terça-feira, 22 de maio de 2012

A inquietude mobilizadora


P. A flor de lótus só pode nascer...
R. Na lama. A flor de lótus não nasce na areia branca e límpida da praia, ela nasce num lago com lama.

P. A gente pode dizer que esta inquietude é uma força mobilizadora que movimenta as pessoas a buscar...
R. Com certeza. Só vem praticar zazen e permanece quem tem angústia e inquietação e esta é a história dos mestres também, mesmo a história de Buddha, só porque tinha percepção do que era angústia, velhice, doença e morte é que ele procurou a solução disto tudo, sem o sofrimento não haveria esta busca, esta noção de insatisfação em relação à vida porque a palavra dukka, do páli, que é traduzida por sofrimento, ela não expressa exatamente o que Buddha falou, porque dukka significa não satisfatório, muitas vezes ensina-se budismo dizendo isto – a vida é sofrimento, não, não é assim, a vida contém sofrimento e felicidade, mas como é impermanente, isto sempre é insatisfatório, nunca há nada permanente, nada que a gente agarre, você vê o filho brincando e é um momento muito feliz, maravilhoso, mas este mesmo filho um dia fica doente ou mesmo cresce e fica um “aborrecente” e não é mais a mesma coisa, depois ele deixa de ser adolescente, amadurece e volta para você com grande carinho, ah é outro momento feliz, mas aí vai embora para outro país e assim por diante, nunca é permanente, é sempre fluido e por isto mesmo insatisfatório, a maioria dos prazeres da vida dura muito pouco tempo, a mais gostosa refeição num restaurante fino ( depois do sesshin vamos...), esta maravilhosa refeição dura uma hora e meia, comendo caprichadamente, vocês podem imaginar agora, um pequeno aperitivo, depois uma entrada leve, depois um prato principal saboroso, talvez apimentado, depois uma maravilhosa sobremesa doce, bebendo vinho junto para ressaltar o sabor, temperando como queiramos e no fim, comi demais e não quero nem ver comida, e aí nós vemos como é, este prazer é caro e curto embora quando eu estive falando aqui agora algumas bocas tivessem saliva porque agora para nós parece hum...delicioso, afinal sentamos na frente do oryoki e vem só três alimentos, não vem bebida nenhuma para ajudar, só pode comer uma coisa de cada vez e todo mundo gosta de misturar arroz com feijão e tem que comer uma colherada de arroz, mastigar e engolir, depois uma colherada de feijão, mas certamente vocês nunca sentiram tão nitidamente aqueles sabores porque estão separados e como tem que prestar atenção em todos os  detalhes a mente não viaja para fora dali, esta é a maravilha da prática do oryoki, prática muito certa para o sesshin, porque ensina  como fazer as coisas durante a vida,  isto que vocês tem que fazer quando saírem do sesshin, quanto do que fazemos com o oryoki eu consigo levar para a minha atividade, aqueles pequenos princípios, elegância, concentração no que está fazendo, fazer com as duas mãos, cultivar um  sentimento de agradecimento por aqueles que nos servem. Estes dias eu vi um ditado que dizia assim: para escolher um amigo, não preste atenção em como ele é gentil com você, mas em como ele trata um garçon, isso fala sobre o fundo da pessoa, não é como ela trata as pessoas importantes, mas como ela trata as pessoas que não são importantes para ela, isso é muito, muito importante, muito,...e vocês tem que prestar atenção dentro de si como tratam as pessoas humildes que servem e não como tratam as pessoas superiores com quem tem contato, isso é que diz sobre o nosso verdadeiro caráter...
 É o primeiro caminho, o primeiro passo, todos começam a praticar pelas suas angústias pessoais e isso de querer se dedicar aos outros só vem depois, eu não vejo os praticantes chegarem no centro do Dharma e dizerem – eu quero praticar para todos os seres, não eles querem praticar para si e está bastante bom, pratique para si, quando chega um momento que a pessoa não sabe mais porque está praticando aí é que é o momento de dizer pense nos outros, não pense mais em si mesmo, pense o que eu posso fazer para outras pessoas aproveitarem o pouquinho que eu aprendi e quando este sentimento surge é o início da mente de bodicita, da mente compassiva e aí o caminho se abre muito, começa a ficar mais poderoso e muito mais cheio de emoção e de compensação, nós sofremos muito, achamos que estamos perdidos, mas estamos perdidos só por nós mesmos por coisas que só nós  acreditamos ou sobre que tínhamos expectativas, sobre nossa realização, mas não há muito para realizar na verdade, o que nós precisamos realizar é só esta mente que esvaziada  de preocupações, de apegos, sai e acha tudo muito, muito lindo. Esta mente que quando vê a emoção nos outros automaticamente a sente , então esta percepção partilhada é porque a mente está suficientemente vazia para poder sentir os outros, sentir o que acontece no resto...