ÍNTEGRA DE PALESTRA PÚBLICA REALIZADA EM GOIÂNIA, 30/11/15
Para quem nunca fez meditação vamos
agora esquecer o passado e o futuro. Sentem bem retos, afrouxem os abdomens
para que a respiração seja abdominal e deixem os braços pousados sobre as
pernas. Vamos fazer só dois minutos de meditação e nestes dois minutos vocês
vão tentar esquecer tudo que for passado e não pensar em nada futuro. Fiquem
aqui no agora e somente isso. Olhem para baixo com os olhos semicerrados e não
se movam mais.
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Pediram que eu falasse sobre início e
fim. Nós temos o privilégio, no nosso tempo, da ciência ter progredido tanto que
nos permitiu ter uma visão do passado muito mais ampla do que antes. No início
do século XIX, as primeiras avaliações de quanto tempo a Terra teria chegavam a
números em torno de 300 milhões de anos. Isso deduzindo-se através dos fósseis
analisados, quando começaram a desenvolver a geologia e a examinar as camadas
do planeta. As conclusões a partir desses estudos chegavam a esses números
fantasticamente grandes e de números fantasticamente grandes o budismo e o
hinduísmo estão cheios. O hinduísmo, por exemplo, iniciou a ideia de eras
sucessivas e na realidade é essa ideia cíclica que o budismo desenvolveu. Mas é
importante notar que quando as pessoas perguntam como é o início de tudo, ou
como é o fim de tudo, elas estão perguntando como se deu o início delas mesmas
e como serão os seus fins. É isso que elas na realidade querem saber.
Vamos examinar esse problema um pouco
mais. A teoria predominante hoje, do ponto de vista científico, é que parece
que o universo começou uns 15 bilhões de anos atrás e que tudo está se
afastando. Se revertêssemos o tempo chegaríamos a um momento em que tudo está
unido num único ponto. Quando tudo estava unido houve um momento de expansão
repentina, que anedoticamente durante uma palestra de rádio na Inglaterra foi
chamado de Big Bang. Na realidade, não teria havido uma explosão. Uma criança
de nove anos me perguntou uma vez: “o que havia antes do Big Bang?” e minha
resposta foi que ninguém ainda pôde responder a essa questão. É verdade que
ninguém poderia responder essa pergunta do ponto de visto do conhecimento, até
porque como podemos determinar algo antes do tempo existir? O tempo existe
através de um intervalo entre dois eventos. Eu tenho esse sino e bato.
Quando eu o bato de novo eu posso medir a distância entre um evento e outro,
mas se não houver sino, não houver som, não houver ar, não houver mão, se nada existir,
como eu sei se passou um minuto, um ano ou um século? Eu não posso dizer antes
ou depois. Essa é a primeira questão. A segunda é: se o Big Bang reuniu tudo
dentro dele e então tudo se expandiu, significa que havia energia. Não teria
como haver surgimento do nada. Por definição o nada não cria algo. Do nada,
nada surge. Portanto, e é essa ideia que quero trazer aqui para iluminar a
nossa conversa, nós estamos falando de um tempo sem início e estamos falando de
um continuidade permanente das coisas, porque nada surge do nada.
Agora vamos trazer isso para as nossas
vidas. Um rapaz me perguntou ontem a respeito da justiça: “como se justifica um
acontecimento?”. Tudo é consequência de uma causa anterior. Se acontece algo
com você é porque você tem carma para que isso aconteça. Você pode dizer: “mas
me parece injusto isso que acontece com uma criança”, ou coisa assim, mas não
existe nenhuma criança ou pessoa aqui que tenha surgido ontem e possa dizer:
“há injustiça no que acontece comigo”. Cada um que está aqui é muito antigo e
existe desde um tempo sem início, porque sempre nós podemos recuar para um
momento anterior onde algo aconteceu. Como eu disse, mesmo que eu recue 15
bilhões de anos, mesmo aquele momento da origem possui energia. Não teria como
não haver energia contida nele. Ninguém sabe se o Big Bang é a expansão de um
universo que se contraiu em um imenso buraco negro e então chegou a um ponto de
singularidade em que se expandiu, fazendo surgir um outro universo. Isso faria
muito sentido porque seria a expressão de uma continuidade constante. Então
quando as pessoas perguntam “qual é o meu fim?”, ou “como é a morte?” elas não
podem falar de fim, porque não existe uma coisa tal como o fim, assim como não
existe uma coisa tal como o início.
Se somos continuidade constante então
existe um momento anterior e as consequências do momento anterior fazem surgir
o momento presente, isso explicaria porque alguém nasce na Síria ou na Dinamarca,
por exemplo. É justo ou injusto? Do ponto de vista budista é simples, você
reúne condições cármicas para a sua manifestação e portanto a sua manifestação
ocorre de acordo com aquilo que você plantou. Não
existe uma coisa tal como injustiça. Há motivo para você nascer no Brasil, há
motivo para nós termos esse tipo de democracia e vivermos o tipo de vida que
nós vivemos. Eu tenho carma para estar aqui, de certa maneira eu pertenço a
este mundo, eu não pertenço à Noruega. É por isso que eu estou aqui.
(continua...)