quarta-feira, 24 de abril de 2013

A maravilhosa linguagem é insuficiente




Pergunta – Eu gostaria de saber se o budismo tem alguma explicação para o pensamento, por que tenho pensamentos que eu quero ter ou não gostaria de ter? Pensamentos dualísticos, ao mesmo tempo em que quero pensar o bem, penso em coisas ruins.

Monge Genshô – Nós organizamos o mundo através da linguagem e ela é uma ferramenta muito útil, tanto que construímos toda tecnologia e todas as coisas usando a linguagem. Mas a linguagem tem um mecanismo dual. Desde pequeno você aprende entre certo e errado, em cima e embaixo, direita e esquerda. Embora isso no fundo não tenha muito sentido, essa é minha esquerda, mas aí pra você é sua direita. Aqui, agora é em cima, mas para os japoneses do outro lado do mundo é embaixo. Nós usamos a linguagem e organizamos o mundo, dessa forma podemos entendê-lo. Os homens para entender o mundo costumam classifica-lo. Você sempre encontrará as pessoas divididas em tipos, coisas como horóscopos onde se separam as pessoas conforme personalidades supostas, essas coisas são um esforço da mente para tentar colocar ordem numa coisa na qual ela não consegue ver ordem.

Na verdade as pessoas são todas diferentes. Você coloca-las em prateleiras e dividi-las em escaninhos pode ajudar a entendê-las. Mesmo numa fantasia, como é o caso dos horóscopos, mas não ajuda você a olhar a realidade de que cada pessoa a sua frente é um indivíduo maravilhosamente diverso de todos os outros. A sua mente faz isso, pois ela foi treinada para fazer isso, pois ela só consegue pensar com esse instrumento, a linguagem e a classificação. Mas quando peço para você sentar, eu digo não elabore, não julgue, não existe certo ou errado, deixe os pensamentos virem e irem, não o analise, não o agarre, não raciocine sobre ele, você só pode fazer isso com a linguagem e a ela não vai dar a você a percepção pura do universo. Essa percepção não pode ser alcançada com as palavras. As palavras são insuficientes.

Um dia desses na Sangha, uma mulher me perguntou, “como é a iluminação?”. Então perguntei quem já havia comido lichia. Perguntei se ela já havia comido lichia, ela respondeu que não, então pedi à outra pessoa que já havia comido que explicasse o gosto da fruta. A linguagem é absolutamente insuficiente para explicar algo aparentemente tão simples, você consegue colocar a fruta na boca e automaticamente saber o gosto, mas uma descrição disso não é nada. O samadhi que acabei de descrever, quando vocês experimentarem, saberão o que é, aí poderão falar com outra pessoa que já experimentou. Se alguém já teve uma experiência iluminada, poderá sentar com alguém que também já teve a experiência, um instantaneamente sabe do que o outro está falando, mas as pessoas que não tiveram essa experiência não conseguem conversar sobre isso, se está fora de sua experiência a linguagem é inútil.

Estamos procurando algo mais fundo que pensamentos. Mas então por que os professores do zen acabam falando, por que o senhor está dando uma palestra? Porque é a única coisa que tenho para me comunicar com vocês, ainda bem que temos a maravilhosa linguagem, mas ela é insuficiente.