabeça mas, no dia seguinte, todas essas ignorâncias e paixões estão brotando
de novo.