sexta-feira, 26 de abril de 2013
Consciente, inconsciente, mantras
Pergunta – Mas o inconsciente também não seria um instrumento do ego?
Monge Genshô – Não usamos no zen, como se usa na psicologia, essa nomenclatura. É um pouco diverso. Não usamos inconsciente ou consciente, dizemos a mente, está tudo junto, seu inconsciente é acessível através da prática, da técnica. Sua mente está integrada. Pode ser útil usar as palavras inconsciente ou consciente dentro do terreno da psicologia ou até mesmo numa análise do zen. Mas na verdade estamos falando de “a mente”. Para os mestres do zen consciente e inconsciente são acessáveis. Como expliquei sobre o surgimento de imagens e coisas desse tipo dentro do zazen, isso acontece pois está acessível.
Pergunta – Vou reformular a pergunta então. A mente, que é o foco do zazen, não vem a ser o ego, ela é um instrumento, que pode ser do ego ou da essência? E vez ou outra pode haver esse conflito interno onde a mente é só o campo de batalha?
Monge Genshô – O ego é uma construção assim como o eu é uma construção. Por que ele está operando? Porque ele lida com memórias, com um corpo, com sentidos, então ele cria a noção de um eu. Mas temos pessoas hoje aqui com mais experiência nessa área, pessoas formadas em psicologia, mais acostumadas com esses termos e podem falar melhor sobre as diferenças entre eu e ego. Seigaku san, como você definiria essa diferença entre eu e ego sob o ponto de vista da psicanálise?
Seigaku San – Bom, posso falar sob a ótica da psicanálise. Não existe diferença entre eu e ego. O eu é uma construção imaginária que tem base inconsciente.
Monge Genshô – E o que seria ego?
Seigsaku San – O ego é uma tradução para o eu.
Monge Genshô – Alguém de outra linha que queira falar sobre isso?
Pablo San – Sou formado em Gestalt terapia. Para a Gestalt o que se entende por ego envolve a questão de personalidade. A Gestalt divide o ser em ID, ego e personalidade. Personalidade é o personagem social, eu tenho um nome, uma idade e tudo que envolve minha pessoa para agir no mundo. Para a Gestalt o ego são as ações no mundo, ações sensório-motoras. O foco da terapia é fazer o ego se desenvolver. Quando o ego se desenvolve a personalidade oscila. O ID seria o mais primitivo, as apetites, a fome, os desejos.
Monge Genshô – Como podemos observar, a linguagem é uma forma de tentar organizar e compreender uma coisa complexa. Vemos então, a psicanálise com uma determinada visão, a Gestalt terapia com outra, outras palavras e outras classificações, mas essas classificações não mudaram o homem. O homem continua sendo o mesmo. Só a linguagem tentou compreender colocando em escaninhos, dividindo e classificando, isso é o que fazemos com a linguagem.
Por isso o zen tantas vezes recusa o uso da linguagem ou usa de paradoxos para quebrar a mente conceitual. Por isso tantas respostas completamente delirantes dos mestres. Na verdade o que eles desejam é isso, quebrar. Antigamente não existiam banheiros nos mosteiros, usavam-se latrinas, que deveriam ser limpas constantemente, e para isso usava-se pás. Uma vez um mestre zen saía do banheiro e um monge lhe pergunta, “O que é Buda?”. Ele então olha para o lado e vê a pá que era usada para limpar as latrinas e responde, “esterco seco na pá”. O que ele tentou nesse momento? Detonar essa mente classificatória do discípulo.
Uma vez eu estava fazendo uma palestra sobre o zen para um grupo de praticantes tibetanos. E eles costumam recitar mantras. Nós também temos mantras no zen, como o do final do Sutra do Coração da Sabedoria em que dizemos Gyate Gyate, hara gyate, hara so gyate, bodi sowaka. Que quer dizer, “Idos, ou chegados à outra margem, todos juntos, o despertar, salve” que é a margem da sabedoria ou iluminação. Os tibetanos ao usarem os mantras acreditam que estão influenciando o mundo com esses sons. Então um aluno perguntou, “qual o mantra mais sagrado?”. Eu poderia dizer que é o do final do sutra do coração. Mas como ele fazia a pergunta preso a essa questão de sons sagrados e rezas, eu lhe respondi, “quando você vai ao banheiro e usa o vaso sanitário e ouve o ruído...Pluf...esse é o mantra mais sagrado”. Como todos ficaram congelados eu expliquei, veja bem, o universo é uno, todos os sons são a voz de Buda, são voz búdica, é o universo se manifestando. A manifestação do universo. Quando você pensa esse som é sagrado e esse não é, é sua mente classificatória que está funcionando, uma mente que separa bom e ruim, bonito e feio. Quando você for ao banheiro e ouvir esse som como se fosse a voz de Buda então você superou sua mente classificatória, sua mente conceitual e realmente viu tudo, então, esse é o mantra mais sagrado. Por isso as respostas dos mestres podem parecer aparentemente malucas, mas tem sentido.
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