segunda-feira, 23 de julho de 2018

A Cultura da Discriminação



Tinha me ocorrido uma coisa a respeito da observação da Jinshin San, sobre o menino na aula, dizendo: “Eu não gosto de você porque eu sou um...”. Essa declaração de não ver o outro como uma pessoa, mas como uma categoria, com visão discriminativa. Eu vejo você como diferente, então eu não gosto de você porque estou protegendo a minha identidade. Talvez de alguma maneira ele esteja sendo educado pelos pais com o pensamento de: “ah, eu sou diferente”. Em todas aquelas brigas de torcedores, eles estão brigando por suas identidades: “eu tenho uma identidade inglesa, eu tenho uma identidade do meu time e eu vou bater nos indivíduos da outra tribo. Essa outra tribo não conta, porque eu sou uma tribo separada”.

Isso está tão na origem da nossa civilização que o deus que inspirou a religião predominante no mundo era o deus de uma tribo, e quando você lê as escrituras dessa tribo, verá que esse deus manda conquistar as terras dos outros: “vamos, nós derrotamos os Filisteus, derrubamos as muralhas de Jericó, nós conquistamos a terra deles e eu prometo uma terra de leite e mel, só que tem mais gente lá então nós os expulsamos e ocupamos suas terras, porque eles não contam, só conta a nossa tribo”. E vejam que a narrativa em nenhum momento se apieda do outro, é como se o outro não existisse como ser humano.

Lembro-me de uma passagem muito importante: a divindade manda matar todos os homens, todas as mulheres, todo o gado, tudo que é da outra tribo, exceto as meninas de até 12 anos, porque essas vocês podem pegar para vocês. Então a divindade vê aquele mundo como uma posse, e os outros não contam. Quando vemos essas brigas de torcida, nós vemos a mesma atitude tribal, não importa a dor do outro, não importa que ele caia no chão e seja chutado, só importa a minha tribo e os outros não têm direito a existir senão como objeto da minha fúria. Eu não posso nem usar a palavra vingança, porque não cabe. Tudo isso está por trás da história de olhar para outro como o diferente. Há mesmo tentativas de fazer isso com os gêneros.

Na história da relação das crianças, se você permite as crianças se comportem dessa forma, elas tornam-se cruéis com o diferente, não veem o diferente como parte de si mesmas, e isso é o oposto do que chamamos de civilização. Civilização é aprender a conviver com o diferente e aprender a viver junto. Aliás, a palavra civilização vem de "civis", que significa em latim cidade; é aquilo que permite que consigamos viver juntos, e isso implica em respeitar os outros e o direito dos outros.

[Trecho de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei]