(continuação de Palestra Pública realizada em Goiânia, 30/11/15)
Você pode mudar seu carma? Pode,
perfeitamente. Exige um bocado de esforço, mas é possível. Você pode mudar seu
país? Pode, claro. Exige esforço. Não há injustiça se existem causas pregressas
que permitiram que aquilo acontecesse e sempre existe uma causa anterior, basta
que você raciocine da seguinte forma: não existe efeito sem causa. Portanto se
existem consequências, existem causas. Se nós quisermos mudar as consequências,
basta que nós mudemos as causas dessas consequências. Então, existe um fim tal
como “minha morte”? Não, a morte é ilusória. No sentido de que tudo é
continuidade, é impossível não haver continuidade, se tudo é causa e
consequência então nada pode começar no sentido absoluto.
Não adianta eu dizer: “minha vida está
muito infeliz”, logo em seguida pulo de um edifício e morro para acabar com a
infelicidade. Aquelas causas de infelicidade permanecem neste universo e este
carma produzirá uma pessoa com as mesmas tendências e os mesmos problemas que
levaram àquela situação de desespero. Não existe uma maneira de sair deste
mundo. Como Monge entrevisto diversas pessoas e sei que essas fantasias de
suicídio são muito mais frequentes do que a gente imagina. Eu fui diretor de
jornal e toda a imprensa tem uma regra: raramente se noticia suicídio. Porque
se você noticia um suicídio hoje, amanhã acontece um igual. As pessoas imitam.
Existe uma influência e para evitar essa influência você não noticia. Mas o que
interessa para nós aqui é a ideia de que tudo é continuidade, não existe uma
sensação real. Por causa disso a morte em si não é real, é apenas um evento que
informa a continuidade.
A morte é o grande problema filosófico
da angústia existencial e é o problema que Buda pensou. Ele vivia no palácio,
tinha riqueza, esposa, filhos, concubinas e o que mais ele quisesse. Mas ele
pensa em três problemas: velhice, doença e morte. Com 28 anos ele pensa nisso e
se pergunta qual é o sentido de tudo isso? Aquela lenda de que Buda saiu e viu
um velho, um doente e um morto é isso mesmo: uma lenda. Um homem de 28 anos,
treinado nas artes da guerra obviamente já conhecia velhice, doença e morte, a
lenda apenas nos informa que ele pensou nessas coisas como um problema e isso
gerou uma grande angústia existencial. É por ter pensado dessa forma que ele
saiu do palácio e disse: “eu vou resolver esse problema”. Resolver esse
problema, para Buda, só ocorre seis anos depois. São seis anos meditando,
jejuando, estudando com Mestres diferentes, mesmo Buda teve Mestres, e então
ele desperta. Quando ele desperta, esse despertar é o entendimento dessas
coisas que estamos falando. Mas não é um entendimento intelectual, é um
entendimento claro, um sentimento interno de que não existe início nem fim, só
existe continuidade e que a morte também faz parte das ilusões. Ele viu com
clareza tudo isso e despertou. Esse despertar é o que o torna Buda, antes ele
era Shakyamuni.
Quando Buda desperta ele vê a estrela da
manhã nascendo depois de ter passado sete dias meditando embaixo de uma
figueira e então ele diz: “óh, que maravilha! Eu, a grande Terra e todos os
seres simultaneamente atingimos a iluminação”. Essa palavra “iluminação” é
ocidental, em sânscrito é “despertar”, porque todos os homens estão sonhando
sonhos de ilusão e já que vivemos isso, estamos perdidos. Na verdade é por isso
que os homens criaram as religiões, para tentar dar uma solução para a morte. Dizem
“você vai ressuscitar”, “você tem uma alma imortal”, “você vai para o paraíso”,
ou qualquer outra resposta. E o paraíso é sempre de acordo com a circunstância.
Para os esquimós o paraíso é quente, mas provavelmente para o pessoal de
Goiânia lá tem ar-condicionado. Essa história é bem interessante porque os
primeiros missionários que chegaram para conversar com os esquimós descreveram
o inferno como um local cheio de fogo e os esquimós disseram: “para nós esse
inferno parece o paraíso”.
(CONTINUA...)