quinta-feira, 4 de abril de 2013

Quem chora as ondas que morrem na praia?



Pergunta – O significa a cerimônia que a gente fez hoje?

Monge Genshô – As cerimônias são meios hábeis. Se for de nosso desejo podemos inventar um cerimônia. Mas nesse caso especifico, esses textos têm por volta de dois mil anos, não são de nenhuma língua falada atualmente, mas tem significado. O primeiro, Maka Hannya Shingyo, significa Sutra do Coração da Sabedoria, sua frase principal é “Vazio é forma, forma é vazio, vazio nada mais é do que forma, forma nada mais é do que vazio”. Após isso ele começa uma espécie de desconstrução, não existe sensação, não existe percepção, não existe concepção, não existem formações mentais e consciência. Vendo então o vazio de todos os agregados o Bodisatva desperta e livra-se de toda a agonia e sofrimento. Esse vazio não significa que não há nada, não é niilismo, não se trata de uma declaração de que tudo é nada. É simplesmente a declaração de que todas as coisas são vazias de um “eu”, nenhuma coisa tem um “eu” inerente, um “eu” próprio, nenhuma coisa existe por si mesma, isso que eu quis dizer quando falei que o guardanapo não possui um “eu”, ele é só um agregado de coisas, tudo é assim, a xícara em sua mão é também assim, alias ela só surge como xícara porque você a olha e a vê como xícara, então, tudo é coemergente com o observador, o universo também é coemergente com o observador. Se você conseguisse trocar seus olhos pelos olhos de Buda veria tudo completamente diferente. Há uma analogia que sempre uso e que penso ser muito apropriada, é das ondas do mar, as ondas são formas surgindo sobre o mar, cada onda parece ter um individualidade, mas não passa de energia na água, não é a água que se move, é a energia que dá forma as ondas e na areia as ondas quebram e morrem. Mas não vemos ninguém na areia lamentando a morte das ondas, não existe tristeza por ver as ondas quebrarem na praia. As pessoas olham para o mar e dizem, Que lindo! Por quê? Porque vêem o mar.

As vidas dos seres são como as ondas, mas mergulhados em nossos sonhos não enxergamos a vida, enxergamos as ondas, então, se um amigo morre, choramos sua morte. Por que não enxergamos o mar, enxergamos a onda. Parcialmente sabemos, quando olhamos o mar temos os olhos de Buda e o vemos como mar, não nos importamos com a morte das ondas na areia. Quando olhamos uma floresta não choramos pelos troncos apodrecidos e pelas folhas que caem, até achamos bonito as folhas amarelas no outono caindo, mas todas estão morrendo. Para os olhos de Buda as vidas e mortes da humanidade são lindas, porque é um olhar desperto sobre o que é a vida. O nosso olhar sobre a vida dos homens, seus nascimentos e mortes é tão enganado como o olhar de alguém que chorasse cada folha que cai e não percebesse que na primavera todas as folhas nascem novamente verdes e lindas. Não há problema, todas as folhas que caem viram húmus e é assim que as florestas se formam e sobrevivem.