Eu estava num mosteiro na Califórnia,
nos Estados Unidos, eram montanhas e era inverno então nevava sem parar e a temperatura ia a
15º abaixo de zero. Eu estava falando com uma cozinheira holandesa e ela perguntou
como era o Brasil. Quando eu contei que aqui fazia sol e não nevava, a reação
dela foi exatamente essa: “para mim parece o paraíso”.
As religiões tentaram sempre entregar
para as pessoas uma solução para a questão da morte. Os egípcios embalsamavam
corpos e construíam pirâmides para enterrar faraós com todas as suas riquezas,
os vikings imaginavam um paraíso onde poderiam saquear e lutar sem parar, já os
gregos tinham um paraíso que era um ilha onde não se precisava trabalhar, a
comida caia das árvores e os homens caminhavam discutindo filosofia, paraíso de gregos... Cada um
pensa uma coisa. Então as religiões tentaram entregar uma ilusão que fosse
confortável, infelizmente no budismo não é assim. O budismo diz que esse desejo
de escapar da morte só ocorre porque você acredita na sua individualidade
separada, porque você acredita em seu eu.
Hoje nós sabemos neurologicamente que o
cérebro produz essa ilusão de uma individualidade separada. Você vê tudo separado,
eu aqui e tudo lá, todos os sentidos informam para você que nós estamos
separados, não vemos a nossa interconexão, embora nós saibamos intelectualmente
que estamos profundamente ligados. Todos sabem aqui que só respiram porque as
plantas produzem oxigênio, portanto você e as plantas são um, é uma simbiose.
Toda a vida é conectada, todos os nossos átomos são muito velhos e, na
realidade, têm origem em estrelas muito antigas. Todo mundo aqui em termos
químico-físicos é velhíssimo. O ferro que está dentro do nosso sangue, que faz
o nosso sangue ficar vermelho, só é produzido por supernovas, no caso foram estrelas
que já morreram bilhões de anos atrás. Eu perguntaria: “mas carmicamente será
que é diferente?”, não é diferente. É que a nossa tempestade cerebral é tão
imensa, tão complexa, que produz essa sensação de consciência. Dentro do cérebro há 100 bilhões de neurônios e cada um deles faz perto de 5 mil conexões. Cada
dendrito do neurônio faz de 5 a 8 conexões por segundo. O número de conexões
dentro do cérebro de um homem é da ordem de 10 seguido de cem de zeros. O
número de átomos que existe no universo é igual a 10 seguido de 80 zeros. Nós
temos muitíssimo mais possibilidades dentro da nossa consciência do que o
número de átomos dentro do imenso universo conhecido, tão imenso que não
conseguimos calcular.
Normalmente nós não entendemos grandes
números. Esses dias eu estava com um amigo e nós falávamos sobre um bilhão de
reais, eu disse que ele não sabia quanto era isso e ele: “eu sei quanto é um
bilhão”. Pedi então que ele me dissesse quantas maletas precisaria para juntar
um bilhão. Fomos calcular quanto caberia dentro de uma maleta executiva e
descobrimos que cabe por volta de 300 mil em notas de cem. Para fazer um milhão
precisaríamos de três maletas. Para fazer um bilhão precisaríamos de três mil
maletas. Daria um quilômetro de maletas, se colocássemos uma ao lado da outra.
Se você roubar 100 bilhões, como já aconteceu num desvio em uma grande estatal brasileira, isso daria 100 quilômetros, o
que seria como forrar a estrada daqui até Pirenópolis com maletas cheias de
notas de cem. Isso é que é um bilhão. Eu estou fazendo esse raciocínio para
dizer que se nós temos dificuldade de calcular de cabeça quanto é um bilhão,
vocês têm noção do quanto é 10 seguido de cem de zeros? Ninguém tem. E
depois nós nos admiramos por nossas mentes serem tão confusas, mas não tem como
ser diferente.
Nós não sabemos como surge mente,
cérebro e corpo, mas o Zen diz que mente e corpo estão conectados, portanto
você só vai fazer sua mente se acalmar e funcionar de outra forma caso acalme o
seu corpo, é por isso que a prática da meditação funciona. Eu disse na nossa
demonstração inicial: sentem, fiquem eretos, respirem assim para atingir o
sistema parassimpático, se acalmem e fiquem imóveis. No momento que se faz isso
a mente tende a frear. Mas alguém aqui da sala conseguiu passar aqueles dois
minutos sem pensar em passado ou presente? Conseguiu ficar aqui mesmo? Não é
não pensando, é estando aqui. Alguém? Ninguém. Interessante. Ou seja, frear a
nossa mente e mudar o seu estado é muito difícil, mas o que diz o budismo? Os
diferentes métodos e escolas budistas existem para mudar a mente. Nós temos
aqui nossos amigos da sangha tibetana que usam muitos métodos também, mas qual
é a intenção final de todos eles? Mudar a mente. Por quê? Porque se eu mudar a
mente eu consigo mudar as minhas marcas cármicas e se eu mudar o meu carma eu
mudo aquilo que eu falei no princípio, mudo a minha continuidade.
Se eu mudar a maneira como a minha mente
funciona, eu mudo toda a vida e o universo inteiro muda junto comigo. O que o
budismo diz é que nós somos donos das nossas vidas, não dependemos de nada que
vem lá de fora, não precisamos pedir nada para alguém fora de nós e não
precisamos acreditar em nada além da experiência. Ou seja, método e treinamento
podem mudar o carma e mudando o carma eu mudo a continuidade, portanto mudo não
só esta vida como as outras que ainda irão surgir. Aquilo que vai acontecer com
vocês não está escrito e é alterável por cada um de vocês. Vocês são donos de
seus próprias vidas, portanto do próprio futuro. Nesta definição carma não
passa de: ação e consequência. Isso explica como a gente pode sair de um início
e ir para um fim diferente. Tudo o que vocês são agora é efeito de atos de
vocês no passado, que ocorreram nesta ou em outras vidas. Não era o mesmo eu,
mas era a sua continuidade. Vocês são continuidade do passado, portanto são
responsáveis por tudo que acontece com vocês agora, então não reclamem.