Aluno: Sensei, naturalmente nós temos um impulso por essa
condição, por obscuridade porque ela nos é conhecida. Como ter um impulso para
ultrapassar essa obscuridade, esse limite do caos?
Monge Genshô: Eu falei bem
no início do seshin sobre persistência, ainda a pouco eu usei essa imagem
também. Tem várias imagens nos textos sobre isso, se você está sentado e avança
no seu zazen, de repente parece que tem uma parede de ferro na frente e você
não consegue passar. Num ponto é como se você fosse um mosquito tentando passar
essa parede de ferro. Essa comparação está no Shoyoroku, o segundo caso de Shoyoroku:
“sou como um mosquito tentando atravessar uma parede de ferro”. Mas se você
fica ali, tentando atravessar essa parede, chega um momento em que ela racha de
alto a baixo ai você passa para o outro lado. E do outro lado é pura
luminosidade, você acha maravilhoso, a experiência é maravilhosa. Mas quando
você entra numa experiência maravilhosa, num insight que você teve no Zen, você
percebe que além daquele lugar maravilhoso tem outra parede, outro portal. Por
isso que de noite nós recitamos “os portais do Dharma são incontáveis, e eu
faço votos de atravessá-los todos”. Porque cada descoberta te traz um mundo
novo, mas você anda um pouco mais, e sempre terá um novo portal.
Por que nós temos medo?
Porque os portais tem guardiões. Antigas tradições esotéricas sempre falam
nisso. Os portais tem guardiões que fazem caretas terríveis. Quando você chega
num templo budista japonês, na frente, de um lado e de outro, há estatuas
fazendo caretas como demônios, eles são os protetores na tradição. Então a
gente pensa, “que coisa absurda isso no oriente”.
Vão até as catedrais cristãs
e vocês verão as gárgulas. Você vai até Notre Dame e vê as gárgulas que,
também, estão fazendo careta, são seres aterrorizantes que estão espalhadas ao redor
da catedral. Essas tradições de antigo conhecimento têm um significado
simbólico. Para você entrar nos lugares sagrados você precisa passar por medos
que serão assustadores para você. Que estão ali para assustar os espíritos
fracos, aqueles que não têm coragem de passar por aquela ameaça, e você tem que
passar por esta ameaça. Lá dentro está a estátua de Buda, lá dentro estão os
lugares sagrados, lá dentro é bonito. Do lado de fora tem personagens
assustadores.
Transferindo isso para a
nossa experiência, quando você está fazendo zazen, de repente você anda, anda e
chega um certo ponto que tem medo, você não sabe do quê, “será que eu vou enlouquecer,
será que eu vou passar adiante disso aqui? Que coisa assustadora que tem aqui”.
Quando aconteceu comigo a primeira vez a minha reação foi parar de fazer zazen
pois era muito assustador o que eu encontrei. Então fui falar com o meu
professor e ele me olhou e me disse “perdeu grande oportunidade. Nesse momento
você devia se perguntar: de onde vem esse medo dentro de mim? Ai você tinha que
passar adiante, porque você estava olhando o guardião do portal” na nossa
linguagem ocidental, na linguagem budista, você estava olhando o protetor. Você
não entrou no recinto sagrado, você estava do lado de fora e olhou o protetor.
Você não entrou na catedral, você ficou olhando as gárgulas nas cuminheiras.
Às vezes as linguagens
simbólicas são muito interessantes se a gente olhar com olhos de quem quer
decodificar ao invés de ficar descartando tudo como, “ah eu não entendo, é bobagem e etc” ou “isto
não existe, esses dragões não existem” ,claro que os dragões não existem, não é
disto que nós estamos falando, nós estamos falando dos dragões dos sonhos.