quinta-feira, 9 de maio de 2013
Mostrar com o corpo
Pergunta – A gargalhada é uma reação fisiológica que faz bem à saúde, nos mosteiros existem atividades que provocam gargalhadas? Jogos? Diversões?
Monge Genshô - Jogos não. Uma vez eu estava em um mosteiro e tinha uma responsabilidade, tinha que tocar um sino antes da hora do almoço. O sino ficava num prédio longe, tinha que sair minutos antes para tocar. Eu tinha que ficar cuidando o relógio do zendo para poder sair no horário. Tínhamos acabado de fazer zazen e havia um monge do meu lado que era da Colômbia, muito meu amigo. Ele sabia muito mais que eu, já tinha feito outros Angôs. Então ele olhou para mim e disse “Genshô, você não tem que tocar o sino?” Comecei a sair rapidamente do Zendô e quando olhei para o relógio percebi que ainda eram nove horas, voltei rapidamente para o meu lugar com todos me olhando e disse, “ainda são nove horas!” e de brincadeira ameacei lhe bater com o Zagu. O zendô inteiro, estavam de pé, voltados para o centro naquele instante, riu, pois pensaram que ele havia me pregado uma peça.
No dia seguinte eu havia pegado uma virose e estava com diarréia, ele então disse que fora por causa do susto e me pedia desculpas porque havia se enganado. Havia também um monge francês, tínhamos acabado de fazer um sesshin de três dias, todos mudos, chegamos ao quarto e ele disse, “acabou o sesshin, tenho uma garrafa de vinho”. Abriu a garrafa e todos nos reunimos rindo, para tomar um cálice, coisa que os instrutores jamais deixariam se soubessem. Na realidade os homens velhos, monges, as vezes acabam se comportando como colegiais. Rir faz parte da vida e os monges são pessoas alegres, tem um treinamento duro, mas tem alegria, uma alegria muito bonita, porque não está eivada de um sentimento baixo, é alegria, solidariedade, companheirismo e amizade, isso é característica do treinamento Zen.
O fato de Genshu Osho estar nesse sesshin, por exemplo, é uma demonstração de grande amizade e afeto por nós. Ele veio do Japão, e estava em São Paulo, quando soube que haveria um sesshin aqui, pediu para participar, então em vez de estar passeando, veio para cá sentar conosco. Isso é na verdade a ação iluminada, não é nada de especial, apenas viver, aproveitar a amizade e o afeto. Como ele não fala português, não pode falar claramente, mas está demonstrando com seu corpo, espero que vocês consigam perceber.
Pergunta – Voltando ao assunto do consciente e inconsciente, a função do nosso inconsciente é nos manter vivos, por exemplo, se ficarmos sem respirar, trancarmos a respiração por alguns minutos, o inconsciente derruba o consciente e assume para que voltemos a respirar, de repente a função do inconsciente de nos manter nesse grupo de loucos, não é para nos manter na tribo, para que não nos sintamos sós?
Monge Genshô – Até pode ser, na verdade no budismo não se faz essa distinção de consciente e inconsciente. Diríamos que esses processos do sistema automático do corpo fazem parte dos mecanismos da vida em que consciente e inconsciente estão misturados e, talvez, por causa do zazen tenha surgido essa não separação de consciente e inconsciente nos termos da psicologia ocidental. Que nosso corpo procure o prazer, a reprodução, a satisfação, isso é natural. Quando engordamos por comermos demais, por que isso acontece? Porque deixamos um processo natural tomar conta, o que não seria correto, se você comesse ração, por exemplo, quando um cão fica adulto não come demais, porque é sempre a mesma comida, mas se você diversificar a alimentação acontecerá o mesmo que com os humanos, engordam, se der doces ficam diabéticos. Temos que sobrepor aos nossos desejos naturais uma consciência do que estamos fazendo e o porque fazemos. Em um retiro é fácil, comemos com oryoki (tigelas rituais), ninguém come demais com oryoki, é fácil em mosteiros, em mosteiros não se vêem monges obesos. Mas em um restaurante é diferente, senta, conversa e come, come mais do que precisa.
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