sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Palestra de Goiânia - Parte III

(continuação de Palestra Pública realizada em Goiânia, 30/11/15)


Eu estava num mosteiro na Califórnia, nos Estados Unidos, eram montanhas e era inverno então nevava sem parar e a temperatura ia a 15º abaixo de zero. Eu estava falando com uma cozinheira holandesa e ela perguntou como era o Brasil. Quando eu contei que aqui fazia sol e não nevava, a reação dela foi exatamente essa: “para mim parece o paraíso”.



As religiões tentaram sempre entregar para as pessoas uma solução para a questão da morte. Os egípcios embalsamavam corpos e construíam pirâmides para enterrar faraós com todas as suas riquezas, os vikings imaginavam um paraíso onde poderiam saquear e lutar sem parar, já os gregos tinham um paraíso que era um ilha onde não se precisava trabalhar, a comida caia das árvores e os homens caminhavam discutindo filosofia, paraíso de gregos... Cada um pensa uma coisa. Então as religiões tentaram entregar uma ilusão que fosse confortável, infelizmente no budismo não é assim. O budismo diz que esse desejo de escapar da morte só ocorre porque você acredita na sua individualidade separada, porque você acredita em seu eu.


Hoje nós sabemos neurologicamente que o cérebro produz essa ilusão de uma individualidade separada. Você vê tudo separado, eu aqui e tudo lá, todos os sentidos informam para você que nós estamos separados, não vemos a nossa interconexão, embora nós saibamos intelectualmente que estamos profundamente ligados. Todos sabem aqui que só respiram porque as plantas produzem oxigênio, portanto você e as plantas são um, é uma simbiose. Toda a vida é conectada, todos os nossos átomos são muito velhos e, na realidade, têm origem em estrelas muito antigas. Todo mundo aqui em termos químico-físicos é velhíssimo. O ferro que está dentro do nosso sangue, que faz o nosso sangue ficar vermelho, só é produzido por supernovas, no caso foram estrelas que já morreram bilhões de anos atrás. Eu perguntaria: “mas carmicamente será que é diferente?”, não é diferente. É que a nossa tempestade cerebral é tão imensa, tão complexa, que produz essa sensação de consciência. Dentro do cérebro 100 bilhões de neurônios e cada um deles faz perto de 5 mil conexões. Cada dendrito do neurônio faz de 5 a 8 conexões por segundo. O número de conexões dentro do cérebro de um homem é da ordem de 10 seguido de cem de zeros. O número de átomos que existe no universo é igual a 10 seguido de 80 zeros. Nós temos muitíssimo mais possibilidades dentro da nossa consciência do que o número de átomos dentro do imenso universo conhecido, tão imenso que não conseguimos calcular.

Normalmente nós não entendemos grandes números. Esses dias eu estava com um amigo e nós falávamos sobre um bilhão de reais, eu disse que ele não sabia quanto era isso e ele: “eu sei quanto é um bilhão”. Pedi então que ele me dissesse quantas maletas precisaria para juntar um bilhão. Fomos calcular quanto caberia dentro de uma maleta executiva e descobrimos que cabe por volta de 300 mil em notas de cem. Para fazer um milhão precisaríamos de três maletas. Para fazer um bilhão precisaríamos de três mil maletas. Daria um quilômetro de maletas, se colocássemos uma ao lado da outra. Se você roubar 100 bilhões, como já aconteceu num desvio em uma grande estatal brasileira, isso daria 100 quilômetros, o que seria como forrar a estrada daqui até Pirenópolis com maletas cheias de notas de cem. Isso é que é um bilhão. Eu estou fazendo esse raciocínio para dizer que se nós temos dificuldade de calcular de cabeça quanto é um bilhão, vocês têm noção do quanto é 10 seguido de cem de zeros? Ninguém tem. E depois nós nos admiramos por nossas mentes serem tão confusas, mas não tem como ser diferente.

Nós não sabemos como surge mente, cérebro e corpo, mas o Zen diz que mente e corpo estão conectados, portanto você só vai fazer sua mente se acalmar e funcionar de outra forma caso acalme o seu corpo, é por isso que a prática da meditação funciona. Eu disse na nossa demonstração inicial: sentem, fiquem eretos, respirem assim para atingir o sistema parassimpático, se acalmem e fiquem imóveis. No momento que se faz isso a mente tende a frear. Mas alguém aqui da sala conseguiu passar aqueles dois minutos sem pensar em passado ou presente? Conseguiu ficar aqui mesmo? Não é não pensando, é estando aqui. Alguém? Ninguém. Interessante. Ou seja, frear a nossa mente e mudar o seu estado é muito difícil, mas o que diz o budismo? Os diferentes métodos e escolas budistas existem para mudar a mente. Nós temos aqui nossos amigos da sangha tibetana que usam muitos métodos também, mas qual é a intenção final de todos eles? Mudar a mente. Por quê? Porque se eu mudar a mente eu consigo mudar as minhas marcas cármicas e se eu mudar o meu carma eu mudo aquilo que eu falei no princípio, mudo a minha continuidade.

Se eu mudar a maneira como a minha mente funciona, eu mudo toda a vida e o universo inteiro muda junto comigo. O que o budismo diz é que nós somos donos das nossas vidas, não dependemos de nada que vem lá de fora, não precisamos pedir nada para alguém fora de nós e não precisamos acreditar em nada além da experiência. Ou seja, método e treinamento podem mudar o carma e mudando o carma eu mudo a continuidade, portanto mudo não só esta vida como as outras que ainda irão surgir. Aquilo que vai acontecer com vocês não está escrito e é alterável por cada um de vocês. Vocês são donos de seus próprias vidas, portanto do próprio futuro. Nesta definição carma não passa de: ação e consequência. Isso explica como a gente pode sair de um início e ir para um fim diferente. Tudo o que vocês são agora é efeito de atos de vocês no passado, que ocorreram nesta ou em outras vidas. Não era o mesmo eu, mas era a sua continuidade. Vocês são continuidade do passado, portanto são responsáveis por tudo que acontece com vocês agora, então não reclamem.