Monge Genshô: Nosso
corpo não é diferente do armário, ele é construído de agregados, oxigênio,
hidrogênio, ferro, cálcio, fósforo, um monte de coisas. São esses agregados,
juntos funcionando, que dizem a si mesmo: “eu sou”. Nós queremos que este “eu”
seja permanente, mas nada no mundo é permanente, nada, nada é permanente.
Vejam, o que as
religiões tentaram foi negar o próprio tempo, a própria duração do universo,
porque o paraíso é para sempre, é eterno. Até o inferno, por exemplo, no
cristianismo, é para sempre, é eternidade, castigo para eternidade, castigo
infinito. Você comete um pecado e vai para o inferno infinitamente. Não parece
muito justo, porque o pecado é limitado, ele não é infinito, mas por quê o
castigo do pecado é infinito? Filosoficamente, me parece um pouco exagerado.
Mas para o
budismo está claro, não existe nada eterno, nem o universo é eterno, ele é
cíclico. Tudo está sempre girando, começa, termina, começa, termina. Ambicionar
a eternidade é querer contrariar o fluxo natural da vida. É por isso que no Zen
vem pouca gente, porque vamos lá e dizemos isso para as pessoas, mas o que as
pessoas querem é ser eternas. Eu quero que ”meu eu” seja eterno, “eu” quero ir
para um paraíso eterno, elas vão aos casamentos e juram amor para sempre. O que
é tolo, porque nenhum amor dura para sempre. Na melhor das hipóteses os dois
morrem juntos. Por que todo mundo está rindo? (risos) Porque na realidade, percebemos
a verdade evidente, tem algo de ridículo no comportamento humano de desejar a
eternidade. Não têm? Parece um conto de fadas, “e foram felizes para sempre”.
Mas é o que nós gostaríamos. E está tudo metido nesses mecanismos
mentais em que nós queremos nos iludir e nos esconder, o budismo vem e joga isso
na cara, aí vai todo mundo embora. Ficam só vinte pessoas para sentar em zazen,
porque você coloca a pessoa para olhar a parede e ela vê a verdade. Eu estou
respirando agora, mas eu vou respirar quanto tempo? Um dia eu vou respirar pela
última vez.
Aluno: Me parece uma ideia que
ao meu ver acaba num niilismo, se você não observar uma essência, não digo um
eu ou personalidade, mas uma essência que já vem de tempos.
Monge Genshô:
Você quer um eternalismo, uma essência permanente.
Aluno: Algo que sobreviva a esse niilismo,
ao nada, morreu acabou...?
Monge Genshô: Veja
bem, ninguém falou em “nada”. Quando em falei que uma gota se dissolve no mar,
eu não disse que essa gota deixou de existir. Então não é niilismo. Tem duas
coisas que Buda negou: o niilismo, ou seja, o nada, e o outro extremo, que
seria o o eternalismo. São dois extremos que o budismo nega, o eternalismo, que
é o que eu narrei, que é desejar a eternidade das coisas, e o niilismo, ou
seja, nada existe, nada veio de lugar nenhum, nós não somos nada, ou desapareço
e não sobra nada. Não é verdade. Sobra carma, tem continuidade, você pertence
ao universo e nós continuamos, assim com as gotas d´agua continuam no oceano. É
que na realidade nós não somos gotas separadas, nós somos “O” oceano. Por não
enxergar que você é o oceano você sofre, por saber que seu estado de gota vai
desaparecer, você vai se transformar, vai virar vapor por exemplo, se é nuvem
vai virar chuva, se é agua no solo vai virar folha ou vai estar dentro do corpo
de alguém, mas não é niilismo. Portanto, a palavra niilismo que você usou está
errada, correto? Então o budismo é o caminho do meio, “Madhyama Pratipad”, em
sânscrito, é isso que que dizer, nem niilismo, nem eternalismo.