sexta-feira, 3 de maio de 2013
A clareza e sabedoria
No sesshin (retiro) tentamos entrar em nossa percepção nítida e clara. “Quem sou eu, quem esse corpo que sofre?” Devemos pensar quando ele dói e sofre que ele é impermanente e irá se transformar em pó. Estamos muito longe dos acontecimentos da morte, porque os escondemos, quando levamos um corpo para enterrar ou cremar, ele está dentro de um caixão, escondido, não podemos vê-lo, na Índia, até hoje, essa é uma cerimônia pública em que o corpo é rodeado de lenha e as pessoas ficam ao redor atiçando o fogo para que o corpo queime completamente. As pessoas vêem a cremação, vêem quando uma cabeça explode e o crânio racha, quando a carne é consumida.
Nós não vemos a finitude de nosso corpo com clareza quando estamos sentados e nossas pernas doem, podemos pensar, “essas pernas serão completamente consumidas”, mas isso não é muita coisa. Quando levei as cinzas de minha mãe para jogar no mar, elas estavam num pacote que cabia nas mãos, muito pouca coisa, ao ser jogada no mar, forma-se uma mancha branca e a correnteza logo leva, é rápido. Nós ficamos sentados e prestamos atenção a esse corpo que sofre tanto com a imobilidade e com essa mente continuamente viajando de pensamento em pensamento, quantos devem pensar, “joguei fora esse zazen inteiro, por causa da dor não fiquei aqui um só momento, viajei para o passado e futuro, imaginei coisas e novos acontecimentos, sonhei”.
Perdemos então, a oportunidade de, mais uma vez, simplesmente ouvir esse pássaro, ouvir o rumor do mar. Mesmo quando ouvimos o som da festa, é uma grande lição, não deve ser desperdiçada, não devemos pensar que estão estragando nosso retiro, na verdade estão nos dando uma visão clara de outro mundo em que muitas pessoas estão mergulhadas, muito mais que uma dúzia de pessoas que estão aqui no sesshin, centenas e centenas de pessoas estão lá porque parece muito mais interessante.
Nós podemos alcançar alguma coisa no sesshin, mas o quê ? Clareza, nitidez, escapar do sonho. Quando estamos pensando, imaginando e recordando não estamos mais que reforçando nosso sonho. Sentamos aqui para sofrer e escapar dos sonhos, para isso é necessário grande esforço para voltar para cá constantemente. Não desperdiçar tanto sofrimento, porque não somos masoquistas, aqui ninguém gosta de sofrer. Então por que fazemos isso? Alguma coisa dentro de nós nos empurra, nos traz para cá, mesmo que digamos que não queremos vir, porque dentro de nós algo desconfia que estamos perdidos em um sonho e que desejamos despertar, queremos ser Budas, pois desconfiamos que Buda livrou-se de toda agonia e sofrimento e teve grande felicidade, alegria e contentamento com sua clareza e sabedoria de ver as coisas com nitidez.
Na realidade, quando despertamos, mesmo que um pouco, todas as perguntas parecem que tem resposta. Você é capaz de responder qualquer pergunta sobre a vida, não a pergunta “quais átomos estão contidos nessa cadeira?” Mas a sabedoria da vida. Eu desejaria ser capaz de despertar os outros seres, mas, infelizmente, não somos capazes de fazer isso, cada ser tem que despertar sozinho. A força da ilusão é muito forte.
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