segunda-feira, 6 de maio de 2013

Como um leão prestes a saltar





Pergunta – Aquele momento de torpor, que as vezes acontece, são momentos muito prazerosos...

Monge Genshô – O torpor é um indicativo que você relaxou. Estar cansado com um pouco de sono é bom para o zazen. O problema é que esse relaxamento só pode ir até certo ponto, não pode cair no torpor verdadeiro, ou seja, um pouco daquele sentimento de “estou relaxado e calmo, em paz”. Para que isso aconteça é necessário que não estejam surgindo pensamentos cheios de estímulos, raiva, ambição e desejos, nada disso. Esse é um bom indicativo, mas é como um fio de navalha, se você for um pouco além, esse torpor sonolento lhe tira a atenção e o alerta. É necessário manter o espírito como um leão prestes a saltar, ou seja, muito atento, mesmo que você tenha um sentimento de relaxamento, mantenha sua atenção bem clara no momento presente, tentando manter-se nele.

Pergunta – Se a maioria absoluta dos seres vivem nesse estado de inconsciência, e o estado de consciência, o despertar é tão bom, quem é o responsável por esse estado de ilusão? No filme Matrix, que tinha uma base filosófica grande, haviam as máquinas que eram responsáveis por esse estado, pela ilusão, existia um motivo por trás disso. Entendo a questão do ego, do eu, não entendo quem me boicota, quem não quer que eu desperte e por que, se é o ego, com qual intenção ele me mantém nesse estado de ilusão?

Monge Genshô – Ele é um surgimento natural, na verdade nós somos uma coisa magnífica. De um lado é plena ilusão, de outro é a grande consciência se manifestando, o grande ser se manifestando. De um lado você é onda individual, mas porque é onda e tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, percepção, formação mental, você é como se fosse o olho do universo, você vê e isso é maravilhoso, porque a vida é maravilhosa e você é um fenômeno do universo, fantástico, lindo.

Infelizmente esse fenômeno, por ver as coisas, ouvir e perceber, sente-se separado de todo o resto. É como se olho estivesse separado de você e visse, não tivesse o resto do corpo para conduzi-lo e o olho então pensasse, “eu vejo” e perdesse todo o resto, pois nítidamente ele enxerga e pensa, “eu sou”. Mas esse olho, não consegue ver a si mesmo, o ouvido não ouve a si mesmo, sua mente não vê a si mesma. Você inteiro é como se fosse uma partícula que se pensasse só, isso é uma grande solidão, uma solidão imensa que nós temos porque sentindo, pensando e vendo, somos só nós, estamos profundamente presos a essa noção e assim perdemos todo o resto.

Os sutra dizem, “a verdade do não nascimento”, nós não podemos deixar de pensar que nascemos, nós sentimos, “eu nasci, eu sou, eu penso, não quero morrer” e assim nos perdemos, porque somos muito mais que isso, nós somos o grande ser e perdemos o grande ser, perdemos tudo na ilusão de um pequeno ser, um pequeno ínfimo ser que se pensa e que percebe, “ele se pensa sozinho”, o grande despertar é perder-se de si mesmo pra mergulhar no grande ser, ser o grande Ser e não uma pequena partícula pensando em si mesma, é difícil de explicar, mas se em algum momento você sentir, mesmo que em um pequeno instante, que você é o grande ser, naquele relâmpago não há nascimento e não há morte, essa fugaz existência que vocês têm, perdidos em prazeres tolos dessa vida, em dores desde pequeno ser, estas pernas e joelhos que doem por ficar tanto tempo parados, esse é o nosso engano, como despertar? Primeiro é necessário abandonar nossa maior ilusão que é nossa mente, uma mente que não para, se essa mente ao menos pudesse parar um instante de conceber, poder sentir como é parte do grande ser, se nós abandonarmos a noção individual, o grande ser pode ter espaço, perceber isso é libertar-se de tudo, é despertar, não é algo extraordinário, fantástico, é tudo como sempre, só que completamente diferente.