terça-feira, 10 de março de 2015

As duas asas



Aluno: o ensinamento pode ser um gatilho para um insight?

Monge Genshô: Com certeza. São as duas asas. Você não voa com uma asa só. Alguns  ficam lendo livros e ficam fascinados intelectualmente com a profundidade filosófica do budismo e do Zen. Há muito livro escrito. Mas a linguagem é falha para comunicar. Estou falando aqui, em que medida estão todos me entendendo mesmo, de verdade? Todos, obrigatoriamente, estão me entendendo parcialmente pois estão me lendo dentro de seu próprio background cultural. Estão lendo a partir de sua própria experiência etc, sempre com pequenas diferenças em relação aquilo que quero dizer. Se eu digo “árvore”, qual é a sua árvore?

Aluno: Mangueira.
Aluna: Ipê.
Aluna Pinheiro.
Aluna: Jacarandá.

Monge Genshô: estão vendo? Eu digo “árvore”, mas cada pessoa vê uma. Então há uma dificuldade com a linguagem. Você tem um símbolo que intermedia a compreensão e que é decodificado por cada receptor. Então você vai tentando ensinar, mas, você está usando símbolos e as decodificações vão alterando a interpretação, de modo que o ensinamento não é perfeito. A prática tem uma virtude de não ser intermediada pela linguagem. Assim como expliquei nos casos dos rituais, você pode ter um insight direto, intuitivo a partir de um ritual. Essa compreensão é mais profunda e melhor do que a explicada.

Por isso às vezes as pessoas pedem uma explicação de uma coisa como essa e eu digo que não vou dar explicação. Vai ouvindo, se daqui a cinco anos você entender, esse entendimento é melhor do que eu explicar. Estava falando desse assunto uma vez com o Roshi e ele disse: "E por que então usamos a linguagem? Porque é tudo que nós temos".  Sento aqui para dar uma palestra, o que posso usar? A linguagem. Por isso os mestres escrevem livros, fazem palestras, por isso eles ensinam, só por isso.

Agora, quando alguém só quer o ensinamento e não quer sentar, praticar, tem uma ação  inútil. É como alguém que diz que quer aprender a nadar e fica lendo manuais de natação. Todo mundo sabe que isso é absurdo. "Ah, li vinte manuais de natação, sei tudo sobre natação.", "Sabe? Vou te jogar na piscina", "não, não, piscina não, porque tenho medo de água". É igual no Zen.

(Palestra decupada por Pedro San e revisada por Kyô Hô San)